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Finlândia tem plano prazo extremamente longo para eliminar lixo nuclear

Por Dennis Overbye

The New York Times

24/05/2010 20h19

Nas palavras do cineasta dinamarquês Michael Madsen, este é “um lugar que devemos lembrar de esquecer”.
Em uma ilha coberta de árvores, mais de 160 km a oeste de Helsinque, na cidade de Eurajoki, engenheiros finlandeses estão cavando um túnel. Quando ele estiver pronto, daqui a dez anos, irá atingir uma rocha gnaisse cristalina a 490 m de profundidade. Essa é a base da Finlândia há 1,8 bilhões de anos.

E ali, em uma escuridão que ainda está sendo criada, varas de combustível usadas em reatores nucleares finlandeses – cheios de elementos radioativos da tabela periódica, lançando nêutrons e raios gama, como sonharia Lord Voldemort, do filme “Harry Potter” – deverão ser isoladas para sempre, ou ao menos pelos próximos 100 mil anos.

O local se chama Onkalo (quer dizer “escondido” em finlandês) e é tema de “Into Eternity”, um novo documentário do cineasta Madsen.

Assisti-lo durante o recente Tribeca Film Festival me trouxe um contato mais visceral com as vicissitudes do tempo geológico do que eu gostaria. Hoje, vejo que mal consigo visualizar um futuro com mais de seis meses à frente – mal dá tempo de planejar umas boas férias de verão. Minhas imagens do futuro profundo sempre foram vagamente utópicas, como em “Jornada nas Estrelas”, mas “Jornada” se passa apenas algumas centenas de ano no futuro, não 100 mil anos.

Onkalo, por outro lado, deve durar pelo menos 20 vezes mais que as pirâmides até hoje – tanto que os construtores do local tiveram que levar em consideração a próxima era do gelo, quando o peso de 3 km de gelo em cima da Finlândia será adicionado à tensão dos contêineres de lixo enterrados, caixas de cobre com 5cm de grossura.

Pode parecer loucura, quando não um crime, obrigar 3 mil gerações futuras de humanos a cuidar de nosso lixo tóxico para que possamos continuar usando nossas escovas de dente elétricas. Mas já é tarde demais para ignorar a era nuclear, e o filme de Madsen chega na hora perfeita para se unir a uma conversa global sobre o que fazer com suas cinzas. No dia 3 de junho, juízes administrativos da Comissão Regulatória Nuclear começarão a ouvir argumentos sobre se o Departamento de Energia pode proceder à desativação da instalação de Yucca Mountain, em Nevada, onde os Estados Unidos planejavam, desde 1987, armazenar seu próprio lixo nuclear.

Se o governo de Obama prevalecer, os Estados Unidos voltarão à estaca zero para descobrir como se livrar de suas 77 mil toneladas radioativas, incluindo 53 milhões de galões deixados pela aurora da era nuclear em tanques que vazam no deserto de Washington, perto do rio Columbia. Já existe algo entre 250 mil e 300 mil toneladas de lixo altamente radioativo, grande parte disso em piscinas nas instalações nucelares onde as varas têm de resfriar por anos antes de serem colocadas em contêineres.

Onkalo está sendo construída para fazer seu trabalho sem intervenção ou manutenção humana. Uma vez que o lixo for selado e daqui a uns cem anos, o problema será mais manter as pessoas afastadas do que manter a radioatividade concentrada ali. Infelizmente, nada na história sugere que os humanos realmente irão ficar afastados. De fato, os próprios construtores, de acordo com sua declaração de impacto ambiental, não excluíram a possibilidade de que desenvolvimentos tecnológicos futuros tornem viável cavar todo o lixo e reprocessá-lo, para criar mais combustível ou armas – nesses casos, Okalo seria como um tesouro enterrado.

As pirâmides, afinal, não são um precedente auspicioso. Elas foram pilhadas e seus habitantes dispersados para museus no mundo todo por arqueólogos destemidos e ladrões de túmulo nem um pouco acovardados pela “maldição da múmia”.

Madsen parece concordar. O filme é enquadrado como uma mensagem ao futuro. O próprio Madsen aparece na escuridão, iluminado por um fósforo aceso tempo suficiente para lançar bombas retóricas, como a ideia de que estamos encontrando os últimos remanescentes do fogo que já aqueceu nossa civilização.

Depois de outra era do gelo, pensei: com quem ele poderia estar falando? Computadores? Baratas? Nós mesmos, reduzidos a um estilo de vida da Idade da Pedra depois do colapso da civilização com o peso do gelo ou o apocalipse nuclear ou biológico? Cidadãos da galáxia em um passeio sentimental pelo antigo lar? O fluxo da história sobe e desce ou vai para os lados?

Os robôs não se importariam com a radioatividade; as baratas podem sobreviver. O resto de nós, se a história pode servir de guia, irá esquecer. Por isso, teremos sorte se esses futuros cidadãos galácticos se lembrarem da Terra em situações que não sejam contos de fadas. Sempre lemos sobre cápsulas do tempo sendo enterradas, mas raramente ouvimos sobre as cápsulas sendo pegas e abertas. Uma das descobertas arqueológicas mais importantes dos tempos modernos, o exército de terracota enterrado com o primeiro imperador chinês, Qin, perto da cidade de Xian, foi feita por um produtor rural que cavava um poço.

Como espécie, somos bons em esquecimento. Então, talvez a melhor e definitiva defesa contra pessoas se intrometendo em Onkalo seria simplesmente esquecer que o local existe. A melhor forma de manter um segredo é não transparecer que existe qualquer segredo.

Mas e o dever ético de alertar aquelas futuras gerações com algum tipo de indicador que sobreviveria a geleiras e à evolução da linguagem? Na verdade, se as caixas forem redescobertas daqui a algumas centenas ou milhares de anos, podemos imaginar a reação dos nossos descendentes por deixarmos para eles essa surpresinha.

É claro, nós mesmos podemos nos surpreender, como o camponês que encontrou o exército de Qin. Uma piada que corria pelo projeto de Onkalo, de acordo com o filme de Madsen, poderia ter saído direto de um livro de Arthur C. Clarke. A equipe pensava: e se a primeira coisa que encontrassem quando começassem a escavar fossem contêineres deixados por outras pessoas?

© 2010 New York Times News Service