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Entrevista: Pediatra ajuda a romper fronteiras da genética

Por Claudia Dreifus

The New York Times

03/05/2010 12h26

O Dr. Alan Guttmacher, 60 anos, é geneticista e pediatra.

O senhor sempre quis ser médico?

Eu cresci entre médicos. Meu pai era psiquiatra forense. Seus pacientes incluíam Al Capone e Jack Ruby. Minha mãe é psiquiatra de crianças e adolescentes. Três dos quatro filhos de meu pai estudaram medicina. E o irmão gêmeo de meu pai, Alan Guttmacher, foi um famoso obstetra-ginecologista. Estava na família.

Quando eu ainda era jovem, meu pai e meu tio morreram de leucemia, e aquilo realmente me tirou da cabeça a ideia de seguir carreira na medicina. Eu pensei: “Passar uma vida na medicina significa ver pacientes morrendo, uma vez após a outra. Quem quer isso?” Mas acabei escolhendo a pediatria, assim poderia ver crianças crescendo. Na maioria dos casos, se você consegue repelir as coisas ruins por tempo suficiente, as crianças ficarão bem.

Seu tio foi presidente da Planned Parenthood (Paternidade Planejada, tradução livre), e uma importante figura no movimento de direitos reprodutivos. Houve alguma crítica quando se indicou alguém chamado Alan Guttmacher para esse posto?

Não fiquei sabendo de nenhuma. O nome não representa nada. O Planned Parenthood era mais um movimento social, até que meu tio disse: “Se vamos tomar todas essas decisões, precisamos garantir que elas estejam apoiadas por boas informações científicas”. Assim, ele iniciou a linha de pensamento que se tornou conhecida como Instituto Guttmacher. Diz-se que o nome é conhecido principalmente por causa disso.

Mas as pessoas em ambos os lados da discussão sobre o aborto tendem a usar seus dados como os mais confiáveis. Assim, até certo ponto, minha nomeação foi menos controversa do que muitos podem pensar.

Como o senhor ficou com o nome de seu tio?

Meu pai e ele eram gêmeos. Todas as crianças de Alan Guttmacher eram meninas. Por isso meu pai fez esse gesto. Eles eram incrivelmente próximos.

Seu instituto financia a pesquisa contraceptiva. Existem muitos novos trabalhos acontecendo nesse campo?

Penso que sim. Para 2009, os financiamentos do NICHD (Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano, da sigla em inglês) para pesquisas sobre saúde reprodutiva somaram mais de US$ 254 milhões. Nós apoiamos inúmeros estudos sobre a biologia básica da ovulação. Compreender a ovulação pode levar a um conhecimento sobre o motivo pelo qual às vezes ela não acontece. Isso pode acabar levando a tratamentos de fertilidade ou a novas formas de interromper a ovulação.

Além disso, nós financiamos pesquisas sobre contracepção para homens. O NICHD apoiou pesquisas direcionando canais íon para interferir com a mobilidade do espermatozóide. Existem outros projetos focando em brecar temporariamente a produção de esperma nos testículos. Outro projeto está tentando interferir com a habilidade do esperma de encontrar o óvulo.

Algo atualmente em experimentação clínica envolve parar a produção de esperma. Infelizmente, o método também cancela a produção de testosterona, de forma que você precisaria obter hormônios substitutos. Será que um número significativo de homens estaria disposto a visitar seus médicos mensalmente para injeções ou implantes de testosterona? E será que os fabricantes ficarão convencidos de que muitos homens fariam isso, para tornar o negócio compensador? O tempo dirá.

Qual é sua especialidade em pesquisa?

Bem, ao contrário da maioria dos diretores do NIH (Instituto Nacional de Saúde, da sigla em inglês), eu não busco a fama pela pesquisa. Meu papel é pensar sobre a saúde e agir para isso. Entretanto, fui parte de uma equipe que localizou os genes da HHT (telangiectasia hemorrágica hereditária, da sigla em inglês), uma doença hereditária que pode causar hemorragias fatais nos pulmões e no cérebro. Em 1987, quando eu estava lecionando pediatria na Universidade de Vermont, um cara da Universidade de Michigan me perguntou se eu poderia visitá-lo a caminho de uma conferência. Algumas semanas depois, ele estava em meu escritório, dizendo que seu laboratório buscava os genes para fibrose cística e para HHT. E eu sabia que em Vermont existia essa grande família com HHT, talvez a maior família documentada com a doença no mundo todo?

Sim, eu sabia. Quando estava arrumando meu escritório, encontrei três sacolas, de um ocupante anterior, cheias de documentos e genealogias de uma família de Vermont com HHT. Eu guardei tudo aquilo. Assim, meu visitante examinou as genealogias e perguntou: “Você estaria disposto a encontrar essas pessoas, obter o histórico médico delas, obter algum sangue para DNA e nos dizer quais possuem a doença?” Então foi o que eu fiz. E entre essa família e outra, de Michigan, fomos capazes de localizar o gene. Hoje, existe um teste de diagnóstico para HHT. O que torna esta história interessante é que esse cara de Michigan era Francis Collins.

O autismo faz parte do portfólio de seu instituto. A condição se trata, como alguns pensam, de uma epidemia?

Depende de como você define “epidemia”. Temos novas estimativas do CDC (Centro de Controle de Doenças, da sigla em inglês), mostrando que uma em cada 110 crianças desenvolve algo dentro do espectro de condições que chamamos de distúrbios do autismo. Isso é mais do que se imaginava anteriormente. Mas será que a condição está realmente mais comum do que antes? Ou estamos apenas mais eficientes em reconhecê-la? O júri ainda está deliberando.

Para nós aqui do NICHD, uma prioridade de pesquisa é descobrir mais a respeito das raízes biológicas dos diferentes tipos de autismo. Compreender isso ajudará a encontrar tratamentos eficazes, pois o que funciona para um nem sempre funciona para todos. Felizmente, como hoje temos o genoma humano mapeado, seremos capazes de nos mover mais rapidamente. Muitos dos diferentes tipos de autismo são ou genéticos, ou desencadeados por fatores ambientais e uma predisposição genética.

O senhor teve suas próprias experiências pessoais com doenças genéticas, certo?

Sim. Uma década atrás, sofri um ataque cardíaco quase fatal, e cinco anos depois fui diagnosticado com leucemia. Meu único fator de risco para os dois problemas era o histórico familiar. É irônico. Numa família de médicos, sou o único geneticista médico. E fui eu quem herdou as doenças.
As duas condições me deram uma ideia da importância do trabalho que fazemos no NIH. Tenho a sensação, por exemplo, de que as crianças crescendo hoje com meu histórico genético familiar não terão leucemia quando atingirem minha idade. Graças a inovações em genética e medicina personalizada, haverá maneiras de evitar que se chegue nesse ponto.

O senhor parece saudável.

Eu me sinto saudável. Viver com doenças crônicas é algo comum hoje em dia, especialmente aqui nos Estados Unidos. Levo minha vida cotidiana sem concessões. Corro cerca de 50 km por semana. Disse ao meu oncologista que seu trabalho é garantir que eu morra de ataque cardíaco. E disse ao meu cardiologista que seu trabalho é garantir que eu morra de leucemia. Ocasionalmente, um ou outro faz sua cara feia e eu presto atenção por um tempo.

O outro lado da história é que isso faz você apreciar cada dia. Tive meu ataque cardíaco logo antes de meu aniversário de 50 anos. Não pretendia fazer nada muito animado para comemorar a data. Para mim, aquilo só significava que eu tinha me levantado pela manhã durante 50 anos. Mas, depois de quase morrer, minha esposa e eu organizamos uma grande festa. Levantar-se todos os dias é algo maravilhoso!

© 2010 New York Times News Service