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Problemas no trabalho e insatisfação profissional deflagram "depressão pós-férias"

Cristina Almeida

Especial para o UOL Ciência e Saúde

30/10/2009 21h37

Você mal voltou das férias e se sente cansado, nervoso, tem dificuldade para se concentrar e dormir. No trabalho, os colegas notam sua apatia, irritação, as mudanças de humor. Ninguém imagina que esse quadro se manifesta já desde os primeiros momentos do dia, quando você acorda e não tem vontade de levantar. Retomar o ritmo, após alguns dias de descanso, pode ser difícil, é natural e esperado, mas se o desânimo se prolonga no tempo, é possível que você esteja vivenciando uma "depressão pós-férias".

Embora não existam registros na literatura médica especializada sobre esse tipo de depressão, ela tem sido definida pelos especialistas como uma situação consequente à transição de um estado de relaxamento ou excitação, para o cotidiano estressante imposto pela rotina do trabalho. Conforme a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da International Stress Management Association Brasil, outros sinais podem evidenciar o problema: “Há negativismo, dores musculares, principalmente nos ombros e nos maxilares. Entre as mulheres, verificam-se mudanças na libido mais acentuadas, e os homens não têm ânimo nem para fazer a barba. Algumas pessoas sentem até náuseas pela manhã, só de pensar que devem ir trabalhar”.

Na maioria das vezes, as causas desse desalento generalizado são problemas no ambiente profissional, associados a relacionamentos difíceis, infelicidade com a própria profissão ou frustrações ligadas à carreira: falta de recursos para tocar projetos, ausência de reconhecimento pessoal ou econômico, ter qualificação além ou aquém das próprias responsabilidades etc. “A discrepância entre o que se gostaria de ter e fazer e a realidade gera insatisfação, que se intensifica após o retorno das férias”, diz Rossi.

Férias frustradas

FÉRIAS E FERIADOS NO MUNDO
Fonte: Mercer Human Resource Consulting
Austrália30 - 3710 ou 1140 - 47
Brasil3011 (em 2009)41
Finlândia251439
Áustria251338
Grécia251237
França251136
Portugal221436
Espanha221436
Suécia251136
Dinamarca251035
Luxemburgo251035
Alemanha201333
Bélgica201030
Itália201030
Irlanda20929
Holanda20828
Reino Unido20828
EUA143 ou 417 -18
PaísFérias (dias)Feriados (dias)Total

Na opinião da psiquiatra Paola Alves, do Hospital Nossa Senhora da Luz (Aliança Saúde PUC-PR e Santa Casa), essas sensações geralmente são consequência da falta de interesse pela atividade que se exerce. Outra possibilidade, explica a especialista, “É que as férias tenham sido insuficientes ou ineficientes, como nos casos em que elas foram utilizadas para resolver problemas pessoais, ou se manteve um segundo emprego. Além disso, existem casos em os sintomas de depressão eram preexistentes e, para essas pessoas, o retorno poderá ser muito mais difícil, principalmente se não estiverem tratando a doença”, completa.

A dupla jornada do trabalho feminino faz das mulheres presas fáceis dos sintomas, pois mesmo estando longe da profissão, não têm como tirar férias da rotina familiar que inclui casa e filhos. Mas isso não significa que os homens sejam menos suscetíveis: como se sentem responsáveis pelo sustento da família, se o salário não for suficiente para atender à demanda, a desmotivação pode ser ainda maior.

“A vantagem das mulheres é que elas são mais hábeis para lidar com o problema”, fala Rossi. “Os homens demoram mais para pedir ajuda, o que contribui para o agravamento do quadro. E como não valorizam os próprios sintomas, o resultado, com frequência, é a depressão propriamente dita”.

Profissões de risco

O tipo de profissão também influencia uma maior tendência à depressão pós-férias. Profissionais do mercado financeiro, informática ou profissionais que exerçam atividades diversas daquelas para as quais foram treinados estão no topo da lista dos mais afetados.

E não é só. Lídia Weber, psicóloga e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), afirma que quem tem maior probabilidade de vivenciar o problema são aqueles que “Têm o dia-a-dia muito atarefado, os que não sabem dizer não, os que fazem o trabalho pelos outros, os acometidos pelo 'burnout' ou os que são ou foram vítimas de assédio”.