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NYT: Ordem do nascimento como fator isolado não define personalidade

Perri Klass, doutor em medicina<br>The New York Times

24/09/2009 19h24

A garota mais velha era esperta, organizada e se comportava muito bem na escola; no tempo livre, ela ganhava prêmios de dança. Cada vez que vinha para a avaliação médica periódica, sua mãe me dizia o quanto aquela menina era boazinha.

Ela é a mais velha, dizia a mãe, então recebe muita atenção, é esforçada. Quando a irmã mais nova passou a ser uma aluna igualmente boa, a mãe orgulhosa explicou que, naturalmente, a caçula queria ser exatamente igual a mais velha.

Depois, nasceu um menino, muito esperado. Quando ele era pequeno, comecei a me preocupar, pois ele demorou um pouco a falar. Sua mãe estava perfeitamente tranquila. Ele é o único filho homem, dizia ela, recebe bastante atenção, então não tem de dar duro.

Todo mundo leva as coisas para o lado pessoal quando se fala em ordem de nascimento. Afinal, todo mundo é o filho mais velho, ou o caçula, ou o do meio, ou filho único. Mesmo já adultos, nós retrocedemos, quase que inevitavelmente, para uma piada, ressentimento ou rivalidade nunca superada.

Filhos e pais são igualmente e profundamente afetados pelas constelações de irmãos; diz-se que duas crianças não crescem na mesma família, pois a experiência de cada irmão é muito diferente.

No entanto, isso não significa que os efeitos da ordem de nascimento são tão claros e diretos quanto nós às vezes fazemos parecer. A ordem de nascimento pode ser usada para explicar todos os traços de personalidade e seu oposto. Sou competitivo, motivado - típico filho mais velho! Meu irmão, dois anos mais novo, é ainda mais competitivo, mais focado - típico irmão caçula, sempre tentando alcançar o mais velho.

Entrevistei alguns pediatras experientes sobre quando os pais têm tendência a levantar a questão da ordem de nascimento. Muitos citam a questão da fala, especialmente quando o segundo filho não fala tão bem ou tão cedo quanto o primeiro.

Os pais falam sobre erros que eles acreditam ter cometido da primeira vez. Desta vez, vamos resolver o problema do sono, e rápido. Desta vez, vamos acertar, vamos ensiná-lo a usar o troninho. Desta vez, vamos matricular o menino no futebol.

"Muitos pais são assombrados por experiências boas e ruins que eles identificam com sua ordem de nascimento", disse Dr. Peter A. Gorski, professor de pediatria, saúde pública e psiquiatria da University of South Florida. Isso pode levá-los a classificar seus próprios filhos de acordo com a ordem de nascimento, continuou o estudioso. Isso, por sua vez, pode levar a um sentimento de identificação ou até rejeição, e às "profecias auto-realizáveis".

Frank J. Sulloway, acadêmico visitante da Universidade da Califórnia, em Berkeley, também autor de "Born to Rebel: Birth Order, Family Dynamics and Creative Lives" (Pantheon, 1996), aponta que os filhos "número dois" tendem a ser expostos a menos linguagem que as crianças mais velhas. "O melhor ambiente para se crescer é basicamente seus pais conversando, com palavras bonitas", disse Sulloway.

Ele citou um grande e elogiado estudo norueguês, publicado em 2007, que descobriu que os QI dos irmãos mais velhos eram, em média, três vezes mais altos que os dos irmãos mais novos. O estudo fez uso de registros militares noruegueses, então todos os participantes eram do sexo masculino.

Essas diferenças no estímulo verbal, assim como as diferenças no QI, são "relativamente modestas", continuou Sulloway, e provavelmente não resultam em atrasos no desenvolvimento da fala. Porém, numa criança que já é vulnerável, uma criança que pode ter temperamento menos provável de chamar a atenção dos adultos, ou uma criança que cresce num lar menos estimulante - bem, neste caso, ser o segundo filho pode ser o risco adicional que faz a diferença, disse ele.

"A ordem de nascimento não causa nada", afirmou Sulloway. "É simplesmente uma representação para os verdadeiros mecanismos que ocorrem na dinâmica de uma família responsável por moldar o caráter e a personalidade".

Todos nós podemos citar exemplos e contra-exemplos, de nossas próprias famílias, de amigos, da história e da literatura. Há muitas famílias cujo caçula é o mais inteligente ou o mais acadêmico, e muitos exemplos históricos e na literatura (Jane e Elizabeth Bennet, Meg e Jo March, Dmitri e Ivan Karamazov - e você pode pensar também sobre esses autores e seus irmãos mais velhos, e fazer as comparações que quiser). Há ainda vários exemplos de irmãos mais velhos brilhantes; mas, devido à minha posição de primogênito, vou evitar citar exemplos (eu avisei, sempre levamos para o lado pessoal).

O QI, apesar de dominar algumas discussões, pode moldar menos a vida familiar que a personalidade e o temperamento. "Isso faz parte de um cenário maior que realmente envolve a dinâmica da família", disse Sulloway. "A dinâmica da criança e da família é como um tabuleiro de xadrez; a ordem de nascimento é como o cavalo".

Há ainda todas as outras influências a considerar, do tamanho da família à situação sócio-econômica. "Tipicamente, os primogênitos tendem a mandar nos irmãos mais novos. Mas e se você for uma pessoa bem tímida?", disse Sulloway. "Napoleão era o segundo filho e seu irmão mais velho era um rapaz muito tímido. Ele usurpou a posição do irmão mais velho porque ele não a ocupou. E por que ele não ocupou a posição? Por causa do temperamento".

É claro que a ordem de nascimento influenciava meus pacientes, mas o mesmo acontecia com o sexo, intervalo de nascimento entre os irmãos e, acima de tudo, temperamento. Aquele pequeno garoto era ainda mais equilibrado, mais tranquilo que suas duas irmãs, facilmente acalmado. Acho que ele teria demonstrado esse temperamento, independente de qualquer coisa.

No entanto, o temperamento também o ajudou a definir seu relacionamento com as quatro pessoas maiores de seu círculo próximo. "Não descontaria o impacto da ordem de nascimento", disse Gorski. "Isso estabelece a estrutura do lugar da pessoa em relação aos outros desde o princípio, da mesma forma como aprendemos a reagir com pessoas de diferentes idades e relacionamentos".

Pediatras sempre são alertados para não deixarem passar um atraso no desenvolvimento da linguagem por causa da crença dos pais de que os garotos, ou os caçulas, aprendem a falar mais tarde. No final, acabei insistindo num teste de audição e em fonoaudiologia para o menino. Como depois viemos saber, sua audição ia bem, e suas irmãs praticaram com ele vários exercícios até que sua fala melhorou. Essa é uma das vantagens de ter irmãs mais velhas esforçadas.

Tradução: Gabriela d'Avila