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Para médico, pacientes bem orientados só têm a ganhar com testes genéticos

Tatiana Pronin

Do UOL Ciência e Saúde

26/06/2010 05h00

Até pouco tempo, testes genéticos eram um assunto corriqueiro apenas para um público muito restrito, basicamente portadores de doenças genéticas raras, que detectam essas condições logo cedo, e seus familiares, que muitas vezes procuram aconselhamento para saber se correm o risco de transmitir alterações genéticas para os seus filhos.

Dez anos após o anúncio do sequenciamento do genoma humano, o cenário começa a mudar. Com a descoberta de predisposições genéticas a doenças ou condições mais comuns à população, começa a despontar o que os especialistas chamam de “medicina genômica”.

O médico Sérgio Pena, professor do departamento de bioquímica e imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais e autor de estudos científicos sobre genômica, afirma que os avanços na área são enormes e promissores: “O conhecimento do mapa de predisposições genéticas de cada indivíduo permitirá ajustar seu estilo de vida ao seu genoma e, assim, prevenir o aparecimento das doenças”.

Pena é fundador do laboratório Gene, em Belo Horizonte, que realiza testes preditivos para condições como trombose venosa, embolia pulmonar, Alzheimer, obesidade, hipersensibilidade ao anticoagulante varfarina e predisposição a problemas musculares relacionados ao uso de remédios para baixar o colesterol (estatinas). A partir de julho, o laboratório irá oferecer exames de uma grande empresa internacional, ainda não divulgada, que avalia predisposições para mais de 50 doenças comuns, incluindo câncer de vários órgãos, infarto do miocárdio, hipertensão, aneurisma e diabetes.

Questionado sobre a ansiedade que esse tipo de investigação pode causar, o médico sugere que, com orientação adequada, não há o que temer. “Existe um grande grupo de pessoas leigas inteligentes, instruídas e preocupadas com a própria saúde, dispostas a fazer as modificação de estilo de vida necessárias”, argumenta.

Sua clínica é a única, no Brasil, a realizar testes de ancestralidade. A materna, baseada na análise do DNA mitocondrial, indica a região do planeta de onde vieram nossos ancestrais maternos. A paterna é baseada no estudo de mais de 25 marcadores de DNA do cromossomo Y, presente somente nos homens. Existe, ainda, o teste de ancestralidade genômica, baseado no estudo de 40 pontos de polimorfismos, ou seja, regiões do genoma humano onde há diferenças entre indivíduos. Cada laboratório segue seu padrão de escolha desses polimorfismos. O resultado indica o percentual de genes europeus, africanos ou ameríndios (indígenas) de cada pessoa. Segundo Pena, os três resultados são complementares. Em sua clínica, custam R$ 1.950.

Talvez pelo preço, esse tipo de teste ainda é pouco procurado pelos brasileiros, como explica o geneticista nesta entrevista ao UOL Ciência e Saúde. Ou, talvez, ainda não haja divulgação suficiente do tema no país para fazer com que as pessoas saiam à caça de suas raízes genéticas.

 


Para quem são indicados os testes de predisposição a doenças? Eles devem ser solicitados sempre por um médico?

Sim, os testes de predisposição devem ser sempre solicitados por médicos, pois o significado dos resultados geralmente não é claro para os pacientes. Os resultados devem ser avaliados no contexto individual da saúde da pessoa, de sua história familiar etc. Em circunstâncias ideais, os testes devem ser precedidos de uma explicação pelo médico de sua natureza e seguidos de uma interpretação dos resultados.

Nos Estados Unidos e Europa têm aparecido recentemente os testes preditivos “diretos ao consumidor” oferecidos por empresas como a 23andMe, Navigenics etc. Esses testes têm sido criticados por não exigirem um pedido médico e têm potencial de serem mal interpretados pelos pacientes. Entretanto, algumas pessoas têm argumentado que é direito do cidadão ter seu DNA testado da maneira que ele quiser e que ele não precisa depender sempre de médicos. Essa é uma discussão interessante, de colorido inclusive filosófico.

O teste de predisposição ao Alzheimer é um dos mais solicitados na clínica. Na sua opinião, as possibilidades terapêuticas hoje disponíveis podem mesmo fazer diferença na vida de uma pessoa que descubra esse risco?

Atualmente já existem evidências parciais de que algumas medidas de prevenção para a doença de Alzheimer podem ser efetivas. Temos de levar em conta que a pesquisa médica é muito lenta, pois são necessários grandes grupos experimentais com numerosos pacientes e grupos controle e muitos anos de observação para se chegar a conclusões científicas que, mesmo assim, frequentemente são contestadas por outros estudos. Será que podemos nos dar ao luxo esperar por provas científicas definitivas ou já é hora de agir?
Sabemos que há fatores ambientais bem definidos que parecem contribuir para o risco de desenvolvimento da doença de Alzheimer. Por exemplo, a hipertensão não tratada Adicionalmente, há evidências de que a manipulação da dieta pode ser útil na prevenção da doença de Alzheimer.

Um artigo muito recente no Archives of Neurology confirmou essas evidências ao mostrar que uma dieta alta em azeite, nozes (incluindo castanha de caju e castanha do Pará), peixe, frango, brócolis, repolho, espinafre e outros vegetais e baixa em carnes vermelhas estava associada com um risco diminuído de Doença de Alzheimer.

A medicina genômica traz possibilidades que para muita gente podem ser consideradas um convite à hipocondria. Qual a sua opinião sobre isso?

A medicina genômica está diretamente associada com a manutenção da saúde. Existe um grande grupo de pessoas leigas inteligentes, instruídas e preocupadas com a própria saúde, dispostas a fazer as modificação de estilo de vida (dietas, exercícios físicos etc.) necessárias para tal. Essas pessoas têm o direito de acesso aos testes da medicina genômica.

Por outro lado, se o médico perceber que ma determinada pessoa tem características neuróticas, com potencial para reações de hipocondria, depressão ou paranóia, ele deve convencê-la que talvez a medicina genômica não será recomendada para ela.

Vale a pena destacar que a medicina genômica não é compulsória. Assim como há o direito ao conhecimento das predisposições individuais, há também o direito da pessoa se recuar a ser testada, o “direito à ignorância”, que deve ser respeitado.

Como os testes genéticos podem ajudar os casais que estão com dificuldade para engravidar?

Em pelo menos 50% dos casos a infertilidade é masculina e uma série de problemas genéticos podem estar associados com baixa ou ausência do número de espermatozóides, incluindo deleções de parte do cromossomo Y, alterações do cromossomo X ou translocações ou inversões dos outros cromossomos. Todos estes fatores precisam ser investigados com teste citogenético ou moleculares.

Em alguns casais, o problema é a perda repetida de gravidez, que também está associada a alterações cromossômicas ou a tendências trombofílicas (doenças genéticas de coagulação) em alguns casais.

Toda mulher com idade igual ou superior a 35 deveria fazer um diagnóstico pré-natal? Por quê? Essa prática é comum atulamente no Brasil? Qual o custo do exame?

Historicamente a principal indicação para o diagnóstico cromossômico pré-natal tem sido a idade materna elevada. A idade “mágica” de 35 anos foi derivada com base em análises econômicas de custo-benefício em países com medicina socializada (principalmente o Canadá).

O Gene é o único laboratório no Brasil a fazer testes de ancestralidade. Ainda há pouca procura no país por esse tipo de investigação?

Os estudos de ancestralidade por DNA não são comercialmente atraentes, pois são muito intensivos em tecnologia laboratorial, além de exigiram grandes esforços analíticos que envolvem softwares complexos de genética populacional. Assim, os custos são elevados, o trabalho é grande e a margem de lucro é mínima. Fazemos isso porque nos permite traduzir 15 anos de pesquisa sobre o povo brasileiro em informações diretas a interessados.

A a genealogia, que é um dos principais hobbies dos americanos e europeus não tem tantos aficionados no Brasil. Assim, realmente o interesse do brasileiro pelas suas raízes é menor do que o americano. Adicione-se que o poder aquisitivo do brasileiro também é menor.

Em relação a ancestralidade genômica, podemos definir o perfil do brasileiro médio?

Não existe um brasileiro médio. Independente da cor de sua pele, a vasta maioria dos brasileiros tem um grau significativo de ancestralidade africana, europeia e ameríndia. Isso ocorre simultaneamente! Dito isso, o que podemos fazer é calcular uma média dos brasileiros estudados, havendo enorme perda de informação, pois cada grupo tem uma grande variação. Entre brancos brasileiros, há em média um predomínio da ancestralidade européia (70-80% dependendo da região), com grande variabilidade. Em pretos brasileiros, encontramos cerca de 50% de ancestralidade africana, seguida de 37% de europeia e 13% de ameríndia.

Com base em todos esses estudos, faz sentido falar em "raças"?

Não. Do ponto de vista genético não existem raças humanas.