Dez anos depois, repercussão do genoma no tratamento de doenças é limitada
O dia 26 de junho de 2000 ficou marcado na história da ciência. Naquela data, o então presidente dos EUA Bill Clinton e o primeiro-ministro britânico Tony Blair anunciaram o primeiro grande esboço do genoma humano. O evento começou às 11h20 de Brasília no salão principal da Casa Branca, em Washington, e durou cerca de 40 minutos. Clinton abriu a sessão, passando a palavra depois para o primeiro-ministro britânico, em evento simultâneo em Londres.
Com eles, os responsáveis pelo feito: o consórcio público internacional Projeto Genoma Humano (PGH), comandado liderado pelo cientista Francis Collins, e o grupo rival, a empresa americana Celera, de Craig Venter. Apesar do aparente clima de paz, o evento encerrava meses de uma disputa acirrada: enquanto o consórcio havia pedido 15 anos e US$ 3 bilhões para fazer o sequenciamento, a empresa de Venter o fez em menos de um ano, com o orçamento divulgado de US$ 200 milhões.
Dez anos do genoma humano
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Da esq. para a dir., Craig Venter, da Celera, o presidente dos EUA Bill Clinton e Francis Collins, do Projeto Genoma Humano, no anúncio em Washington do primeiro esboço do genoma humano, em 26 de junho de 2000
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A Celera havia mapeado 98% do genoma e decifrado a sequência dos 3,1 bilhões de bases do DNA humano. Sob pressão da empresa, o consórcio público também conseguiu mapear, em dez anos, 98% do genoma, mas só obteve a exata sequência de 85%. A sequência completa só foi publicada depois, em abril de 2003, e vem sendo refinada desde então.
A descoberta da sequência completa de substâncias bioquímicas que compõem o código genético humano foi comparada, na época, à chegada do homem à Lua. Por mais que os envolvidos no projeto dissessem que a descoberta só traria frutos em algumas décadas, a expectativa era altíssima. A indústria farmacêutica começou a investir em genômica e os cientistas prometiam que, em pouco tempo, haveria diagnósticos e tratamentos mais eficientes para inúmeras doenças.
Leigos x pesquisadores
Dez anos depois do feito, é difícil para um leigo identificar algum benefício trazido pelo sequenciamento do genoma humano. Embora muito se ouça sobre descobertas de genes associados a doenças, ainda não existe um tratamento revolucionário para o câncer ou o Alzheimer, por exemplo. A professora e pesquisadora Lygia Pereira, do departamento de genética e biologia evolutiva da USP (Universidade de São Paulo) concorda que muitas promessas anunciadas na época ainda estão muito longe da realidade.
Do ponto de vista do cientistas, no entanto, o sequenciamento foi mesmo um divisor de águas. “Ele revolucionou a forma como se faz pesquisa”, diz ela. O que antes levava meses de trabalho braçal, agora é resolvido com uma consulta ao banco de dados. E essa facilidade, sim, vai se reverter em terapias mais eficientes em um futuro próximo, mas ainda difícil de ser previsto, segundo a pesquisadora.
Antes de 2000, os cientistas achavam que conhecer todos os genes seria o suficiente para compreender como o ser humano funciona e, quem sabe, consertar o que estivesse errado. Mas o sequenciamento do genoma só fez todo mundo perceber o quão complexa é a origem de certas doenças. “O que a gente descobriu, na verdade, é o quanto a gente não sabia”, avalia Pereira. Em outras palavras, conhecer cada um dos "ingredientes do bolo" e a ordem em que são adicionados não garante que a receita dê certo. Há muito mais informação em jogo no chamado “livro da vida”.