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Ter bons pais nem sempre garante que o filho seja uma boa pessoa

Por Richard A. Friedman*

The New York Times

26/07/2010 18h33

“Não sei onde errei”, a paciente me disse. Ela era uma mulher inteligente e articulada de 40 e poucos anos, que veio se consultar por causa de depressão e ansiedade. Ao discutir o estresse que ela enfrentava, ficou claro que o filho adolescente estava no centro de sua vida havia muitos anos.

Quando ele era menor, ela explicou, o filho brigava muito com outras crianças, tinha poucos amigos próximos e tinha uma fama de ser malvado. Ela esperava que ele mudasse, mas, agora que ele tinha quase 17 anos, ela tinha uma sensação de desassossego.

Perguntei o que ela queria dizer com “malvado”. “Odeio ter de admitir, mas ele não é gentil, é antipático com as pessoas”, ela disse, como bem me lembro. Ele era grosso e rebelde em casa, e muitas vezes verbalmente agressivo com os familiares.

Ao longo do caminho, ela fez com que o menino fosse avaliado por muitos psiquiatras, com vários exames neuropsicológicos. Os resultados eram sempre os mesmos: ele estava na faixa intelectual superior, sem nenhuma evidência de transtorno de aprendizagem ou doença mental. Naturalmente, ela se questionou se ela e o marido de alguma forma falharam como pais.

Aqui, ao que parece, eles não se saíram tão bem quanto o filho deles nos exames psiquiátricos. Um terapeuta observou que eles não eram inteiramente consistentes com o filho, especialmente em relação a disciplina; ela era geralmente mais permissiva que o marido. Outro terapeuta sugeriu que o pai não estava presente o suficiente e deu a entender que ele não era um modelo forte para o filho.

Mas havia um pequeno problema com essas justificativas: este casal supostamente aquém do ideal tinha conseguido criar dois outros garotos, bem-ajustados e perfeitamente agradáveis. Como essas crianças poderiam ser assim se os pais eram tão ruins?

Sem dúvida, eles tinham uma relação fundamentalmente diferente com o filho difícil. Minha paciente é a primeira a admitir que muitas vezes fica com raiva dele, algo que raramente ocorre com os outros irmãos.

Mas isso deixa em aberto uma questão fundamental: se o jovem não sofria de nenhum transtorno psiquiátrico, qual era o problema dele?

Minha resposta pode soar herética, vinda de um psiquiatra. Afinal, nossa tendência é ver o mau comportamento como uma psicopatologia que precisa de tratamento; não existe “pessoa ruim”, apenas uma pessoa doente.
Mas talvez esse jovem simplesmente não seja uma pessoa boa.

Durante anos, profissionais de saúde mental foram treinados para enxergar as crianças como meros produtos de seu ambiente, que eram intrinsecamente boas até que são influenciadas pelo contrário; onde não existe nenhum mau comportamento crônico, deve haver um péssimo pai ou mãe por trás.

Crianças "tóxicas"

Porém, embora eu não queira deixar os péssimos pais escaparem – infelizmente, há muitos, dos maldosos até os simplesmente apáticos –, o fato é que pais perfeitamente decentes podem produzir crianças tóxicas.

Quando digo “tóxicas”, não me refiro à psicopatia – aquelas crianças que se transformam em marginais, assassinos e coisas do tipo. Tem-se escrito muitas coisas sobre psicopatas na literatura científica, incluindo suas histórias frequentes de abuso na infância, sua inclinação precoce a violar regras e a crueldade com animais e colegas. Há, inclusive, alguns estudos interessantes sugerindo que esse comportamento antissocial pode ser modificado com a orientação dos pais.

No entanto, há poucas pesquisas, se é que há alguma, em jornais científicos sobre o paradoxo dos bons pais com crianças tóxicas.

Outro paciente me contou sobre o filho, agora com 35 anos, que, apesar de suas muitas vantagens, tinha pavio curto e era grosso com os pais – recusando-se a retornar suas ligações e e-mails, mesmo quando a mãe estava gravemente enferma.

“Nós quebramos a cabeça tentando encontrar um motivo pelo qual nosso filho nos tratava assim”, ele me disse. “Não sabemos o que fizemos para merecer isso”. Aparentemente muito pouco, até onde eu sabia.

Difícil de aceitar

Nós admiramos as crianças resilientes que sobrevivem aos mais tóxicos pais e ambiente familiar e vivem uma vida de sucesso. Mas o contrário – a ideia de que algumas crianças podem ser as sementes ruins de pais mais ou menos decentes – é difícil de aceitar.

É contra a ordem natural, não apenas porque parece ser um julgamento amargo e pessimista, mas porque isso viola a crença social dominante de que as pessoas possuem um potencial quase ilimitado de mudar e melhorar. Afinal, somos a cultura do “Bebê Einstein”, o vídeo que prometia – e falhou espetacularmente – transformar nossos pimpolhos em gênios.

Nem todos serão brilhantes – da mesma forma que nem todos serão legais e agradáveis. E isso não se deve necessariamente à falha dos pais ou a um ambiente inadequado. Isso se deve a traços de características do dia a dia, como todo o comportamento humano, com componentes genéticos e intrínsecos que não podem ser inteiramente moldados pelo melhor ambiente, quanto mais pelos melhores psicoterapeutas.

“O discurso central de qualquer psiquiatra infantil hoje é que a doença muitas vezes está na criança e que as respostas da família podem agravar o cenário, mas não criá-lo totalmente”, disse meu colega Dr. Theodore Shapiro, psiquiatra infantil do Weill Cornell Medical College. “A era do ‘não existem crianças más, apenas maus pais’ acabou”.

Eu me lembro de uma paciente que me contou que tinha desistido de ter um relacionamento com a filha de 24 anos, cujas críticas cruéis ela não aguentava mais. “Ainda a amo e sinto saudades”, disse a paciente, com tristeza. “Mas realmente não gosto dela”.

Para o bem ou para o mal, os pais têm poder limitado de influenciar os filhos. É por isso que eles não devem ser tão rápidos em assumir toda a culpa – ou mérito – de tudo que os filhos são ou no que se transformam.
 

* Richard A. Friedman é professor de psiquiatria do Weill Cornell Medical College, em Manhattan.