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Antiga inteligência matemática é preservada em papiros

Por Pam Belluck

The New York Times

08/12/2010 15h45

“Quando ia a St. Ives

Encontrei um homem com sete esposas...”

Você pode conhecer este enigma em cântico,

mas pode ser que não saiba disto:

que tudo começou no antigo Egito,

em seus matemáticos manuscritos.

É verdade. Essa charada de tom britânico sobre St. Ives (cada esposa carrega sete sacos contendo sete gatos, cada um com sete filhotes, e você precisa descobrir quantos estão indo a St. Ives) possui um antecedente decididamente arcaico.

Um documento egípcio com mais de 3.600 anos, o Papiro Matemático de Rhind, contém um enigma de setes com uma misteriosa semelhança à charada de St. Ives. Ele fala em ratos e cevada, e não em esposas e sacos, mas a essência é similar. Sete casas possuem sete gatos; cada gato come sete ratos, e cada rato come sete grãos de cevada. Cada grão de cevada teria produzido sete hekat de grãos (um hekat era uma unidade de volume, correspondendo a aproximadamente 4,9 litros).

O objetivo: determinar quantas coisas são descritas. A resposta: 19.607.

O papiro de Rhind, que data de 1650 a.C., é um entre muitos papiros e artefatos antigos exibindo a inventividade matemática do Egito. Há o Papiro Matemático de Moscou (mantido no Museu Estadual de Belas Artes Pushkin, em Moscou), o Papiro Matemático Egípcio (mantido no British Museum, ao lado do papiro de Rhind) e as Placas de Madeira de Akhmim (no Museu de Antiguidades Egípcias, no Cairo).

Eles incluem métodos para medir o mastro e o leme de navios, calcular o volume de cilindros e pirâmides cortadas, dividir quantidades de grãos em frações e verificar a quantidade de pão a ser trocada por cerveja. Eles até mesmo computam a área de um círculo usando uma incipiente aproximação de pi (eles usam 256/81, ou cerca de 3,16; o valor de pi é 3,14159...).

Tudo serve para mostrar que criar enigmas é “o mais antigo dos instintos”, disse Marcel Danesi, especialistas em charadas e professor de antropologia da Universidade de Toronto. Ele chama documentos como o papiro de Rhind de “os primeiros livros de charadas da história”.

Danesi diz que povos de todas as eras e culturas gravitam ao redor de enigmas, pois estes possuem soluções.

“Outros enigmas filosóficos da vida não possuem”, continuou ele. “Quando percebe a solução você pensa, ‘Ah, então é isso, droga’, e isso lhe traz algum alívio”.

Mas as charadas egípcias não eram apenas diversões recreativas buscando a reconfortante ilusão de competência. Elas eram sérias em sua missão. No papiro de Rhind, seu escriba, conhecido como Ahmes, introduz os cerca de 85 problemas dizendo que está apresentando “o método correto de cálculo, para que se possa captar o significado das coisas e saber tudo que existe, obscuridades e todos os segredos”.

E os documentos eram guias práticos para dirigir uma civilização em amadurecimento e uma economia em expansão.

“O Egito estava mudando de um mundo centralizado e estruturado a outro parcialmente descentralizado”, disse Milo Gardner, um decifrador amador de textos matemáticos egípcios que escreveu extensivamente sobre eles. “Eles tinham um sistema econômico administrado por proprietários de terras ausentes e pagavam o povo em unidades de grãos – e, para deixar isso justo, era preciso ter pesos e medidas exatas. Eles estavam tentando descobrir uma forma de dividir igualmente o hekat, para poder usá-lo como uma unidade de moeda”.

Assim, as placas de Akhmim, com quase 4 mil anos, trazem listas de nomes de empregados, junto a uma série de cálculos relativos a como um hekat de grãos pode ser dividido por 3, 7, 11 e 13.

O Papiro matemático Egípcio, também de aproximadamente 1650 a.C., é geralmente considerado um tipo de teste prático, para que estudantes aprendessem como converter frações em somas de outras frações.

O papiro de Rhind contém problemas geométricos que calculam as inclinações de pirâmides e o volume de depósitos de diversos formatos. E o papiro de Moscou, de 1850 a.C., traz cerca de 25 problemas, incluindo formas de medir partes de um navio e descobrir a área de superfície de um hemisfério, além da área de triângulos. São especialmente interessantes os problemas que calculam a eficiência de um trabalhador a partir de quantas achas de lenha ele carregava, ou quantas sandálias ele conseguia produzir e decorar. Ou os problemas que envolvem um pefsu, uma unidade que media a força ou fraqueza da cerveja ou do pão com base na quantidade de grãos usada em sua produção.

Um problema calcula se seria certo trocar 100 unidades de pão de 20-pefsu por 10 jarros de cerveja de 4-pefsu. Após uma série de passos, o papiro proclama, segundo uma tradução: “Observe! A quantidade de cerveja foi considerada correta”.

Os problemas nesses textos antigos não são difíceis para os padrões matemáticos modernos. O desafio para os acadêmicos se mostrou em decifrar o que os problemas estão dizendo e verificar sua exatidão. Alguns dos equivalentes numéricos estão escritos num sistema simbólico chamado Olho de Hórus, baseado num desenho representando o olho do deus dos céus Hórus, retratado como um falcão. Partes do olho do falcão são usadas para representar frações: metade, um quarto e assim por diante, chegando até um sessenta e quatro avos.

Os acadêmicos encontraram alguns erros nos problemas, e Ahmes chegou a escrever um número incorreto em seu problema de St. Ives. No geral, porém, as equações são consideradas incrivelmente precisas.

“As respostas práticas estão resolvidas”, disse Gardner. “O que não solucionamos é o pensamento real do escriba. Não sabemos exatamente como ele pensou em tudo aquilo”.