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Cientistas comentam caso de pesquisadora suspeita de assassinato

Por Gina Kolata

The New York Times

25/02/2010 19h15

Amy Bishop, neurocientista e suspeita de assassinato, se tornou maior que a vida, um símbolo daqueles que consideram que a genialidade está sempre próxima da loucura, ou que as mulheres não poderiam se destacar na ciência, ou que os sistemas de estabilidade nas universidades são brutalizantes – ou, até mesmo, que o progresso contra doenças fatais é tão importante que alguém como Bishop deveria ser posta em liberdade para buscar curas.

Pelo menos é isso que emerge de centenas de comentários na internet a respeito de Bishop, a professora-assistente da Universidade do Alabama, em Huntsville, acusada de atirar em seis colegas – três deles morreram – numa reunião de acadêmicos no dia 12 de fevereiro.

“Talvez o ditado ‘Existe uma linha tênue separando a genialidade da insanidade’ tenha muito de verdadeiro”, escreveu George, da Pensilvânia, no site nytimes.com.

Muitos postaram comentários como este: “Eu não aprovo o que Bishop fez, mas entendo sua frustração”. Ter a estabilidade negada “apesar de suas contribuições passadas e futuras”, acrescentou o internauta, “é suficiente para provocar um ódio assassino contra o diretor e a universidade”.

Outro sentimento bastante popular: “Não consigo deixar de observar que essa era uma mulher numa instituição dominada por homens, num campo dominado por homens, numa parte conservadora do país”.

Num fórum dedicado à esclerose lateral amiotrófica, ou ELA, comumente conhecida como doença de Lou Gehrig, uma pessoa escreveu: “Espero que eles a libertem de novo. Me parece que ela sabia o que estava fazendo em relação à ELA. Isso já é mais do que temos hoje”.

Na verdade, cientistas que examinaram o currículo de Bishop afirmaram não ter encontrado evidências de genialidade, de cura para doenças como a ELA, nem mesmo de que ela poderia ter obtido privilégios numa universidade de destaque.

A maior parte de seu trabalho era sobre óxido nítrico, um gás que consegue transmitir sinais entre nervos. Altos níveis de óxido nítrico, ela propunha, podem desencadear doenças degenerativas como ELA, e células tratadas com baixos níveis do gás poderiam desenvolver uma resistência. Porém, isso está longe de ser provado, disseram os cientistas, e a ideia já não era original com Bishop.

R. Douglas Fields, chefe da seção de desenvolvimento e plasticidade do sistema nervoso no Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano dos Estados Unidos, comentou o trabalho de Bishop: “Não acho que era algo revolucionário – estava mais para o oposto disso”.

Ela não teve nada publicado em 2007 e 2009, e durante seus seis anos na universidade, em Huntsville, publicou três textos que pareciam ser artigos originais de pesquisa, nenhum deles em jornais importantes – muitas vezes uma exigência para a estabilidade.

Christopher E. Henderson, codiretor do Centro de Biologia e Doenças do Neurônio Motor, na Universidade Columbia, apontou que, nos trabalhos publicados de Bishop, seu nome não apareceu na última posição – o que geralmente designa o autor principal.

O Dr. Michael L. Shelanski, diretor do departamento de patologia e biologia celular em Columbia, disse que, embora os padrões possam variar em outras universidades, “nós não a contrataríamos, e ela não seria recomendada para estabilidade pelo departamento”.

Um artigo de 2009 foi publicado no The International Journal of General Medicine. Sua editora, chamada Dovepress, diz se especializar em “jornais de acesso livre, revisados por pares”. Em seu site, a empresa diz: “A Dove publicará seu artigo se o considerar como de interesse a alguém, portanto, sua chance de ter um artigo aceito é bem alta (um artigo que não interessa a ninguém seria bastante incomum)”.

Quanto à sua invenção de um sistema automatizado para criar células em laboratório, que seria um substituto bastante caro à placa de Petri, cientistas dizem que não viam necessidade de algo assim – e nem mesmo iriam querer automatizar o tipo de trabalho manual que os atraiu à ciência em primeiro lugar.

Então, o que está acontecendo? Por que pessoas que conheciam Bishop apenas pela leitura sobre seu crime criam desculpas para ela?

Joanathan D. Moreno, professor de ética médica e história e sociologia da ciência na Universidade da Pensilvânia, acha que as reações têm a ver com uma antiga tradição que remonta a Platão. A ideia, segundo ele, afirma que alguém muito inteligente seria, em teoria, “moralmente sábio”. E isso dificulta conciliar as ações de Amy Bishop com seu Ph.D. de Harvard, seu manto de esplendor científico.

“Existe uma psicologia do senso comum”, disse Moreno. “Se você é muito inteligente, então sabe a diferença entre certo e errado”.

“É isso que está acontecendo”, concluiu ele. “Em casos como o dela, que contradizem o sistema, sempre buscamos desculpas”.


© 2010 New York Times News Service