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Pioneiro da medicina reprodutiva completa 100 anos e reflete sobre o futuro da área

Por Randi Hutter Epstein

The New York Times

31/03/2010 08h00

O Dr. Howard W. Jones Jr., cirurgião que, ao lado de sua esposa, a Dra. Georgeanna Seegar Jones, ajudou a criar o primeiro bebê de proveta nascido nos Estados Unidos, completou 99 anos em dezembro. Ele continua obstinado, humilde e encantador, e tem muito a dizer sobre o passado e futuro do negócio de fazer bebês.

“A reprodução humana é um processo ineficiente”, disse ele, sentado numa cadeira de rodas em seu condomínio neste bairro de Denver. “Em média, somente um em cada cinco encontros de esperma com óvulo resulta numa fertilização com potencial para gravidez. Portanto, o normal é o anormal”.

Jones, conforme explica Robin Marantz Henig em “Pandora’s Baby: How the First Test Tube Babies Sparked the Reproductive Revolution”, nunca fugiu da controvérsia.

Muito antes de abrir a primeira clínica de fertilização in vitro das Estados Unidos, Jones realizava operações de mudança de sexo no Centro de Médico da Universidade Johns Hopkins. Ele foi também um dos médicos que cuidou de Henrietta Lacks, cujas células imortais de câncer são o foco de “The Immortal Life of Henrietta Lacks”, o livro mais vendido de Rebecca Skloot. Na década de 1960, ele conduziu estudos em laboratório com espermatozoides e oócitos – óvulos imaturos – com o cientista britânico Robert Edwards, que ajudou a criar o primeiro bebê de proveta do mundo, nascido na Inglaterra em 1978.

Jones conta que, mesmo sem perceber na ocasião, ele hoje acredita que Edwards e ele criaram um oócito humano fertilizado num laboratório da Johns Hopkins em 1965. Ninguém jamais havia feito isso antes.
“O que ocorreu foi que naquela época, era considerado necessário, para demonstrar a fertilização, que você identificasse a cauda do espermatozoide no óvulo”, disse ele. “Nunca fomos capazes de enxergar uma cauda, portanto não reivindicamos a fertilização”.

Ele conta que as imagens mostravam pró-núcleos (o núcleo de espermatozoide e do óvulo durante o processo de fertilização), atualmente considerados um critério suficiente para fertilização.

Embora ele tenha crescido acostumado ao rancor público com suas pesquisas e operações, nada foi tão forte quanto a oposição americana a sua clínica de fertilização in vitro, explicou. Ele abriu a clínica em 1979, quando ele e sua esposa, que faleceu em 1995, se aposentaram do Johns Hopkins (havia uma aposentadoria obrigatória aos 65 anos). Ofereceram a eles posições como diretores de obstetrícia e ginecologia na recém-criada Escola de Medicina Eastern Virginia.

O esforço inicial para obter a aprovação de sua clínica fracassou, pois opositores ao aborto temiam a destruição de embriões não usados. Depois que o Instituto Jones da Escola de Medicina Eastern Virginia abriu as portas em Norfolk, ele conta que manifestantes tentaram bloquear a entrada de pacientes.

No início, o casal só admitia que mulheres sem as trompas de falópio participassem de estudos, para assegurar que qualquer gravidez em potencial seria resultado da fertilização in vitro, e não ocorreu naturalmente (muitas das pacientes haviam tido suas trompas de falópio removidas devido a infecções ou outras doenças).

Os Jones enfrentaram 41 fracassos antes de seu primeiro sucesso. Antes de os hormônios serem usados para estimular o ovário a lançar diversos óvulos, e antes do uso de máquinas avançadas de captação de imagens, a fertilização in vitro era muito mais complicada. Os médicos tinham apenas um óvulo por mês para tentar fertilizar – ao contrário de hoje, quando eles administram medicamentos a mulheres para estimular meia dúzia de oócitos, ou mais.

Além disso, sem o ultrassom para espreitar dentro do trato reprodutivo, eles dependiam de evidências circunstanciais (examinando o muco do colo do útero e a dilatação cervical) para tentar estimar a hora da ovulação. Hoje, combinações de medicamentos manipulam o ciclo da mulher para que ela possa ovular num momento previsto.

Numa das primeiras tentativas de Jones, os médicos planejaram uma recuperação de óvulo à uma da madrugada, quando a mulher deveria ovular. O objetivo era coletar o oócito antes de ele ser liberado do ovário. Contudo, uma tempestade de neve impediu que a paciente e a maioria da equipe médica de chegar a tempo ao hospital. Assim, disse ele, quando ela chegou, ele sugou fluido da área próxima do ovário e encontrou o oócito. Jones disse acreditar que essa seja a primeira vez que alguém via um óvulo imediatamente após a ovulação. Mesmo assim, a mulher não ficou grávida.

Apesar do consenso médico contra os remédios hormonais, ele disse que a Dra. Seeger Jones, sua esposa, tinha um palpite de que a hMG – gonadotropina da menopausa humana –, que estimula a liberação de diversos óvulos, poderia aumentar as chances de sucesso. Eles deram às pacientes sete ampolas por ciclo menstrual, que podiam desencadear a liberação de aproximadamente três óvulos. Eles tiveram 12 tentativas fracassadas de fertilização in vitro antes que a primeira paciente, Judith Carr, tomasse os medicamentos e ficasse grávida.

Durante a gravidez de Carr, Jones disse que os médicos estavam preocupados com a cabeça do feto – que media no limite mais baixo do normal. No dia da cesariana agendada para Carr, com uma coletiva de imprensa programada logo em seguida, Jones preparou uma declaração para o caso de o bebê nascer com problemas.

“A nota dizia ‘Nós ficamos muito perturbados ao descobrir que a criança era anormal, e pedimos privacidade para a família’, além de ‘Temos outras três gravidezes em curso e todas elas parecem normais, esperamos que esta situação individual seja uma aberração única’”, conta ele. “Eu tinha essa nota em meu bolso e, felizmente, não foi necessária; joguei-a fora no caminho para casa”.

Jones disse que Carr se submeteu a uma cesariana para garantir que o bebê não se machucaria no canal vaginal. Elizabeth Carr nasceu saudável às 7h46 da manhã do dia 28 de dezembro de 1981, dois dias antes do aniversário de 81 anos de Jones.

Os dois ainda mantêm contato. “Ele é como um avô”, afirmou Elizabeth Carr Comeau. “Temos um relacionamento onde não o vejo como médico – embora ele tenha realizado feitos extraordinários para me colocar no mundo”.

Arthur Caplan, professor de bioética e filosofia da Universidade de Pensilvânia, credita a “conduta conservadora” de Jones como o pavimento do caminho à aceitação da tecnologia reprodutiva.

“Ele possuía as virtudes que limparam o caminho”, disse ele. “Ele era um bom pai, com um casamento feliz”.
Com uma incrível presciência, Jones enxergou a necessidade de um painel de ética em 1984 – e deu início ao comitê de ética sob o apoio da Sociedade Americana de Fertilidade, hoje chamada de Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva.

Ele condenou o crescimento da competição comercial entre médicos no campo. No início, segundo ele, “o espírito era tentar ajudar uns aos outros”.

“Lamento o desaparecimento disso”, afirmou Jones. “Fico desapontado com a comercialização exagerada, mas acho que isso se aplica à medicina no geral, e particularmente a esta especialidade”.

Ele passa os invernos no Colorado, próximo a dois de seus três filhos, em sua casa decorada com fotos de família e lembranças de suas viagens. Ele também tem sete netos e nove bisnetos. No restante do ano ele fica em Norfolk, Virginia, ainda trabalhando no Instituto Jones.

Neste ano, ele escreveu, junto a Susan Crockin, especialista na lei da tecnologia reprodutiva, o livro “Legal Conceptions: The Evolving Law and Policy of Assisted Reproductive Technologies”. Atualmente, ele está trabalhando num capítulo sobre regulamentações da tecnologia de reprodução assistida ao redor do mundo. Há seis anos, ele publicou independentemente “War and Love”, livro sobre seus anos como cirurgião na Segunda Guerra Mundial e sua correspondência – cartas de amor, na verdade – entre ele e Seeger Jones, uma renomada endocrinologista, que morreu em 26 de março de 2005, aos 92 anos.

Jones acredita que os jovens pesquisadores da fertilidade de hoje devem desvendar qual embrião, sozinho, tem mais chances de produzir um bebê, em vez de transferir diversos. Isso reduzirá custos, o número de nascimentos múltiplos e aumentará significativamente os índices de sucesso na fertilização in vitro, que atualmente paira em torno de 30% – surpreendentemente próximo aos 28% que sua equipe experimentava na década de 80.

Enquanto Jones busca descobrir os segredos do óvulo, seus admiradores (que incluem uma rede global de seus pupilos) gostariam de saber seus segredos de longevidade.

Bons genes, explicou Jones. Ele considera o assunto da longevidade como somente um cientista o faria: “É difícil descobrir o que envelhece as pessoas, se suas atividades influenciam a longevidade ou suas inabilidades influenciam suas atividades. Eu não sei como solucionar esse mistério”.

Quando questionado sobre seus planos para o futuro, ele soltou seu típico gracejo perspicaz: “Na minha idade, eu não compro bananas verdes”. Ao que seu filho de 67 anos, Larry, acrescentou: “Ele sempre diz isso, mas já está planejando comparecer ao encontro da SAMR em Denver, no próximo mês de outubro”, referindo-se à Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva. Isso acontecerá logo antes de seu aniversário de 100 anos, em 30 de dezembro.

© 2010 New York Times News Service