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Um fóssil vivo nas profundezas do oceano

William J. Broad<br>The New York Times

01/09/2009 12h27

Há 33 anos, Peter A. Rona persegue um animal antigo e fugidio. Ele mergulha a uma profundidade de mais de três quilômetros no leito turvo do Atlântico Norte para buscar e, se possível, tirar sua presa à força.

Como o Capitão Ahab de "Moby Dick", ele nunca tem sucesso. Apesar do acesso ao melhor equipamento do mundo para exploração em grandes profundezas, ele sempre volta de mãos vazias - a criatura foge de seu alcance.

The Stephen Low Company e Rutgers University/The New York Times
Uma das evidências encontradas pelos cientistas para a existência do Paleodictyon nodosum atualmente é esta foto, que mostra um hexágono cheio de buracos redondos no leito do oceano
O animal não é nenhuma baleia branca. E Rona não é o insano Capitão Ahab, mas um ilustre oceanógrafo da Rutgers University, em Nova Jersey, nos Estados Unidos. Recentemente, ele chamou a atenção com um novo relatório de pesquisa, escrito em parceria com uma equipe de doze colegas.

O grupo juntou evidências suficientes para provar que sua presa científica - um organismo um pouco maior que uma ficha de pôquer - é um dos mais antigos fósseis vivos do mundo, talvez o mais antigo. Os ancestrais da criatura, chamada Paleodictyon nodosum, remontam ao nascimento da vida complexa. Pensava-se que a criatura em si, conhecida por fósseis, tinha sido extinta há cerca de 50 milhões de anos.

Se a longa busca deixa Rona frustrado? "Não", responde o pesquisador, enquanto mostra indícios do animal em rochas sedimentares de 50 milhões de anos de idade. "É a ciência. É trabalho de detetive. Trata-se de juntar uma pista atrás da outra".

Mesmo assim, numa entrevista realizada na Rutgers, Rona disse esperar ansioso um dia poder capturar uma das criaturas vivas. "Acho que é provável", disse ele, "se conseguirmos realizar os mergulhos". Autoridade em assuntos do mar profundo, ele gosta de se espremer em um minissubmarino e cair no abismo.

Todd Heisler/The New York Times
O professor Peter A. Rona, da Rutgers University, mostra rolos de filme que fazem parte de suas pesquisas no fundo do mar
UOL CIÊNCIA E SAÚDE
Leva-se mais de duas horas para descer até onde vive a criatura. A estabilidade ambiental desse mundo - incluindo sua pressão esmagadora e escuridão gélida - significa que alguns de seus habitantes mais famosos sobreviveram por várias eras como obstáculos evolucionários, seus corpos passando por poucas mudanças. Por exemplo, os lírios do mar, animais marinhos com braços emplumados, datam de mais de 400 milhões de anos.

Rona descobriu que o P. nodosum se prolifera em áreas restritas do leito do Atlântico. Sua única característica visível consiste em uma série de pequenos buracos dispostos em padrões de seis lados que, curiosamente, parecem com as copas dos tabuleiros de damas chinesas. Ele fotografou milhares dos hexágonos e descobriu que os grandes têm 200 ou 300 buracos.

A dificuldade do pesquisador para capturar a criatura significa que, apesar de os cientistas terem dado um nome ao fóssil, eles ainda debatem vigorosamente sobre o que seria a criatura. A principal questão é se os padrões hexagonais são tocas ou partes do corpo, residências vagas ou restos animais.

Outros detetives do fundo do mar, que compartilham a fascinação de Rona com o P. nodosum, podem ser encontrados em Yale e no Woods Hole Oceanographic Institution, em Cape Cod, Massachusetts, assim como em instituições na França, Canadá e Reino Unido.

"Ele tem o impulso da curiosidade", disse Adolf Seilacher, paleontólogo de Yale e coautor do novo artigo. Ele fez seu primeiro contato com Rona para discutir a criatura há três décadas. "Os verdadeiros cientistas, naturalistas, são extremamente curiosos".

Seilacher acrescentou que o P. nodosum era um animal incomum, especialmente porque os muitos buracos na superfície de sua residência se ligam por baixo num labirinto de túneis subterrâneos.

"Não se trata de qualquer fóssil, mas uma demonstração de uma forma de vida muito complexa", disse ele, em entrevista. "É uma planta de construção, um comportamento que faz com que esse animal erga esse sistema de galerias. É um estilo de vida muito, muito antigo".

Seilacher disse que as formas mais antigas do Paleodictyon datam da explosão da vida complexa no período cambriano, há cerca de 500 milhões de anos. Os animais começaram sua existência em águas rasas, acrescentou, e gradualmente expandiram para os habitats escuros do mar profundo.

Rona ficou fascinado pelo abismo de uma forma indireta. Suas primeiras paixões eram as rochas e montanhas. Em 1957, ele obteve diploma de mestre em geologia por Yale e foi trabalhar na Standard Oil, explorando o sudeste americano em busca de locais promissores.

No entanto, em 1958, quando visitava sua família em Manhattan nas festas de final de ano, ele encontrou grupos de oceanógrafos com embarcações de pesquisa ancoradas no West Side. Os famosos cientistas, que estavam em Nova York para uma reunião, falavam de um vasto mundo novo.

No início da década de 1970, armado com um doutorado em geologia marinha e geofísica por Yale, Rona explorava o fundo do Atlântico para a Administração Nacional Oceanográfica e Atmosférica. Ele usava redes, câmeras e sondas para mapear o leito oceânico.

Em 1976, ele encontrou o fóssil vivo por acaso.

Rona e seus colegas estavam rebocando um trenó de câmera gigante, suas luzes estroboscópicas disparando rapidamente, iluminando o leito do oceano e gravando imagens em grandes rolos de filme 35mm. Semanas depois, de volta a seu escritório na Flórida, Rona examinou o filme recém-revelado. Sua cabeça começou a girar.

O que eram todos aqueles buracos? O que causava esses padrões?

Primeiro, ele achou que quem revelou o filme estava tentando pregar uma peça nele. Depois, quando uma lupa revelou a realidade dos buracos, ele ficou paranóico e até considerou a possibilidade de que os padrões representassem pegadas de criaturas alienígenas do espaço que estavam colonizando o remoto leito oceânico. Felizmente, ele desistiu da ideia, e começou a entrevistar os melhores biólogos marinhos que conseguiu encontrar, primeiro na Flórida, depois em Washington, no Smithsonian Institution. Nada. Ninguém tinha a menor ideia.

Em 1978, Rona e um colega, George F. Merrill, publicaram um artigo descartando muitas possibilidades, chamando os animais misteriosos de "invertebrados de identidade incerta".

O grande avanço veio logo depois. Seilacher, na época no Instituto de Geologia e Paleontologia da Universidade de Tübingen, na Alemanha, escreveu para Rona dizendo-lhe que o organismo tinha a mesma identidade do fóssil P. nodosum. Ele chamou a ligação de "absolutamente certa".

Em sua carta, Seilacher sugeriu que os dois cientistas colaborassem no estudo da criatura. "Adoraria participar desta aventura", escreveu.

Nada aconteceu. O Atlântico era longe e custoso demais para ser analisado.

Em 1985, tudo mudou. Ali perto, Rona e seus colegas descobriram termas quentes e vidas bizarras, incluindo milhões de camarões. De repente, governos de todo o mundo encontraram um meio de enviar oceanógrafos correndo para o meio do Atlântico Norte para explorar as termas.

As criaturas de Rona estavam a menos de um quilômetro de distância. De carona em missões de alta prioridade, ele conseguiu visitar as águas turvas várias vezes, realizando mergulhos em 1990, 1991, 1993, 2001 e 2003. No último, ele e Seilacher foram juntos.

A colaboração os tornou em improváveis estrelas de cinema. Em 2003, a IMAX lançou "Volcanoes of the Deep Sea", sobre a caça dos cientistas ao fóssil vivo.

Rona tentou várias vezes capturar espécimes vivos. Ele colocava um tubo de plástico oco num hexágono e tirava um pouco da lama do leito oceânico. No entanto, inspeções detalhadas dessa sujeira nunca revelaram nada de significativo - nenhuma parte do corpo, nenhuma fibra biológica ou DNA.

Entretanto, o mergulho de Rona e Seilacher, em 2003, produziu uma evidência sólida que finalmente relacionou o animal ao P. nodosum. O braço robotizado do submersível Alvin dirigiu uma mangueira que esguichou água num arranjo hexagonal de buracos, lentamente removendo camadas de lama. A delicada operação rapidamente revelou um arranjo hexagonal de túneis abaixo da superfície idênticos aos do fóssil.

"Para mim", lembrou Rona, "foi um momento 'eureca!'".

Em maio, o novo artigo da equipe apareceu na versão online do Deep-Sea Research, Part II, um jornal sobre oceanografia publicado duas vezes por mês. O artigo impresso deve sair em setembro.

Com mais de dez páginas cheias de texto, ilustrações e fotografias, o artigo analisa as evidências de mais de três décadas e conclui que as formas hexagonais são "idênticas" às do P. nodosum, respaldando a conclusão alcançada por Seilacher tempos atrás.

O texto não busca consenso sobre se os buracos e redes abaixo da superfície representam abrigo ou partes do corpo. Seilacher, que apoia a ideia do abrigo, enxerga os túneis como um lugar onde um tipo desconhecido de verme ou outro organismo cria micro-organismos para comer.

Rona enxerga os buracos como partes de um corpo, talvez de um tipo de esponja comprimida. A falta de indicativos biológicos, disse em entrevista, pode se dever ao fato de que predadores microbiais comem os restos após a morte da criatura.

A razão pela qual a equipe não capturou nenhum espécime vivo, acrescentou, pode residir na idade e no grande número de locais vazios, ou corpos. Rona disse que a leve sedimentação da área significava que buracos "podem persistir no leito oceânico por centenas de anos".

Nenhum dos dois cientistas desiste de sua ideia sobre o que os buracos representam - apesar de sua colaboração de mais de três décadas.

"A discórdia é necessária na ciência", disse Seilacher. "É bom, pois isso nos obriga a encontrar mais argumentos, argumentos novos".

Rona parece ansioso por encontrar os argumentos novos. Ele fala empolgado sobre novos mergulhos no mundo negro do Paleodictyon, e também sobre a possibilidade de estabelecer uma câmera remota no leito oceânico, que tentaria capturar o antigo sobrevivente enquanto ele cresce e interage com seu ambiente escuro.

"É uma janela excepcional para o passado", disse ele, referindo-se à criatura. "Agora precisamos resolver o mistério sobre o que ela é. Precisamos obter um espécime".

Tradução: Gabriela d'Avila