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Coleta de invertebrados para aquários representa risco para ecossistemas

Por Henry Fountain

The New York Times

31/03/2010 08h00

Nos recifes ao sul da Flórida, a paisagem é tomada por uma infinidade de praticantes de snorkeling, mergulho e pesca esportiva.

Mas também há um pequeno grupo de catadores de caranguejos eremitas de patas azuis, camarões-pimenta e outros invertebrados, que o fazem não para se alimentar ou se divertir, e sim para o comércio de aquários.

Existem cerca de 700 mil aquários domésticos de água salgada nos Estados Unidos. Peixes tropicais com algumas pedras e um mergulhador de plástico já não são suficientes para satisfazer os donos destes oceanos em miniatura.

Os peixes ainda estão lá, mas com o avanço da tecnologia e das técnicas, os aquários atuais mais se parecem com ecossistemas de recifes em pequena escala, com corais vivos e rochas repletas de anêmonas, camarões, ouriços, caranguejos e moluscos.

O resultado é um mercado crescente para estes e outros invertebrados de recifes, muitos dos quais são fornecidos por cerca de 165 catadores licenciados. Os responsáveis pela indústria da pesca no sul da Flórida dizem que ela é sustentável e cuidadosamente administrada: são proibidas novas licenças e há limites diários de coleta para muitas espécies.

Porém, os cientistas argumentam que a coleta representa uma ameaça para os ecossistemas que os donos de aquários desejam reproduzir. Além do conhecido impacto ecológico nos corais vivos provocado pelo comércio, os pesquisadores dizem que a procura por invertebrados - criaturas que geralmente exercem a mesma função de limpar e controlar as pragas nos tanques ou na natureza - é de tal ordem que a pesca pode se tornar insustentável.

“Talvez estejamos aumentando a captura além do limite. Mas a pergunta é: qual é o limite?", questiona Andrew Rhyne, biólogo marinho da Universidade Roger Williams e do New England Aquarium, que estuda a pesca de invertebrados na Flórida.

Segundo Rhyne e outros especialistas, se uma espécie é demasiadamente explorada, diminuindo a quantidade de forma drástica, pode haver um efeito cascata no ecossistema. Sem invertebrados e herbívoros, por exemplo, um recife pode ser tomado por algas.

Jessica McCawley, bióloga da Comissão para a Conservação de Peixes e Vida Selvagem da Flórida, discorda de que a pesca esteja ameaçada. Ela ajudou a atualizar os regulamentos no ano passado e afirma que "os catadores são um tipo especial de pescador. Eles se preocupam muito com o meio ambiente e com a sustentabilidade da pesca. Eles vieram até nós e pediram: 'será que vocês podem nos impor alguns regulamentos?’”

Os catadores também dizem que os cientistas não têm a mesma experiência que eles em observar os ciclos regulares de alta e baixa dos invertebrados.

Pete Kehoe, que há 35 anos coleta exemplares de vida marinha nas águas de Key West, recorda que depois do furacão Ike, em 2008, encontrou um recife que havia sido varrido de caranguejos eremitas de patas azuis, úteis nos tanques de recifes por se alimentarem de detritos e manterem o corais limpos. “Era impossível encontrar uma concha naquele recife”, disse ele.

No entanto, os caranguejos voltaram dois anos depois. Kehoe conta que “um dia desses estávamos naquele mesmo recife, quando alguém falou: você já viu tantos caranguejos eremitas de patas azuis na sua vida?”

Embora muitos catadores estejam bem informados sobre os perigos da pesca excessiva, Rhyne conta que houve pouca pesquisa científica sobre os caranguejos de patas azuis e centenas de outras espécies coletadas, inclusive as 15 que representam cerca de 90% da pesca. Por exemplo: não se sabe ao certo quanto tempo os caracóis do mar levam para começar a se reproduzir. Se for mais de um ano, então a coleta exagerada feita no mesmo local ano após ano pode ser desastrosa.

Segundo Rhyne, há muitas espécies que não são motivo de preocupação, porém acrescenta: “não acho que alguém possa usar a palavra “sustentável” quando não sabe o suficiente sobre esses animais”.

Não se pode negar que a pesca tenha sofrido mudanças nos últimos 20 anos, coincidindo com o aumento da popularidade dos tanques de recifes. Os aquários podem ser tanques domésticos ou comerciais de alguns litros até milhares de litros, ou mesmo atrações como o tanque de recifes de corais de 76 mil litros do Atlantis Marine World, em Riverhead, NY, considerado um dos mais completos do mundo.

Jeff Turner, proprietário do Reef Aquaria Design, em Coconut Creek, Flórida, que constrói e mantém grandes aquários em residências, escritórios, hospitais e outras instituições, explica que eles não são mera decoração, e sim “uma janela educativa que se abre para dentro do mar”. Os aquaristas profissionais e amadores que encomendam os projetos “se importam com o ambiente marinho”, defendeu Turner.

A popularidade dos tanques se reflete em um estudo sobre a pesca na Flórida, feito por Rhyne, Michael Tlusty, diretor do New England Aquarium e outros autores. Conforme eles explicaram em um artigo publicado no início deste ano no periódico PLoS ONE, a quantidade de organismos coletados de 1994 a 2007 sofreu um aumento de até 13 por cento ao ano, chegando a 8,8 milhões em 2007.

Durante o mesmo período, os tipos de invertebrados sofreram alterações. Em 1994, das 15 espécies principais, apenas seis eram coletadas e vendidas por seus papéis ecológicos de limpeza, filtragem etc. As outras eram coletadas por seu valor ornamental – ficavam bonitas no aquário – ou como souvenirs, para serem vendidas em lojas de conchas. Os invertebrados “trabalhadores” mais populares eram os caracóis do gênero turbonilla: 175 mil foram coletados.

Treze anos mais tarde, das 15 principais espécies, 9 foram comercializadas para preencher nichos ecológicos em aquários, incluindo aproximadamente 700 mil caracóis turbonilla e 2,4 milhões de caranguejos de patas azuis.

“Atualmente, as pessoas não se importam mais com a aparência. Elas só querem que eles executem as mesmas tarefas realizadas no meio selvagem”, disse Rhyne.

Rhyne explica que o camarão-pimenta, do gênero Lysmata, por exemplo, não chama tanta atenção como outras espécies de camarão; mas como ele controla uma determinada anêmona nos tanques, sua coleta aumentou muito na Flórida desde 1994. “Há uma enorme demanda”, disse ele.

A atração para o aquarista profissional ou amador é que o uso destas criaturas multiplica o ecossistema e reduz a necessidade de formas menos naturais para a manutenção dos tanques.

Joseph Yaiullo, curador e cofundador do Atlantis Marine World, mergulha no tanque de recifes regularmente para limpar as algas que se prendem nos vidros ou cuidar dos corais multicoloridos, alguns dos quais ele cultiva há duas décadas. Ele também conta com ouriços do mar, que naturalmente ajudam na limpeza.

“Quando eu posso colocar algumas criaturas que facilitam minha vida, eu coloco”, disse Yaiullo, cujo tanque inspira muitos aquaristas amadores. “Prefiro ter ouriços esfregando as paredes a ter que fazê-lo”, acrescentou ele.

Yaiullo não coloca caranguejos ou moluscos em seu tanque, e os ouriços que utiliza vêm dos oceanos Índico e Pacífico. Seu coral se desenvolve tão bem que ele constantemente precisa remover fragmentos, os quais são doados a aquaristas de Long Island e outros lugares, que cultivam aquários domésticos.

Porém, estes nem sempre mostram a competência necessária para manter os tanques, os quais são suscetíveis até mesmo a pequenas mudanças na química ou na temperatura da água. Os invertebrados que morrem precisam ser substituídos.

“O que me incomoda é a natureza descartável destes animais”, disse Eric Borneman, um aquarista veterano que já escreveu dois livros sobre o cultivo de corais e atualmente estuda para o doutorado em ecologia dos recifes na Universidade de Houston.

Ele explica que “a taxa de mortalidade durante o transporte dos invertebrados é enorme”. O mesmo acontece nos tanques mantidos por iniciantes. Eric pergunta: “Como é possível parar com a mortalidade e o constante fluxo desses animais para o comércio?”

Os catadores e outros argumentam que, mesmo que a alta mortalidade faça crescer ainda mais a demanda, a quantidade de criaturas coletadas todos os anos na Flórida ainda não é motivo para maiores preocupações.
Eles defendem que sua pesca é diferente de outros tipos de pesca comercial, em que enormes quantidades de peixes ou mariscos são pescados para a alimentação.

Segundo McCawley, biólogo da Comissão para a Conservação de Peixes e Vida Selvagem, a coleta de invertebrados é monitorada de perto pelo governo: “Quando percebemos uma explosão em determinada espécie, podemos revertê-la a qualquer momento”, disse ele. “ Sentimos que elas estão bem protegidas.”

Os catadores contam que uma frente fria incomum ocorrida em janeiro pode ter matado um número bem maior de invertebrados do que é coletado por ano. “A maior ameaça a esse tipo de pesca são as mudanças do tempo aqui no sul”, disse Ken Nedimeyer, um pescador veterano. “Não dá para comparar nossa pequena coleta com os eventos da natureza.”

Mas Tlusty, do New England Aquarium, explicou que na Flórida “eles estão tentando administrar tudo como se fosse o mesmo tipo de pesca”, quando na verdade há centenas de espécies coletadas sobre as quais ainda se sabe pouco.

O governo fez um bom trabalho de gerenciamento da pesca, melhor do que muitos governos de outros países, porém “é hora de passar para uma estratégia de gerenciamento mais adaptável”, disse ele.
Rhyne acrescenta ainda: “Não estamos dizendo que haverá um colapso amanhã ou no próximo ano. Mas precisamos tomar muito cuidado para não dizer de repente: opa, pescamos o último.”

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