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Pacientes VIP recebem tratamento de hotel de luxo em hospitais americanos

Por Theresa Brown*

The New York Times

07/04/2010 17h04

Algumas semanas atrás, no andar do hospital onde trabalho como enfermeira, tivemos um paciente VIP cuja esposa esperava, e teve, um tratamento especial. Ela fez várias exigências, mas o que mais nos deixou impressionados foi o serviço de quarto que ambos receberam. Dia após dia, refeição após refeição, funcionários do hospital entravam no quarto do paciente com o carrinho farto de comida, servida em louça de porcelana. Parecia serviço de quarto de hotel de luxo.

Toda vez que um desses banquetes chegava, o trabalho parava, pois ao mesmo tempo víamos passar o carrinho que levava bandejas de metal com as refeições dos outros pacientes.

“Isso é totalmente repugnante”, eu murmurava toda vez que aquele carrinho passava.

Outro membro da equipe, que certa vez me ouviu dizendo aquilo, retrucou: “Você não é a única a pensar assim”.
A fúria sentida pelos enfermeiros naquele andar foi grande. “Lembram do Sr. Fulano, que não tinha dinheiro – e sua esposa não podia ter uma refeição gratuita?”, alguém ressaltou.

Rotular certos pacientes como VIP é muito comum em alguns hospitais, e geralmente eles não pagam nada a mais por isso. Mas niguém gosta da ideia de que um paciente, devido a influências e dinheiro, deva ser melhor tratado do que os outros. E mais: como enfermeiros, também sabemos que o sistema de seguro de saúde com o qual temos vivido há anos distribui a assistência médica exatamente da mesma forma.

Alguns pacientes podem pagar o melhor seguro, enquando outros não podem pagar nenhum sequer. Há aqueles que têm o pedido de seguro negado devido às condições médicas pré-existentes, ou perdem a cobertura do seguro quando seu limite de benefícios já está extrapolado. Enquanto a nova legislação do seguro de saúde não acabar com todas essas desigualdades, muito mais pessoas poderão agora ter um seguro, ou encontrar seguro melhor e mais barato, e, consequentemente, ter um melhor atendimento.

Pacientes como a mulher que arcava com um copagamento de US$ 600 toda vez que vinha ao hospital, o que acontecia frequentemente, pois ela tinha leucemia. Era um dinheiro que ela não tinha. “Nós temos um péssimo seguro”, ela me disse.

Outro paciente teve que se submeter a uma tomografia computadorizada fora do hospital, onde era mais barato, porque ele próprio estava pagando pelos exames.

Nos meses de debate sobre o seguro de saúde, ouvimos essas histórias várias vezes, e até mesmo as histórias mais trágicas, como a de pacientes seriamente doentes que foram abandonados por suas empresas de seguro, ou de pessoas que morreram por falta de seguro.

Essas amplas disparidades na cobertura do seguro de saúde me inquietam porque elas comprometem, de uma maneira súbita, mas real, a minha capacidade de fazer melhor o meu trabalho como enfermeira.

O trabalho mais importante de qualquer enfermeiro é apoiar o paciente. Se os médicos são conhecidos pela expressão “Primeiro, não prejudique”, os enfermeiros podem ser caracterizados como “Acima de tudo, façam o bem”. Se o melhor cuidado possível ou, às vezes, qualquer cuidado além da sala de emergência estiver fora de alcance de alguns pacientes porque eles têm um seguro inadequado, ou não possuem seguro, então o papel do enfermeiro como um apoiador de paciente se torna uma vergonha.

A Associação Americana de Enfermagem apoiou fortemente a renovação de seguro de saúde porque, como a presidente da organização, Rebecca M. Patton, explicou: “Eu tenho toda a convicção no coração e na mente de que isso melhorará a assistência de saúde para todos”.

Cláusulas cruciais do projeto de lei fornecem dinheiro para a educação prática avançada de enfermeiros, garantindo que mais pacientes que necessitem de cuidados primários se beneficiem do cuidado holístico orientado pelo enfermeiro.

É claro, o projeto não é perfeito, e muitos dos enfermeiros com quem trabalho não acham que seja uma coisa boa. Eles acreditam que envolver o governo no nosso seguro de saúde privado criará problemas ainda maiores do que os que enfrentamos agora.

Temos que ver o que acontece. Mas, para mim, que trabalho na linha de frente do atendimento de saúde, a aprovação deste projeto é um alívio. Alívio, pois o paciente não terá que se preocupar em pagar o tratamento necessário para curar seu câncer. Alívio, pois as decisões sobre medicamentos serão baseadas na efetividade, e não no custo. Alívio, pois eu poderei instruir os pacientes sobre as drogas que eles precisam, sem pensar se eles podem não tomá-las por não terem dinheiro.

Porque aqui está o desfecho: todos os pacientes são importantes, e eles merecem o mais moderno serviço de saúde. No sistema atual, alguns pacientes comem elegantemente refeições em porcelana, enquanto outros não comem nada. Eu sou enfermeira e quero que todos os meus pacientes tenham uma refeição decente.

*Theresa Brown é enfermeira