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Matemáticos usam blogs e wikis para solucionar desafios

Por John Markoff

The New York Times

23/08/2010 11h01

O potencial da colaboração pela internet foi incisivamente demonstrado neste mês, quando teóricos da complexidade usaram blogs e wikis para atacar uma alegada prova para um dos mais profundos e difíceis problemas enfrentados por matemáticos e cientistas da computação.

Vinay Deolalikar, matemático e engenheiro elétrico da Hewlett-Packard, postou num site uma suposta prova para o que é conhecido como problema “P versus NP”. Em seguida, notificou tranquilamente alguns dos principais pesquisadores de um campo de estudo que foca em problemas solucionáveis apenas com a aplicação de quantidades imensas de poder computacional.

O pesquisador afirmou que havia demonstrado que P (o grupo de problemas que pode ser solucionado facilmente) não se iguala a NP (aqueles problemas que são difíceis de resolver, mas fáceis de verificar quando uma solução é encontrada). Assim como em grandes desafios matemáticos anteriores – o último teorema de Fermat, por exemplo –, há muito em jogo, incluindo um prêmio de US$1 milhão.

Em 2000, o Instituto de Matemática Clay selecionou sete dos maiores problemas não resolvidos do campo, chamados de “Problemas do Milênio”, e ofereceu US$1 milhão pela solução de cada um deles. P versus NP é um desses problemas. Em março, o primeiro prêmio foi entregue a um recluso matemático russo, Grigory Perelman, pela solução da secular conjectura de Poincaré. Alguns meses depois ele recusou o prêmio.

O versus NP possui uma enorme importância prática e econômica, pois a criptografia moderna é baseada na suposição, até agora viável, de que P não se iguala a NP. Em outras palavras, existem problemas que são impossíveis para que um computador os solucione – mas para os quais há soluções facilmente reconhecíveis. Se esses problemas se mostrassem insolúveis, isso poderia colocar em jogo a criptografia moderna – o que, por sua vez, paralisaria o comércio eletrônico e a privacidade digital, pois as transações não mais seriam seguras.

Numa nota enviada a um pequeno grupo de investidores em 6 de agosto, Deolalikar escreveu: “A prova exigiu juntar as peças de princípios de diversas áreas da matemática. O principal esforço em construir essa prova foi descobrir uma cadeia de ligações conceituais entre vários campos, e enxergá-la através de uma lente comum”.

Um forasteiro no campo insular, Deolalikar emitiu ondas de choque. Sua obra parecia ser um desafio acertado e substancial a um problema que atraiu intensas análises desde sua proposição inicial, em 1971, por Stephen Cook – um matemático e cientista da computação que leciona na Universidade de Toronto.

“O motivo para tanta agitação é que já existiram tantas supostas provas”, disse Moshe Vardi, professor de ciência da computação na Universidade Rice e editor-chefe da publicação “The Communications of the Association for Computing Machinery”. “Esse parece ser um artigo sério. Especialmente, o que ele fez foi trazer à tona uma nova ideia que vale a pena ser explorada”.

Neste caso, porém, o avanço significativo pode não ser na ciência, mas na forma como ela é praticada. Na metade da última semana, mesmo que Deolalikar não houvesse recuado de sua afirmação, um consenso havia emergido entre teóricos da complexidade: a prova proposta possuía diversas falhas importantes.

“Atualmente, o consenso é que existem grandes buracos na suposta prova – na verdade, grandes o bastante para que as supostas provas não sejam consideradas provas”, explicou Vardi. “Acho que Deolalikar conseguiu seus 15 minutos de fama, mas agora a agitação já se acalmou e o ceticismo está se tornando uma convicção negativa”.

O que foi altamente significativo, porém, foi o ritmo da discussão e da análise, conduzida em tempo real, em blogs e num wiki montados rapidamente com a finalidade de analisar coletivamente o artigo. Nas comunidades de matemática e ciência da computação, esse tipo de colaboração surgiu somente nos últimos anos. No passado, intensas discussões – como a que cercou a prova da conjectura de Poincaré – eram realizadas por e-mails particulares e listas de distribuição, além das páginas de tradicionais publicações científicas.

Muitos dos pesquisadores afirmaram que, até agora, provas como essas eram discutidas em seminários onde os participantes precisavam estar fisicamente presentes numa hora determinada. Hoje, com o surgimento de programas conectados pela web, essas tarefas colaborativas conseguem unir os cérebros dos maiores pensadores do mundo de maneira contínua.

Em seu livro recentemente publicado, “Cognitive Surplus: Creativity and Generosity in a Connected Age” (Excedente Cognitivo: Criatividade e Generosidade numa Era Conectada, em tradução livre), Clay Shirky, professor de telecomunicações interativas da Universidade de Nova York, argumenta que o aparecimento dessas novas ferramentas colaborativas vem abrindo caminho para uma segunda revolução científica, da mesma forma que a prensa móvel criou uma demarcação entre a era da alquimia e a da química.

“A diferença entre os alquimistas e os químicos era que a prensa era usada para coordenar a revisão por pares”, disse ele. “A prensa não causou a revolução científica, mas esta teria sido impossível sem ela”.
Agora, segundo ele, as novas ferramentas têm o potencial para desencadear uma transformação similar.

“Não é somente: ‘Ei, todo mundo, olhem isso’”, explicou ele, “mas um novo grupo de normas está surgindo sobre o que significa fazer matemática, supondo uma participação coordenada”.

A comunidade da ciência da computação sempre foi inovadora na criação de ferramentas de colaboração científica. Realmente, a ARPAnet, precursora da internet, foi inicialmente desenvolvida em 1969 para criar uma das primeiras ferramentas computadorizadas de colaboração, o Sistema Online Douglas Engelbart, ou NLS (da sigla em inglês), disponibilizado de localidades remotas. Durante a década de 1980, físicos do centro de pesquisa em física CERN, em Zurique, criaram a World Wide Web – para facilitar o compartilhamento de pesquisas científicas.

Em 2009, um matemático de Cambridge, Timothy Gowers, criou o Projeto Polymath, um blog e ferramenta de colaboração em estilo wiki, que usava a seção de comentários de um blog para analisar colaborativamente a matemática. Esforços relacionados, como o site Mathoverflow, ajudam a atacar problemas matemáticos não resolvidos com o uso de novas ferramentas da internet – estimulando ainda mais a colaboração.
No caso do artigo sobre o N versus NP, a maioria da ação ocorreu em diversos blogs mantidos por pesquisadores no campo, como um cientista da computação da Georgia Tech, Richard Lipton, um físico teórico da Universidade de Washington, Dave Bacon, além de um wiki criado por um teórico da física quântica, Michael Nielsen.

O entusiasmo está em alta. Um cientista da computação do MIT, Scott Aaronson, literalmente apostou sua casa na semana passada – US$200 mil –, afirmando que o artigo de Deolalikar seria provado como incorreto:

“Se Vinay Deolalikar receber o prêmio Clay Millennium de US$1 milhão por sua prova de P-NP, então eu, Scott Aaronson, irei pessoalmente aumentar seu prêmio em US$200 mil”.

Apesar de seu ceticismo, ele reconheceu que esta era, até o momento, uma das tentativas mais impressionantes de definir a questão.

“Por enquanto, esta não é mais uma solução comum para P versus NP, daquelas que ouço toda semana”, disse ele.