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Estudo associa síndrome da fadiga crônica a um tipo de vírus

Por David Tuller

The New York Times

25/08/2010 18h55

No último outono, quando a revista “Science” publicou um chamativo estudo associando a síndrome da fadiga crônica a um retrovírus recém-descoberto, muitos especialistas se mantiveram céticos – especialmente depois que quatro outros estudos não encontraram nenhuma associação parecida.

Agora, uma segunda equipe de pesquisa relatou uma ligação entre a síndrome da fadiga e a mesma classe de vírus, uma categoria conhecida como vírus relacionados ao MRV. Num artigo publicado na segunda-feira por “The Proceedings of the National Academy of Sciences”, cientistas descobriram sequências genéticas de diversos vírus relacionados ao MRV em células sanguíneas em 32 de 37 pacientes com fadiga crônica, mas apenas três em 44 pessoas saudáveis.

Os pesquisadores não encontraram XMRV, o retrovírus específico identificado em pacientes no último outono. Porém, ao confirmar a presença de um grupo de vírus geneticamente similares, o novo estudo representa um avanço significativo, segundo especialistas.

“Eu acho que isso esclarece a questão de se o estudo inicial era verdadeiro ou não”, disse K. Kimberly McCleary, presidente da CFIDS Association of America, a principal organização para pessoas com a síndrome da fadiga crônica.

Leonard A. Jason, professor de psicologia da Universidade DePaul e um dos principais pesquisadores da síndrome, concorda.

“Essa classe de retrovírus será provavelmente uma importante peça do quebra-cabeça”, disse ele.

A síndrome da fadiga crônica – que, segundo estimativas, atinge um milhão de norte-americanos – não possui uma causa conhecida, nem exames de diagnóstico, embora os pacientes mostrem sinais de anormalidades imunológicas, neurológicas e endocrinológicas. Além de uma severa exaustão, os sintomas incluem distúrbios de sono, problemas cognitivos, dores em músculos e juntas, inflamação na garganta e dor de cabeça.

O novo artigo, produzido por pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde, da FDA (órgão que regulamenta a comercialização de medicamentos e alimentos nos EUA) e da Faculdade de Medicina de Harvard, foi aceito para publicação em maio. Redes sociais e comunidades online logo descobriram as informações gerais e esperavam avidamente pelo artigo.

Em julho, porém, pesquisadores de outra agência federal, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, da sigla em inglês), publicaram um estudo que não encontrou XMRV ou outros vírus relacionados ao MRV em pacientes com a síndrome. As descobertas conflitantes levaram os editores da “Proceedings”, assim como os autores do novo artigo, a postergar a publicação e obter mais revisões. Alguns pacientes expressaram preocupação de que importantes informações científicas pudessem ser omitidas.

Esperança

Pessoas com um diagnóstico de síndrome da fadiga crônica estão acostumadas a ouvir cientistas, médicos, empregadores, amigos e familiares afirmarem que a condição é psicossomática ou relacionada a estresse ou traumas, apesar das evidências de que ela é frequentemente deflagrada por uma doença viral aguda. Muitos ficaram eufóricos ao saber que o segundo estudo estava sendo publicado.

“Realmente esperamos que isso mude a visão das coisas”, afirmou Mary Schweitzer, uma historiadora que escreveu e palestrou sobre portar a doença. “Os pacientes estão esperançosos que agora a própria doença possa ser levada com seriedade, que eles serão tratados com seriedade, e que pode haver uma solução”.

O principal autor do novo artigo, Dr. Harvey J. Alter, especialista em doenças infecciosas do Instituto Nacional de Saúde, disse estar bastante ciente a respeito do interesse em suas descobertas, mas que estava impossibilitado de responder publicamente.

“Eu concordava com o desejo de saber das pessoas. Era difícil, pois não podíamos nos comunicar diretamente com a comunidade de pacientes até que o artigo fosse publicado”, disse ele.

Os retrovírus, incluindo o HIV, armazenam seu código genético como RNA, o convertem em DNA e se integram ao genoma das células hospedeiras para replicar. Pelo menos três medicamentos antirretrovirais, usados contra o HIV, mostraram em laboratório que inibem o XMRV, que também foi associado ao câncer na próstata.

Medicamentos

Alguns pacientes com fadiga crônica já estão experimentando medicamentos para HIV prescritos para outros fins. Uma paciente, a Dra. Jamie Deckoff-Jones, médica de Santa Fe, no Novo México, administra um blog bastante popular sobre sua melhora de saúde ao tomar antirretrovirais prescritos por seu médico.

“Acho que os pacientes mais doentes têm o direito de tentar esses medicamentos”, comentou, por e-mail.
Alter foi rápido em apontar que “ainda foi provado” que um retrovírus cause a síndrome da fadiga crônica. Essa infecção poderia resultar de problemas básicos do sistema imunológico.

Além disso, continua sendo incerto por que apenas duas equipes de pesquisa descobriram evidências de retrovírus. Uma razão poderia ser que equipes diferentes tenham usado métodos diversificados de testes e detecção; autoridades federais de saúde organizaram um esforço para padronizar o processo.

Os estudos também usaram métodos distintos para a amostragem de pacientes com a síndrome. Muitos especialistas e pesquisadores argumentam que a estratégia dos CDC levaria a um exagero de diagnósticos, pois falha em distinguir completamente a doença de distúrbios psiquiátricos como a depressão.

Autoridades da agência dizem que seus métodos são sólidos. William M. Switzer, microbiólogo e principal autor do artigo da agência, disse que a nova pesquisa “traz descobertas muito intrigantes, que precisam ser confirmadas”.

As descobertas claramente levantam preocupações com a segurança do suprimento de sangue. Em julho, a AABB (American Association of Blood Banks, ou associação americana de bancos de sangue) recomendou que as pessoas com a doença sejam desestimuladas a doar, até que saiam novos estudos.

“A possibilidade de que esses agentes possam ser transmissíveis pelo sangue e patogênicos em recipientes justifica uma extensa investigação de pesquisa”, escreveram Alter e seus coautores no novo estudo. Judy A. Mikovits, principal autora do artigo da “Science”, pretende organizar experimentos clínicos de antirretrovirais até o fim do ano, apontando que eles poderiam levar a respostas sobre se os retrovírus causam a doença, além de tratamentos eficazes (Mikovits é diretora de pesquisa do Whittemore Peterson Institute for Neuro-Immune Disease, na Universidade de Nevada, em Reno, que colaborou no estudo do XMRV com o Instituto Nacional do Câncer e com a Cleveland Clinic.)

Cara Miller, porta-voz da Gilead, que fabrica um dos medicamentos para HIV testados contra o XMRV, disse que a empresa estava interessada, mas procedendo com cautela. “Estamos acompanhando esse campo em evolução”, escreveu ela, por e-mail, “e continuaremos a avaliar futuras possibilidades de pesquisa”.