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Bom humor ajuda na solução de charadas e palavras cruzadas, dizem neurocientistas

Por Benedict Carey

The New York Times

14/12/2010 07h00

As charadas parecem fáceis, e geralmente são. Dadas três palavras - "milho", "casa" e "futebol", por exemplo -, encontre uma quarta que se combine em sentido com cada uma das três. Um minuto quebrando a cabeça (planta de milho, planta da casa... futebol?) é geralmente tudo de que se precisa.

Mas quem quer quebrar a cabeça?

Deixe o relâmpago vir. Deixe as dicas se reunirem subitamente no cérebro - "campo!" -, como acontece com crianças pequenas resolvendo um enigma. Como deve ter ocorrido, também, nas mentes daqueles primeiros humanos que aproveitaram a natureza muito antes do advento da dedução, da abstração ou dos cursos preparatórios para o vestibular. A resolução de charadas é uma prática tão antiga e universal, segundo acadêmicos, precisamente porque depende da percepção criativa, da faísca primitiva que acendeu as primeiras fogueiras.

E hoje, os neurocientistas modernos estão começando a chegar a sua fonte.

Num estudo recém-terminado, pesquisadores da Universidade Northwestern descobriram que as pessoas tinham mais chances de resolver palavras cruzadas com percepções repentinas quando estavam alegres, tendo acabado de assistir a uma pequena apresentação de comédia.

"O que achamos", disse Mark Beeman, neurocientista que conduziu o estudo com Karuna Subramaniam, uma aluna de graduação, "é que o humor, esse estado de ânimo positivo, está reduzindo o limiar cerebral para identificar conexões mais fracas ou mais remotas" para solucionar charadas.

Essa e outras pesquisas recentes sugerem que o apelo das charadas vai muito além da liberação de dopamina ao encontrar uma solução. A simples ideia de fazer um jogo de palavras-cruzadas ou sudoku geralmente coloca o cérebro num estado aberto e alegre, que por si só já representa uma fuga agradável, cativando pessoas tão diferentes como Bill Clinton, um viciado em charadas, e o famoso Henry Molaison, ou H.M., cujo cérebro danificado tinha ânsia por palavras cruzadas.

E essa fuga é ainda mais irresistível por ser incompleta. Ao contrário dos confusos labirintos sociais e profissionais da vida real, as charadas são animadoramente solucionáveis; porém, como qualquer problema sério, é preciso mais do que um mero intelecto para chegar à resposta.

"É a imaginação, a dedução, o adivinhar; e grande parte disso acontece de forma subconsciente", afirmou Marcel Danesi, professor de antropologia da Universidade de Toronto e autor de "The Puzzle Instinct: The Meaning of Puzzles in Human Life" (O instinto das charadas: O significado das charadas na vida humana, em tradução livre).

"Trata-se de você, usando sua própria mente, sem qualquer método ou esquema, para restaurar a ordem a partir do caos", afirmou Danesi. "E quando consegue, você pode se recostar e dizer: 'Bem, o resto de minha vida pode ser um desastre, mas pelo menos tenho uma solução'".

Durante quase um século, cientistas usaram charadas para estudar o que eles chamam de pensamento perceptivo, os saltos de compreensão que parecem vir do nada, sem o penoso trabalho de análise.

Experimento

Num experimento clássico, o psicólogo alemão Karl Duncker entregou aos participantes uma vela, uma caixa de percevejos e a missão de pregar a vela a uma parede. Cerca de um quarto dos participantes em alguns estudos pensaram em prender a caixa na parede como um suporte - alguns imediatamente, e outros após algumas tentativas fracassadas de pregar cera numa parede de gesso.

O salto criativo pode muito bem ser informado por pistas subconscientes. Em outro estudo bastante conhecido, psicólogos desafiaram pessoas a amarrar duas cordas uma à outra; as cordas eram presas ao teto de uma grande sala, distantes demais entre si para serem manipuladas ao mesmo tempo.

Um pequeno percentual das pessoas resolveu o problema sem nenhuma ajuda, amarrando algo como um alicate a uma das cordas e balançando-a como um pêndulo - conseguindo, assim, pegá-la enquanto seguravam a outra corda. Em alguns experimentos os pesquisadores deram dicas aos que estavam travados - por exemplo, resvalando contra uma das cordas de forma que ela balançasse. Muitos dos que resolveram o problema depois disso afirmaram não se lembrar da dica, embora provavelmente a tenham registrado subconscientemente.

Durante todo o tempo, os pesquisadores debateram as definições de percepção e análise, e alguns duvidaram que os dois conceitos fossem mais que dois lados da mesma moeda. Porém, numa respeitada revisão da pesquisa, os psicólogos Jonathan W. Schooler e Joseph Melcher concluíram que as habilidades mais fortemente relacionadas à resolução de problemas pela percepção "não estavam significativamente correlacionadas" com a resolução de problemas analíticos.

De qualquer maneira, a resolução criativa de problemas geralmente exige tanto a análise quanto a percepção repentina.

"Você acaba alternando entre as duas ações, mas acho que elas representam estados cerebrais verdadeiramente diferentes", disse Adam Anderson, psicólogo da Universidade de Toronto.

Pelo menos, é isso que estudos de imagens cerebrais estão começando a mostrar. No começo, esses estudos fizeram pouco mais do que confirmar que o processo estava ocorrendo conforme o esperado: as regiões do cérebro que registram recompensas explodiam em atividade quando as pessoas chegavam a uma solução, por exemplo.

"A-há!"

Porém, o momento "a-há!" de encontrar uma solução é apenas um passo ao longo do caminho. Numa série de estudos recentes, Beeman, da Northwestern, e John Kounios, psicólogo da Universidade de Drexel, captaram imagens do cérebro de pessoas enquanto elas se preparavam para resolver uma charada, mas antes que a tivessem visto. Aqueles cujos cérebros mostram uma assinatura específica de atividade preparatória, uma que é fortemente correlacionada a humores positivos, acabam tendo mais chances de resolver a charada com percepções repentinas do que por tentativa e erro (as dicas podem ser solucionadas das duas maneiras).

Essa assinatura inclui uma forte ativação numa área do cérebro chamada córtex cingulado anterior. Pesquisas anteriores descobriram que as células dessa região ficam ativas quando as pessoas ampliam ou estreitam sua atenção - digamos, quando elas filtram distrações para se concentrar numa tarefa difícil, como ouvir uma voz num ambiente barulhento. Neste caso de resolução de charadas pela percepção, o cérebro parece ampliar sua atenção, efetivamente tornando-se mais aberto a distrações, a conexões mais fracas.

"Neste ponto nós temos fortes evidências circunstanciais de que este estado de descanso prevê como você resolve problemas no futuro", disse Kounios, "e que isso pode variar entre indivíduos".

O ponto principal é que uma boa piada pode mover o cérebro somente na direção desse tipo de estado. Em seu estudo de humor, Beeman e Subramaniam fizeram estudantes universitários solucionar jogos de associação de palavras depois de assistir a um vídeo de comédia stand-up do Robin Williams. Os estudantes resolveram mais dos jogos no total, e significativamente mais através da percepção súbita, do que quando haviam assistido a um vídeo assustador ou enfadonho.

Esse estado cerebral difuso não é apenas um estado intelectual, aberto a conexões mais soltas entre palavras e conceitos. Num estudo publicado no ano passado, pesquisadores da Universidade de Toronto descobriram que as áreas visuais de pessoas em humores positivos captavam mais detalhes do fundo, mesmo quando eles eram instruídos a bloquear informações irrelevantes durante um trabalho no computador.

As descobertas se encaixam com dúzias de experimentos ligando humores positivos a melhores resoluções criativas de problemas. "A implicação é que o humor positivo envolve esse estado de atenção amplo, difuso, que é tanto perceptivo quanto visual", disse Anderson. "Você não está apenas pensando de maneira mais ampla; você está literalmente enxergando mais. Os dois sistemas estão funcionando em paralelo".

A ideia de que um cérebro distraído pode ser mais perceptivo ainda é um progresso em andamento. Então, nesse ponto, o que frequentemente define o mundo exterior é a noção de que resolver charadas ajuda o cérebro a navegar pelo labirinto de relacionamentos azedos, opções incertas de carreira ou escolhas difíceis.

No mínimo do mínimo, porém, resolver as palavras-cruzadas de sábado ou algum complexo sudoku sugere que algumas das ferramentas para o trabalho estão intactas. E assim como qualquer cabeça-de-charada pode atestar, aquele estado de espírito alegre e aberto não é algo ruim de se experimentar de vez em quando. Mesmo que seja sem as palavras-cruzadas.