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Área da saúde também pode reduzir desperdício, apesar da atenção aos descartáveis

Por Ingfei Chen

The New York Times

16/07/2010 12h15

A indústria da saúde tem um problema com lixo. Não é somente o fato de que hospitais, consultórios, clínicas e outras instalações de saúde geram vários bilhões de quilos de lixo anualmente: enterrados naquela montanha de lixo estão números incontáveis de dispositivos médicos descartáveis sem uso, assim como suprimentos e equipamentos recicláveis usados – de seringas e gaze a instrumentos cirúrgicos.

O problema, agravado pelo crescente uso de descartáveis – que tornam mais simples a esterilização de práticas de tratamentos –, foi um segredo aberto durante anos. Porém, fazer a indústria da saúde mudar seus hábitos não tem sido fácil. Atualmente, nenhuma organização monitora quanto lixo médico é produzido pelos Estados Unidos – a última estimativa conhecida, do início dos anos 1990, era de 2 milhões de toneladas por ano.

Apenas recentemente a indústria começou a combater a quantidade de lixo gerada, e um dos motivos é que hospitais financeiramente pressionados precisavam buscar maneiras de cortar custos.

“Acabamos de ver uma grande mudança”, disse Cecilia DeLoach Lynn, diretora de educação da sustentabilidade no Practice Greenhealth, um grupo sem fins lucrativos em Reston, Virgínia, que vem trabalhando para reduzir a pegada ambiental das instituições de saúde.

“Antigamente, era preciso bater em muitas portas para fazer alguém prestar atenção”, disse Lynn. “Hoje em dia, as pessoas nos perguntam não se devem fazer algo, mas como fazê-lo”. Os membros do Practice Greenhealth incluem cerca de 1.100 hospitais e 80 empresas.

Agora, um novo movimento foca em uma das maiores fontes de refugos médicos – a sala de operações, que gera cerca até 30% do lixo de um hospital.

Melhores práticas

Num simpósio em Baltimore, em maio, o Practice Greenhealth anunciou uma iniciativa chamada Greening the O.R. (tornando verde a sala de operações, em tradução livre). Ela deve explorar e examinar as melhores práticas sustentáveis para reduzir o lixo, o consumo de energia e os problemas de qualidade do ar nas salas de operações – ao mesmo tempo reduzindo as despesas e aprimorando a segurança, segundo Lynn.

Eliminar o desperdício de suprimentos e equipamentos médicos pode economizar em novas compras, assim como em taxas de incineração e armazenagem de lixo. Algumas instituições se voltaram a ações como reduzir seu uso de materiais, reciclando o que eles usam, e doando itens restantes a países emergentes. Num comentário publicado em março na “Academic Medicine”, o Dr. Martin A. Makary, cirurgião gastrointestinal, e colegas da Escola de Medicina Johns Hopkins pediram que mais centros médicos “se tornem verdes” – reciclando dispositivos médicos descartáveis de uso único.

Diversas empresas de reprocessamento recolhem certos descartáveis – como brocas ortopédicas e cateteres de monitoramento cardíaco – e os limpam, reajustam, esterilizam e empacotam, para depois vendê-los de volta a hospitais e fornecedores médicos por preços até 60% mais baixos que os artigos novos.

Os comentários surgiram, em parte, de um momento frustrante há dois anos, quando Makary observou um cesto de lixo da sala de operações após realizar uma laparoscopia de rotina. Como é comum em outros hospitais, o cesto estava cheio de “equipamentos perfeitamente bons, muitos dos quais nem mesmo haviam sido usados”, recordou ele. Muitos dos dispositivos vieram de kits cirúrgicos esterilizados que foram abertos para a operação; uma vez abertos, eram jogados fora.

Até recentemente, a maioria dos equipamentos médicos – feitos de metal durável, vidro ou borracha – podia ser desinfetado para inúmeras reutilizações. Na década de 1980, entretanto, a indústria da saúde começou a mudar para versões de uso único, muitas vezes feitas de plásticos baratos, em parte porque a nova epidemia de HIV trazia temores sobre os riscos da reciclagem.

Embora logo tenha ficado claro que as técnicas de esterilização matavam prontamente o vírus, a tendência para os descartáveis continuou crescendo. Em Hopkins, Makary percebeu que suas ferramentas cirúrgicas reutilizáveis eram cada vez mais substituídas por descartáveis. Isso era, segundo ele, uma maneira para “a indústria fazer mais dinheiro”.

Alguns equipamentos de uso único podem ser reutilizados após o reprocessamento, mas uma década atrás havia uma grande preocupação de que produtos inadequadamente desinfetados pudessem causar infecções. Ou que a limpeza e esterilização pudessem erodir seus componentes menos duráveis, levando a problemas de funcionamento.

Risco de reciclar

Os fabricantes de equipamentos originais e seu grupo comercial, a Associação de Tecnologia Médica Avançada, advertiram que não era seguro reciclar dispositivos projetados para uso único. Desde 2000, porém, a FDA (agência americana que regulamenta o mercado de medicamentos e alimentos) exigiu que as empresas de reprocessamento obedecessem, com seus produtos, às mesmas regras dos fabricantes originais.

Mas as persistentes preocupações com segurança desaceleravam a adoção do reprocessamento. Para investigar esses temores, Gifty Kwakye, então aluno da Hopkins, trabalhou com Makary e um colega, o Dr. Peter J. Pronovost, examinando literatura médica em busca de evidências de pacientes sendo prejudicados por dispositivos reciclados.

Não encontraram nenhuma. Em 2008, um relatório do Gabinete de Prestação de Contas do Governo dos EUA afirmou que os dados disponíveis não indicavam qualquer risco adicional com os descartáveis reprocessados. O reprocessamento “tem um histórico confiável de excelência em segurança, idêntico àquele de equipamentos novos”, concluíram os pesquisadores da Hopkins em seus comentários. Seu próprio hospital terceiriza o reprocessamento de alguns equipamentos, e está considerando o que mais pode ser agregado à lista, segundo Makary.

David Nexon, vice-presidente sênior da Associação de Tecnologia Médica Avançada, reconhece que com uma supervisão aprimorada, onde os dispositivos recebem aprovação da FDA com base na revisão de dados adicionais, validando sua segurança e eficácia após o reprocessamento, os produtos agora estão “provavelmente bastante seguros”. Ainda assim, Nexon questionou a segurança de produtos reciclados para os quais a FDA não pede tais dados.

Karen Riley, porta-voz da FDA, disse que apenas uma minoria de dispositivos reprocessados estava isenta da exigência de dados extras para validação, por representarem um baixo risco de segurança. Eles incluem equipamentos para medir a pressão e outros, que podem tocar a pele, mas não a penetram.

Muitas organizações, da Practice Greenhealth à Faculdade Americana de Cardiologia, defendem o reprocessamento como uma estratégia segura. Hoje, mais da metade dos hospitais dos EUA enviam ao menos parte de seus dispositivos de uso único para o reprocessamento, segundo Daniel J. Vukelich, presidente da Associação de Reprocessadores de Dispositivos Médicos. O grupo representa a Ascent Healthcare Solutions e a SterilMed, as duas empresas que realizam cerca de 95% dos reprocessamentos no país.

A Ascent estima que, em 2009, seus 1.800 hospitais clientes tenham desviado 2,65 toneladas de lixo dos depósitos; um dos maiores clientes, a Hospital Corporation of America, proprietária de 163 hospitais, eliminou 94 toneladas de lixo no ano passado usando o reprocessamento.

Embora a reciclagem seja útil, mesmo os descartáveis reprocessados precisam ser por fim jogados fora, afirmou o Dr. Rafael Andrade, cirurgião torácico do Centro Médico da Universidade de Minnesota, em Fairview, que falou no recente workshop da Practice Greenhealth. O principal objetivo, segundo ele, deveria ser retomar a velha prática de depender permanentemente de equipamentos reutilizáveis. “Estamos apenas tentando desfazer grande parte dos danos que fizemos”, disse Andrade.

Por enquanto, outra abordagem é reduzir o uso de descartáveis direto na fonte, simplificando os kits cirúrgicos empacotados. No ano passado, Andrade fez com que uma enfermeira, Lynn Thelen, começasse uma “equipe verde da sala de operações” em Fairview. Com a ajuda de colegas, eles examinaram 38 tipos de kits de operação, definiram quais suprimentos nunca eram usados (como bacias de plástico, cateteres, seringas e curativos), e pediram que seu fornecedor de produtos médicos os removessem.

Um kit para implantar uma porta intravenosa em pacientes de quimioterapia continha 44 itens, mas a equipe verde os reduziu para 27 – e substituiu as toucas e aventais descartáveis por outros reutilizáveis. Isso removeu meio quilo de lixo e US$ 50 em custos de suprimentos por procedimento. Até agora, segundo Thelen, as diversas reformulações de kits evitaram 4 toneladas de lixo e economizaram US$ 104.658.

De maneira similar, no Hospital Geral de Rochester em Nova York, cirurgiões concordaram em usar kits padronizados de suprimentos, selecionados para cobrir a maioria de suas necessidades e deixar poucos itens sem uso, disse o Dr. Ralph Pennino, chefe de cirurgia plástica. O objetivo tem sido “desenvolver os sistemas de forma que não tenhamos nada para reprocessar”, explicou ele.

Doações

Itens que sobram são doados à InterVol, uma organização sem fins lucrativos fundada em 1989 por Pennino. A cada semana, seus voluntários reúnem cerca de 3,7 toneladas de suprimentos não usados e equipamentos reutilizáveis de instalações regionais de saúde, e então enviam o estoque a clínicas em mais de 20 países, incluindo Somália e Haiti.

“Tudo que coletamos seria jogado fora”, afirmou Pennino – camas hospitalares, mesas de operação, muletas e, em um caso, dezenas de milhares de agulhas hipodérmicas novas em folha. Outros grupos de ajuda humanitária, como o Projeto C.U.R.E., realizam trabalhos similares.

Após o terremoto haitiano em janeiro, um dos patrocinadores da InterVol emprestou dois jatos corporativos para transportar equipes de médicos, enfermeiras e 4 toneladas de suprimentos, segundo Pennino, que participou em esforços de ajuda médica em Leogane, perto do epicentro do terremoto.

Algumas vezes, doações médicas são uma campanha de uma só pessoa, como no caso de Scott Barlow, enfermeiro de uma clínica no Parque Nacional Yosemite, na Califórnia. Nos últimos dois anos, Barlow foi voluntário no Hospital Adventista Gimbie, localizado numa cidade miserável da Etiópia, onde crianças morrem de fome e raquitismo.

Atualmente de volta à Califórnia, Barlow reúne tudo que pode enviar à Etiópia, incluindo tesouras e curativos em excesso dos kits médicos usados na clínica Yosemite.

Em 2008, em sua primeira viagem missionária com família e amigos, Barlow levou consigo uma pequena coleção de equipamentos antigos, incluindo dois microscópios, uma centrífuga e máquinas de análise sanguínea, doada pelo Doctors Medical Center, em Modesto, Califórnia. “Nós simplesmente enchemos nossa bagagem com esse tipo de coisa”, contou Barlow. “Tudo que eu trouxe, eles precisavam”.