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Conhecimento dos genes permite prever reações a certos remédios

Tatiana Pronin

Editora do UOL Ciência e Saúde

26/06/2010 05h00

Uma das grandes promessas mencionadas na época em que o genoma humano foi decifrado era o desenvolvimento da chamada medicina genômica, baseada no conhecimento do mapa de predisposições genéticas de cada indivíduo. Isso seria a base para terapias personalizadas, com menos efeitos colaterais, pois a genética é capaz de informar se um paciente vai reagir, ou não, a determinadas substâncias.

Em editorial publicado este mês no “New England Journal of Medicine”, Margarett Hamburg, da FDA (Food and Drug Administration) - agência reguladora de medicamentos nos EUA, em parceria com Francis Collins, cientista que coordenou o Projeto Genoma Humano, fazem um balanço sobre os avanços nessa área.

Eles afirmam que cerca de 10% das marcas de medicamentos com pedido de autorização na FDA contêm informações farmacogenômicas, um forte aumento em comparação com os anos 1990.

Mas eles ponderam que o progresso só será viso quando os benefícios desses produtos forem comprovados na prática médica. “Esperamos ter pesquisas clínicas mais eficientes baseadas em um conhecimento mais amplo das bases genéticas das doenças”, afirmam no editorial. “Também podemos antecipar que medicamentos que falharam em testes poderão ser reconhecidos como seguros e eficazes para subgrupos de pacientes com marcadores genéticos específicos”, adiantam.

Em um de seus livros mais recentes, “A Linguagem da Vida” (Ed. Gente), Collins faz um apanhado sobre testes genéticos capazes de prever a resposta do paciente a determinados remédios, muitas vezes evitando a ocorrência de efeitos colaterais graves:

Clopidogrel – substância que inibe a agregação de plaquetas, usado para evitar coágulos nas artérias. Pesquisas mostraram que pessoas com baixa atividade em uma enzima chamada CYP2C19 obtêm um benefício menor com o uso do remédio.

Varfarina – o medicamento é amplamente utilizado para evitar coágulos sanguíneos em pacientes com tromboses ou derrames. Mas a droga exige um ajuste rigoroso da dose - cerca de 29 mil pessoas são hospitalizadas por ano nos EUA pelo uso incorreto de varfarina. Variações em dois genes (CYP2C9 e VKORC1) podem ser responsáveis por cerca de 40% da variabilidades das doses terapêuticas, segundo Collins. O rótulo do remédio ainda não chega a recomendar testes genéticos para todos os usuários, mas há pesquisas em andamento para que a FDA tome essa iniciativa, nos próximos anos. O teste é feito no Brasil.

Abacavir – medicamento projetado para bloquear a reprodução do vírus da Aids. Cerca de 6% dos usuários apresentam uma grave reação de hipersensibilidade, com sintomas gastrintestinais e desconforto respiratório. Estudos com o genoma indicaram que o problema pode ter relação com uma variante genética, chamada HLA-B*5701. Em julho de 2008, a FDA adicionou a informação no rótulo do remédio, sugerindo o rastreamento.

Estatinas – uma das classes de medicamentos mais vendidas, para o combate ao colesterol. Cerca de 2% dos indivíduos que tomam altas doses da droga têm fraqueza e dor muscular. A resposta foi associada ao gene SLCo1B1, que codifica um transportador no fígado que serve como intermediário na captação de estatina. O teste é realizado, no Brasil, pelo Laboratório Gene, em Belo Horizonte.

Trastuzumab – anticorpo monoclonal usado para tratar câncer de mama. Testes mostraram que a substância é eficaz apenas nos tumores que possuem em sua superfície uma molécula chamada HER2. O teste genético para a molécula é difícil de ser realizado e os resultados nem sempre são confiáveis, mas a FDA exige a análise antes da prescrição do remédio.

Tamoxifeno – também usado no câncer de mama, é chamado de pró-medicamento, pois precisa ser convertido pela enzima CYP2D6 para adquirir sua forma ativa. Indivíduos com variações que resultam em baixa atividade dessa enzima não se beneficiam do tamoxifeno. Ainda não existe uma recomendação definitiva para o teste.