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Para os pais, trauma da UTI neonatal pode durar

Laurie Tarkan<br>The New York Times

10/09/2009 17h15

O filho de Kim Roscoe, Jaxon, nasceu prematuro de seis meses, pesando 1,1 kg. Porém, durante nove dias, ele se saiu muito bem na unidade de tratamento intensivo neonatal (UTIN), e Roscoe não se sentiu muito diferente das outras novas mães.

Seu pesadelo começou no décimo dia.

"Eu o havia deixado tarde da noite anterior, em meus braços, minúsculo, mas perfeito", disse Roscoe, de 30 anos, moradora de Monterey, na Califórnia. Porém, quando retornou à UTIN no dia seguinte, Jaxon estava com falência respiratória e renal, e seu corpo havia inchado até não poder mais ser reconhecido.

"Ele estava ligado a respiradores, sua pele estava ficando preta, os alarmes continuavam tocando sem parar", lembrou Roscoe.

Jaxon está hoje com 16 meses, morando em casa com a família. Entretanto, ele ficou na UTIN por 186 dias, e seus dias e semanas eram pontuados com episódios próximos da morte.

Durante sua experiência de seis meses, Roscoe tinha pesadelos constantes. Ela dormia vestindo os sapatos, esperando uma ligação do hospital a qualquer momento. Ela ficou brava com o mundo, e, de tão nervosa, pensava que os leitores de códigos de barras do supermercado eram os monitores de Jaxon se desligando. Seu marido, Scott, afundou-se em projetos, cuidou da filha deles, Logan, hoje com seis anos, e segurou as pontas emocionalmente. Cerca de três meses após o nascimento de seu filho, Roscoe pediu para ver um psiquiatra. Ela recebeu um diagnóstico de transtorno por estresse pós-traumático, ou TEPT - uma condição mental mais associada a sobreviventes de guerra, acidentes de carros e agressões, mas atualmente encontrada em pais de bebês prematuros em tratamento intensivo prolongado.

Um novo estudo da Escola de Medicina de Stanford, publicado no jornal Psychosomatics, acompanhou 18 pais com essa característica, tanto homens quanto mulheres. Após quatro meses, três tinham diagnóstico de TEPT, e sete foram considerados com alto risco para desenvolver a doença.

Em outro estudo, pesquisadores da Universidade Duke entrevistaram os pais seis meses após a data de nascimento de seus bebês. Os pesquisadores os avaliaram em três sintomas de estresse pós-traumático: evasão, falta extrema de sono e flashbacks ou pesadelos. Dos 30 pais, 29 apresentaram dois ou três dos sintomas, e 16 tinham todos eles.

"A UTIN era parecida com uma zona de guerra, com os alarmes, os ruídos, a morte e as doenças", disse Roscoe. "Não se sabe quem vai morrer e quem voltará para casa saudável".

Especialistas dizem que pais de bebês da UTIN passam por múltiplos traumas, começando com o parto prematuro, que é muitas vezes inesperado.

"O segundo trauma é ver seu próprio bebê sendo submetido a traumáticos procedimentos médicos, e também testemunhar outros bebês passando por experiências similares", disse o autor do estudo de Stanford, Dr. Richard J. Shaw, professor-associado de psiquiatria infantil em Stanford e no hospital infantil Lucile Packard.

"Em terceiro lugar, eles frequentemente recebem notícias ruins em série", explicou. "As más notícias continuam chegando. É diferente de um acidente de carro, uma agressão ou um estupro, onde você experimenta um trauma único e tudo acaba, então você tem de lidar com aquilo. Com um prematuro, sua experiência volta toda vez que você olha para seu bebê".

Abby Scharader e sua parceira, Sharon Eble, tiveram gêmeos com 23 semanas. Duas meninas, nascidas com meio quilo cada, enfrentaram uma seqüência de eventos quase fatais. "Éramos constantemente questionadas se queríamos desligar os aparelhos", disse Schrader, da Filadélfia.

Dezoito dias após o nascimento das gêmeas, o casal acabou retirando o suporte de um dos bebês, cuja saúde havia se deteriorado gravemente. A irmã sobrevivente, Hallie, de 3 anos, ficou na UTIN por 121 dias e continuou a ter problemas médicos assim que chegou em casa. "Desde o nascimento até o dia de hoje, sentimos como se estivéssemos apenas segurando as pontas", disse Schrader.

O estudo de Stanford descobriu que, embora nenhum dos pais tenha apresentado sintomas de estresse agudo enquanto seus filhos estavam na UTIN, eles na verdade tinham taxas mais altas de estresse pós-traumático do que as mães, quando eram examinados posteriormente. "Aos quatro meses, 33% dos pais e 9% das mães tinha TEPT", disse Shaw.

Pode ser que as funções culturais levem os homens a manter uma fronte valente durante o trauma para apoiar sua parceira, disse Shaw, acrescentando, "mas três meses depois, quando as mães se recuperam, os pais já poderiam desabar".

O estresse pós-traumático pode assumir a forma de pesadelos ou flashbacks. As pessoas podem sentir pânico sempre que um bip se interrompe na unidade de tratamento intensivo, ou podem evitar o trauma deixando de visitar a unidade ou se distanciando emocionalmente de seus filhos. Com o tempo, elas podem desenvolver depressão, ansiedade, insônia, enfraquecimento, raiva e agressividade. Esses sintomas, obviamente, podem prejudicar suas habilidades como pais.

Diversos estudos já mostraram que o risco de TEPT não possui relação com o tamanho ou a saúde do bebê, ou o tempo de permanência na UTIN. "A relação é com a forma como os pais lidam com a internação", disse Shaw. "Alguns são mais resistentes, e outros mais vulneráveis".

Em um estudo com afro-americanos moradores de áreas rurais, aqueles com maiores riscos de estresse pós-traumático relataram mais problemas cotidianos, como preocupações financeiras ou a falta de um parceiro, segundo a autora do estudo, Diane Holditch-Davis, professora da Escola de Enfermagem da Universidade Duke. Um dos maiores problemas para esses pais é o confronto quando os bebês finalmente saem da UTIN.

"Pode ser que eles só estejam prontos para processar sua experiência muitos meses depois, mas nesse ponto, a família e os amigos não querem mais falar a respeito", disse a professora.

Schrader, na Filadélfia, sentiu um isolamento similar ao lidar com os problemas de saúde de sua filha sobrevivente. "Nós ficamos com a sensação de que as pessoas simplesmente não queriam mais ouvir sobre aquilo tudo", disse ela.

Especialistas dizem que os pais com maiores riscos de estresse pós-traumático devem ser identificados antecipadamente, e receber ajuda que os prepare para lidar com o trauma inicial. Porém, muitos hospitais são focados em salvar os bebês, e não nas crises emocionais dos pais.

"Alguns hospitais possuem programas realmente ótimos, e em alguns deles, a realidade é na verdade muito triste", disse Liza Cooper, diretora do Programa de Apoio Familiar à UTIN March of Dimes, que oferece apoio psicológico a pais em 74 hospitais em todo o país. Embora a maioria das unidades tenha assistentes sociais, continuou ela, "não há ninguém para dar apoio aos pais, proporcionar atividades em grupo ou educação".

Vicki Forman não percebeu que estava sofrendo de estresse pós-traumático até quatro anos depois do nascimento prematuro de seus gêmeos, quando começou a pesquisar para seu livro "This Lovely Life" (Mariner Books, 2009), sobre sua experiência na UTIN e a criação de seu filho sobrevivente com diversas incapacidades.

"O que o pai está atravessando é mais ou menos descartado, pois você está lidando com os assuntos de saúde de seu bebê", diz ela. "Ocasionalmente um assistente social irá dizer, 'Você está cuidando de si mesma?', mas nunca diz, 'Esta é uma experiência traumática e você precisa prestar atenção a estes sintomas'".

Alguns hospitais juntam pais de bebês prematuros em tratamento intensivo com aqueles que tiveram a mesma experiência. Um estudo descobriu que, 16 semanas após o parto, as mães que foram colocadas ao lado de veteranos da UTIN apresentavam menos ansiedade e depressão, e sentiam ter maior apoio social, do que mães num grupo de controle.

Além do programa de apoio familiar, o March of Dimes administra uma comunidade de apoio online chamada shareyourstory.org. "A parte mais crítica é preparar alguém para que saiba o que esperar, e não caia num mundo de acontecimentos desconhecidos e assustadores", diz Cooper, do March of Dimes.

O TEPT não tratado traz efeitos prolongados na criança. Durante a estada na UTIN, por exemplo, pais traumatizados podem achar difícil segurar ou até mesmo olhar seu bebê, e isso pode afetar profundamente a ligação da criança à mãe. Mais tarde, as mães podem atravessar a "síndrome da criança vulnerável", na qual se tornam tão ansiosas que um pequeno acontecimento médico as coloca em pânico. Riscos normais do dia a dia podem parecer ameaças fatais; as crianças podem aprender como obter a atenção dos pais de forma pouco saudável, a partir de reclamações físicas.

Em seu livro, Forman escreve: "do momento em que meus gêmeos nasceram, eu enxergava potencial para uma tragédia onde quer que olhasse. Passaram-se anos antes que eu parasse de pensar dessa forma".

Em Monterey, Kim Roscoe está lidando agora com uma angústia parecida, 16 meses após o nascimento de Jaxon. "Eu ainda perco a cabeça quando ele tem uma simples coriza", diz ela. "E quando ele fica com febre, eu volto à UTIN".

Tradução: Pedro Kuyumjian