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Dados de pacientes recolhidos online são valiosos para pesquisas

Sarah Arnquist<br>The New York Times<br>Em Cambridge, Massachusetts (EUA)

08/09/2009 11h59

Depois que Amy Farber ficou sabendo que tinha a rara e fatal doença LAM (abreviação para Linfangioleiomiomatose pulmonar), em 2005, ficou determinada em aumentar e acelerar as pesquisas sobre sua condição - com a esperança de encontrar uma cura ainda em vida.

Farber, de 39 anos, era estudante de direito, com doutorado em antropologia, prestes a começar uma família. Ela deixou a faculdade e fundou a Aliança de Tratamento de LAM, para levantar fundos e conectar uma rede de cientistas em todo o mundo para pesquisar essa misteriosa doença, que destrói os pulmões de jovens mulheres.

Para sua tristeza, ela encontrou um incômodo sistema de pesquisa, repleto de obstáculos à colaboração e ao progresso em médio prazo - um sistema que não foca nas necessidades dos pacientes.

"Podemos fazer melhor", ela pensou.

Ela levou suas frustrações George Demetri, hoje membro do quadro de conselheiros de sua organização. Professor e pesquisador de câncer da Escola de Medicina de Harvard, Demetri há tempos queria usar a internet para conectar pacientes ao redor do mundo - e usar sua sabedoria coletiva para extrair novas percepções sobre os raros cânceres que estuda.

Isso a levou a Frank Moss, diretor do Laboratório de Mídia do MIT (Massachusetts Institute of Technology), e a uma nova colaboração entre seu grupo e o laboratório: LAMsight, uma rede social onde os pacientes podem relatar informações sobre sua saúde, e então transformar esses relatórios em bancos de dados que podem ser pesquisados por colaboradores.

Desde os primeiros dias da internet, os pacientes usaram a web para compartilhar experiências e aprender sobre doenças e tratamentos. Hoje, porém, defensores das trocas de experiências online como Farber dizem que as comunidades online possuem o potencial de transformar a pesquisa médica - especialmente nos casos de doenças raras, como a dela, que não têm o número necessário de pacientes para estudos de grande escala, e que raramente atraem financiamentos de pesquisa da indústria farmacêutica. Além disso, disse ela, esse tipo de colaboração dá poder aos pacientes para que contribuam, questionem e ajudem a liderar o caminho às descobertas.

"Os pacientes têm sido um recurso tremendamente subutilizado", disse ela.
Moss, que chegou ao laboratório em 2005, vindo da indústria farmacêutica, concorda. As experiências cotidianas dos pacientes com a doença são uma enorme fonte de dados não aproveitados, segundo ele; agregados, esses dados poderiam gerar novas hipóteses para a pesquisa. "Estamos realmente transformando pacientes em cientistas, e alterando o equilíbrio de poder entre médicos, cientistas e pacientes", disse.

Cientistas e empreendedores estão cada vez mais explorando maneiras de utilizar esse potencial, e não só para doenças raras.

Diversas empresas privadas estão coletando online dados de pacientes, além de informações genéticas, para recrutar pacientes para experimentos clínicos, conduzir pesquisas internamente ou para vender a companhias de medicamentos e de biotecnologia.

Apoiadores desse modelo - algumas vezes chamado de pesquisa de código aberto - chamam-no de democratização do trabalho científico, e dizem estar desbravando novas possibilidades que colocam o paciente em controle de seus dados, criando pontes entre pesquisadores, pacientes e seus médicos. Eles dizem que esses métodos são muito mais baratos e rápidos que a pesquisa tradicional, que possui altos custos iniciais e depende muitos dos clínicos.

Mesmo assim, alguns especialistas estão céticos. Surgem questões sobre como esses sites irão garantir a privacidade dos pacientes; se os pacientes compreendem totalmente o que significa compartilhar suas informações médicas online; se as empresas privadas deveriam seguir as mesmas regras de proteção que regem o trabalho da maioria dos pesquisadores; e os problemas de qualidade em relação a dados gerados por usuário.

A internet oferece enorme potencial para atingir rapidamente grandes números de pacientes, mas dados auto-relatados criam dilemas consideráveis de pesquisa, diz o Dr. James Potash, professor associado de psiquiatria da Escola de Medicina Johns Hopkins.

Potash cita dois estudos que examinaram a qualidade de informações relatadas online por pacientes com depressão. Eles relataram seus diagnósticos online; os médicos, então, entrevistaram-nos para confirmar. Em um estudo, apenas dois terços das respostas online foram validadas; no outro estudo, foram três quartos.

Esses números não são bons o bastante para pesquisas de alta qualidade, diz Potash. Sem a habilidade de assegurar um diagnóstico correto e informações precisas, geralmente obtidas em entrevistas pessoais, os pesquisadores acabam com um problema do tipo "entra lixo, sai lixo", diz ele.

"A rapidez só é melhor se o trabalho é bem feito", disse. "Você não quer acelerar o trem e fazê-lo voar para fora dos trilhos".

Demetri, de Harvard, reconhece os desafios em usar dados auto-relatados online. "Todos somos sensíveis ao fato de que estamos criando as regras enquanto caminhamos", disse. "Preocupo-me com as informações de baixa qualidade, e quero ser cuidadoso para evitar observações enganosas".
Ninguém acha que a pesquisa observacional, usando dados de pacientes coletados online, substituirá os experimentos controlados, disse Ian Eslick, o estudante de doutorado no MIT que está desenvolvendo o projeto LAMsight.

Os dados gerados pelo projeto serão usados principalmente para análises exploratórias e geração de hipóteses, diz Eslick, embora acrescente que a abordagem online poderia eventualmente render novos modelos na condução de pesquisas experimentais.

"Existe uma ideia de que dados coletados de uma clínica são bons, e dados coletados de pacientes são ruins", disse ele. "Dados distintos são eficazes para diferentes finalidades, e dados diferentes podem levar a diferentes tipos de erros".

Em junho, a empresa farmacêutica belga UCB anunciou uma parceria para criar uma comunidade de epilepsia online junto à PatientsLikeMe (do inglês, "Pacientes Como Eu"), que está entre as primeiras empresas a desenvolver uma plataforma para dados compartilhados por pacientes. A PatientsLikeMe, com base em Cambridge, reúne dezenas de milhares de pacientes, que contribuem com informações detalhadas sobre suas doenças, remédios, dosagens e efeitos colaterais.

Mark McDade, chefe de operações da UCB, disse que o processo regulatório de aprovação deveria ser alterado para incorporar não apenas segurança e eficácia, mas também medidas de como os remédios afetam as vidas dos pacientes - dados que, hoje, são lentos e caros para se coletar.

Empresas de genética também introduziram pesquisas guiadas por pacientes. A empresa do Vale do Silício 23andMe, por exemplo, iniciou neste verão um programa chamado "Revolução da Pesquisa". Qualquer pessoa pode comprar, por US$ 99, uma versão simplificada do serviço genético da 23andMe, o que lhes dá informações sobre DNA de ancestralidade e riscos de certas doenças, e então contribuir enviando seus dados genéticos para pesquisa na doença de sua escolha.

A empresa planeja armazenar os perfis genéticos de milhares de pessoas para usá-los em pesquisas internas e em parcerias com outras companhias. "Chamamos isso de pesquisa 2.0", disse Linda Avey, uma fundadora da 23andMe. "Trata-se da abordagem Wikipédia contra a abordagem Enciclopédia Britânica".

Tais bancos de dados poderiam ser valiosos recursos a pesquisadores precisando recrutar rapidamente grandes números de pacientes, diz o Dr. Robert Cooke-Deegan, diretor do Centro de Ética, Lei e Diretrizes do Genoma, do Instituto de Ciência e Políticas do Genoma, na Universidade Duke.

Porém, as empresas privadas, como a 23andMe e PatientsLikeMe, não são limitadas pelas mesmas regras de proteção de pacientes que governam os pesquisadores médicos tradicionais usando financiamentos federais. Líderes empresariais dizem possuir declarações de privacidade e diretrizes éticas detalhadas.

Conforme essas empresas evoluem, entretanto, Cooke-Deegan disse esperar que elas tenham de lidar com mais questões de privacidade e consenso informado, já que manter a confiança do paciente é crucial para o sucesso do trabalho.

Ben Heywood, cofundador e presidente da PatientsLikeMe, disse que o modelo de negócios de sua empresa foi construído na base da confiança.
"Só seremos bem-sucedidos se nossos pacientes estiverem envolvidos e usando o site", explicou Heywood. "Se quebrarmos sua confiança, perdemos nossa comunidade, e então não teremos nada".

Cooke-Deegan diz que o modelo é tão novo que suas implicações ainda precisam ser pensadas. "Acho muito duvidoso, uma empresa que possui toneladas de dados particulares se aproximando demais da indústria farmacêutica, ou da biotecnologia", disse. "Mas não quero dizer que não irá funcionar, pois consigo enxergar todo o tipo de valor que pode sair disso".

Farber espera que seu site se torne o maior banco de dados mundial de pacientes de LAM ativos. Mais de 100 usuários registrados em cinco continentes estão usando o site, que não possui nenhuma publicidade, diz ela.

Doença rara, a LAM mata destruindo os pulmões. Os problemas respiratórios ainda não impediram a iniciativa de Farber em busca de novas pesquisas, mas ela diz que cada dia saudável com seu marido e filha é uma bênção.

Tradução: Pedro Kuyumjian