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Índia: uma economia em crescimento e com aumento de emissões

Por Murali Krishnan*

01/12/2009 13h38

A imagem da nova Índia é a de uma nação em progresso: rápido crescimento econômico, aumento da classe média, grandes projetos de infraestrutura e contratos de negócios em todo o mundo. Tudo isso sugere que a Índia poderá ser a próxima China, a próxima superpotência econômica a emergir do mundo em desenvolvimento.

 

Mas há um outro lado na maior democracia do mundo: cerca de 60% dos indianos vivem com menos de US$ 2 por dia. Mais da metade dos mais de um bilhão de habitantes do país carece de acesso formal à eletricidade. Em alguns dos Estados mais populosos da Índia, como Bihar e Uttar Pradesh, uma população combinada de 250 milhões de habitantes não tem eletricidade durante grande parte do dia, enquanto as aldeias em grande parte do interior da Índia nem mesmo estão ligadas à rede elétrica do país.

 

Diante deste cenário –e o imperativo nacional urgente de reduzir a pobreza e melhorar a educação e saúde– é que a Índia enfrenta a questão de como tratar a mudança climática. Por anos, o governo indiano vê o aquecimento global por seu prisma doméstico, argumentando que limites obrigatórios às emissões de gases do efeito retardariam seu crescimento econômico explosivo e que, de qualquer forma, são os países industrializados que devem arcar com a responsabilidade de resolver um problema que começaram décadas atrás.

 

AP/Ajit Solanki
Homens em rio poluído em Ahmadabad
UOL MEIO AMBIENTE
UOL INTERNACIONAL
Nestes assuntos, as autoridades indianas e líderes empresarias parecem de acordo. A ponto de existir um lobby a respeito da política sobre mudança climática, ele parece parte do diálogo entre o governo e as empresas sobre como dar continuidade ao progresso econômico. As ONGs ambientais que defendem medidas mais duras têm pouca participação na discussão. “As opiniões das ONGs são requisitadas em algumas políticas. Mas quando se trata de ocupar uma cadeira à mesa nas negociações, isso não acontece”, diz Joydeep Gupta, secretário do Fórum dos Jornalistas Ambientais na Índia.

 

Ainda assim, há uma crescente discussão sobre a mudança climática na Índia, incluindo um debate sobre quão rapidamente o país deve agir para moderar suas próprias emissões de gases do efeito estufa. De fato, apesar da Índia nunca ter assumido uma posição excessivamente linha-dura, ela agora diz que fará sua parte para coibir as emissões. Ao seguir em dezembro para Copenhague para as negociações do novo acordo sobre o clima, a Índia quer ser, nas palavras de Jairam Ramesh, o ministro do Meio Ambiente indiano, “um país que fecha acordos, não um que arruína acordos”.

 

A mudança sutil na posição da Índia a respeito do aquecimento global ocorre enquanto o primeiro-ministro Manmohan Singh e os negociadores do tratado sobre o clima estão buscando adotar um postura mais internacionalista, tanto a respeito da mudança climática quanto do comércio, enquanto também buscam melhorar a estatura global da Índia. O país assinou recentemente um importante acordo nuclear civil com os Estados Unidos, uma parceria que promete melhorar sua segurança de energia e estabelecer a base para o ingresso no mercado nuclear internacional.

 

Há muito em jogo. A Índia é a quinta maior emissora de gases do efeito estufa que contribuem para a mudança climática. As emissões anuais per capita do país (http://moef.nic.in/downloads/home/GHG-presentation.pdf) de gases do efeito estufa são de 1,2 tonelada, mas deverão dobrar para quase 2,1 toneladas até 2020, depois mais que triplicar para 3,5 toneladas até 2030. Em comparação, as emissões per capita dos Estados Unidos são de mais de 18 toneladas e a média mundial é de 5 toneladas.

 

Apesar da Índia ainda não ter endossado metas globais legalmente vinculantes para redução das emissões, ela propôs medidas domésticas que incluem o aumento do uso de energia renovável, padrões mais rígidos de eficiência dos combustíveis, códigos obrigatórios de construção verdes, reduções no consumo de energia e construção de usinas a carvão mais eficientes. Nova legislação foi proposta ao Parlamento indiano, estabelecendo reduções específicas para as emissões de carbono.

 

Mas o princípio guia da Índia, a base de sua plataforma internacional, é que suas emissões de gases do efeito estufa (em uma base per capita), nunca ultrapassarão a média de emissões per capita dos países desenvolvidos. O governo indiano argumenta que a meta per capita é uma medida legítima, um desafio oneroso e um compromisso significativo. Os críticos argumentam que a meta é insuficiente; como a Índia tem mais de um bilhão de habitantes, eles dizem, qualquer aumento em suas emissões per capita ainda assim poderia aumentar dramaticamente o aquecimento global. As autoridades indianas rebatem que a fonte do problema não é a população, mas o consumo.

 

Lentidão na resposta

 

Apesar da mudança na posição da Índia, ainda restam disparidades significativas entre as declarações do governo indiano sobre a mudança climática e sua execução das políticas. Isso se deve em parte ao governo ser lento em implantar novas regulamentações, e o setor privado, que tem alimentado um crescimento econômico de 7% a 8% ao ano, tem feito pouco para mitigar sua contribuição ao aquecimento global ou em desenvolver formas de se adaptar a ele.

 

Em junho de 2008, por exemplo, o primeiro-ministro Singh anunciou o ambicioso Plano de Ação Nacional sobre Mudança Climática (NAPCC, na sigla em inglês), uma abordagem para tratar do aquecimento global por meio de oito iniciativas nacionais, ou missões. As medidas visam em particular promover o uso da energia solar, a eficiência em energia, habitats e agricultura sustentáveis.

 

Mas até o momento, nenhuma das missões saiu do papel e o orçamento federal não fez virtualmente nenhuma alocação para medidas para coibir a mudança climática. Malini Mehra, fundadora do Centro para Mercados Sociais e produtora de um documentário sobre as empresas e a mudança climática, diz que a indústria indiana não está fazendo o suficiente para pressionar o governo a adotar uma posição mais proativa a respeito da agenda do clima ou da sustentabilidade. “A indústria tem sido passiva e reativa”, diz Mehra. “Diferente de muitos países, não há um lobby progressista formado para defender a posição das empresas por uma liderança climática. Este é o motivo para o governo escapar impune ao considerar a mudança climática um problema dos outros e apenas um custo para a Índia.”

 

Este tipo de inação também caracteriza o setor de energia. A Lei de Conservação de Energia de 2001, por exemplo, identificou 15 grandes setores intensivos em energia para melhorias em eficiência. Mas apenas em 2007 é que o governo notificou as empresas em nove setores industriais a respeito do que a lei exigia. Os setores incluíam alumínio, cimento, cloro-álcalis, papel e celulose, fertilizantes, usinas elétricas, aço, têxteis e ferrovias. Elas iriam nomear um gestor de energia, apresentar relatórios anuais de consumo e realizar auditorias. Também seriam obrigadas a adotar normas rígidas de consumo de energia especificadas pelo governo. Até o momento, entretanto, nenhum retorno foi apresentado por qualquer um dos setores. E seis outros setores intensivos em energia –açúcar, químico, transportes, petroquímico, portos e os prédios convencionais– ainda não foram notificados.

 

“Leva tempo para esses processos decolarem”, disse Ajay Mathur, chefe do Birô de Eficiência em Energia, que juntamente com o Ministério da Energia está encarregado de preparar o plano de conservação. “Alguns setores começaram a apresentar retornos e eu preciso checá-los”, Shyam Saran, o representante especial para mudança climática, justificou o atraso, dizendo que as medidas ainda eram uma “obra em progresso”. Ele disse que a implantação plena das leis exigiria decisões de Gabinete e legislação adicional. “Este é o estágio em que estamos –tentando resolver como implantaremos essas recomendações que já foram aceitas em princípio pelo conselho sobre mudança climática do primeiro-ministro.” Os seis setores restantes, ele acrescentou, estão sendo considerados pelo conselho um por um.

 

Ao mesmo tempo, o birô de eficiência em energia anunciou que tornará classificações de energia obrigatórias para aparelhos elétricos, incluindo aparelhos de ar condicionado e refrigeradores. A nova regra, que entrará em vigor em janeiro de 2010, exige que lâmpadas fluorescentes tenham rótulos com informação sobre o consumo de energia do produto. Em junho de 2010, o governo deverá expandir o sistema de classificação de eficiência para cobrir motores elétricos, televisores e fogões que usam gás propano líquido. Os fabricantes terão que cumprir a lei independente de seus produtos serem vendidos domesticamente ou no exterior. Mas fontes na indústria disseram que o prazo para implantação da lei será prorrogado, porque os fabricantes não estarão em posição de realizar as mudanças necessárias dentro desse prazo e que o governo não as está pressionando para fazê-lo.

 

A posição relaxada do governo também significa que a indústria está exibindo poucos sinais de urgência na redução de suas emissões de gases do efeito estufa. Por exemplo, o Tata Group, o conglomerado internacional que é a maior corporação da Índia, apenas agora começou a tratar da mudança climática. Em maio, o Tata manteve as consultorias McKinsey and Company e Ernst & Young para auxiliar suas cinco empresas mais poluentes a reduzirem sua pegada de carbono. Segundo a Tata, essas empresas, a Tata Steel, Tata Motors, Tata Power, Tata Chemicals e Tata Consultancy Services juntas representam 80% das emissões gerais do grupo. As emissões de CO2 do grupo siderúrgico Tata Steel são atualmente de 2 toneladas por tonelada de aço líquido, enquanto o padrão mundial ideal é de 1,5 tonelada de CO2 por tonelada de aço líquido. Reconhecendo a defasagem do grupo, o diretor da Tata Sons, Jamshed J. Irani, disse que a firma –a principal holding do Tata Group– planeja reduzir suas emissões de gases do efeito estufa com base nos valores de referência mundiais ao longo dos próximos três anos.

 

Um relatório independente recente do Projeto de Revelação de Carbono britânico sugere quão longe as empresas indianas precisam ir. O relatório, que cobriu 200 empresas indianas, incluindo 95 de setores intensivos em energia, apontou que apenas poucas firmas trataram ativamente de suas emissões de gases do efeito estufa. Ele apontou que 40% das empresas trataram com os autores de política sobre possíveis respostas à mudança climática, incluindo impostos, regulamentação e comércio de carbono, mas apontou que menos de 20 empresas, muitas delas multinacionais, estão envolvidas no comércio de emissões. O estudo apontou que apesar da maioria das empresas que responderam à pesquisa possuír metas de redução de emissões, elas são subjetivas em vez de quantitativas, além de carecerem de prazos.

 

Um milhão de novos carros por ano

 

O transporte é uma área particularmente delicada para o crescimento das emissões de carbono da Índia. Mais de um milhão de carros estão sendo acrescentados às ruas da India a cada ano –uma taxa de crescimento anual de 10,2% ao longo dos últimos cinco anos. O setor de transporte está trabalhando para desenvolver combustíveis alternativos visando tanto a segurança energética quanto a redução das emissões. Segundo a Sociedade dos Fabricantes de Automóveis Indianos (Siam, na sigla em inglês), que representa os grandes fabricantes de veículos e motores da Índia, novos padrões de emissões em breve entrarão em vigor. Em abril de 2010, as normas de emissões Euro IV, baseadas nos padrões de 2005 da UE, passarão a vigorar em 13 cidades indianas, e as normas Euro 111, baseadas nos padrões de 2000, passarão a vigorar no restante do país.Em breve haverá um padrão único por toda a Índia, diz Dilip Chenoy, diretor geral da Siam. “Há um roteiro e estamos nos esforçando para que sua adoção seja voluntária, à frente do governo”, ele disse. Ele acrescentou que, “o governo também estabeleceu uma força-tarefa para preparação de um roteiro para adoção do hidrogênio. Estudos de viabilidade técnica serão realizados”.

 

Apesar do progresso nas emissões, grupos ambientais há muito argumentam que a indústria automotiva está adiando o desenvolvimento de combustíveis alternativos e resistindo à adoção de padrões mais altos de eficiência no consumo de combustível. D. Raghunandan, do Fórum de Ciência de Déli, uma organização sem fins lucrativos que trata de políticas para ciência e tecnologia, argumenta que apesar das empresas automotivas terem feito esforços para reduzir as emissões, elas receberam concessões imensas do governo, incluindo uma obstrução à adoção de novos padrões de eficiência em consumo de combustíveis”, ele diz. “Quantos grandes fabricantes estão dispostos a investir em tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e veículos mais leves?”

 

Raghunandan diz que o governo foi obrigado a incluir a eficiência no consumo de combustíveis nos automóveis como uma norma obrigatória sob as Missões do Napcc. “Mas agora esses padrões serão acertados, e sob que legislação as grandes montadoras responderão, o que levará muito tempo.” A Siam, por sua vez, tem feito lobby por um sistema no qual apenas um regulador seria responsável pela segurança, emissões e eficiência em combustível. “Nós estamos trabalhando juntamente com o Ministério dos Transportes para estabelecer esse regulador. Nós não podemos ser notificados sob duas leis”, insiste Chenoy.

 

Chandra Bhushan, diretor associado do Centro para Ciência e Meio Ambiente, com sede em Nova Déli, que acompanha o debate climático há anos, diz que sua organização tem enfatizado a necessidade de padrões mais fortes de eficiência nos combustíveis. “A indústria automotiva está pressionando por padrões voluntários, mas nós queremos que sejam obrigatórios”, ele diz. “A indústria indiana está se escondendo atrás do governo e não deseja assumir compromissos legais.”

 

Lobby por fundos de tecnologia verde

 

A indústria indiana também está fazendo lobby pesado na área de tecnologia verde, buscando lucrar com os chamados Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL), arranjos sob o Protocolo de Kyoto que permitem aos países industrializados reduzir os custos de seus próprios compromissos de emissões ao investirem em projetos que reduzem as emissões nos países em desenvolvimento. Os projetos de MDL caem em áreas de eficiência em energia, combustíveis alternativos, processos industriais, lixo sólido municipal e energia renovável. Até março deste ano, 398 dentre o total de 1.455 projetos registrados em todo o mundo pelo conselho executivo dos MDL, são da Índia. (A China é a primeira, com 453 projetos.) A Autoridade Nacional de MDL na Índia acertou o recebimento pelo país de 1.226 projetos, ajudando a atrair mais de US$ 3,06 bilhões em investimentos.

 

Mas, apesar do lobby da indústria, os investimentos fracassaram em ter qualquer efeito sobre o mercado de eficiência de energia na Índia, e o próprio governo reconhece que os altos custos das transações de mecanismos de desenvolvimento limpo tendem a torná-los inviáveis. Em todo o mundo, a maioria dos projetos de MDL envolve apenas transferência marginal de tecnologia dos países industrializados para os em desenvolvimento, e não há mecanismo para encorajar a pesquisa e desenvolvimento de tecnologia verde baseados na Índia. “O lobby pelos MDL certamente é grande, mas até o momento envolve na maioria projetos relativamente menores”, diz Raghunandan.

 

O financiamento deverá se tornar um elemento chave enquanto os negociadores indianos do tratado climático exigem que os países desenvolvidos criem um mecanismo global para disseminação de tecnologias verdes. Em uma conferência recente co-presidida pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU, o primeiro-ministro Singh deixou claro que deseja reduzir o tempo entre a primeira comercialização de novas tecnologias e sua adoção em grande escala nos países em desenvolvimento.

 

As ONGs esperam que o lobby da indústria indiana se intensificará à medida que as iniciativas sobre a mudança climática começarem a se estabelecer, as negociações globais avançarem e a Índia assumir obrigações maiores em relação ao clima. “No momento, há poucas metas para a indústria indiana, apesar de que com as missões pode haver algumas em certos setores”, diz Raghunandan. “Mas meu entendimento é de que a maioria das tecnologias exigidas a curto prazo são relevantes para economia de energia, modulação dos processos, uso de aquecimento solar para processar calor, eficiência no consumo de combustíveis nos automóveis, fotovoltáica solar e termossolar.”

 

O setor corporativo deve trabalhar com as oito missões climáticas e ir além ao tratar a mudança climática como um assunto de responsabilidade social corporativa, assim como tratá-la como uma condição chave para moldar sua estratégia. À medida que as empresas progredirem, dizem os observadores, elas buscarão fundos para facilitar a transferência de tecnologia para a Índia. A grande pergunta é quem fornecerá o financiamento. Grande parte da propriedade intelectual é de propriedade de empresas privadas que não estão dispostas a compartilhar seu conhecimento com países como a China e a Índia, que apresentam baixa proteção legal aos direitos de propriedade intelectual. O temor resultante é de que as tecnologias serão copiadas ou sofrerão engenharia reversa.

 

Por ora, a Índia está mantendo sua posição de que não cederá em seu princípio per capita para redução das emissões. “A Índia será um país de alto crescimento, de baixa emissão per capita, mesmo presumindo por ora que o crescimento do PIB será em média de 8% a 8,5%”, disse Ramesh, o ministro do Meio Ambiente, em um discurso recente. E a legislação doméstica proposta poderia ter um grande impacto com suas metas para cortes de emissões –a primeira vez para a indústria indiana. Mas dada a inércia tanto do governo quanto das empresas em relação à mudança climática até agora, ainda não se sabe quando esses planos de fato sairão do papel.

 

Murali Krishnan é editor de assuntos nacionais do “Serviço de Notícias Indo-Asiático”, uma agência de notícias com sede em Nova Déli, onde ele investiga assuntos de segurança e corrupção.