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Incidência de câncer de próstata é de 100% em homens que chegam aos 100 anos

Por Miguel Srougi*

Especial para o UOL Ciência e Saúde

31/12/2010 07h00

Shakespeare dizia que o passar dos anos produzia nos homens sensações inevitáveis, as pernas cada vez mais finas dançavam desconcertadas dentro de calças cada vez mais folgadas, o corpo combalido se mantinha alheio aos pedidos da alma e do coração. Esqueceu-se de falar dos incômodos da próstata.

Uma glândula emblemática, que nos jovens tem o papel triunfal de alimentar e manter vivos os espermatozoides e, com isso, perpetuar a espécie. Mas que no homem maduro é responsável por um tormento de consequências negativas para a qualidade e quantidade de vida de seus portadores: o câncer da próstata. O mal surge em cerca de 10% dos homens com 50 anos, 30% daqueles com 70 anos e 100% dos que chegarem aos 100 anos de idade.

A grande prevalência do câncer da próstata, que não poupa nenhum agrupamento humano, e a consternação decorrente das vidas tolhidas, tem gerado discussões emocionadas e um fluxo incontrolável de notícias, algumas bem postadas, outras imperfeitas e aflitivas. Por isso, escrevo sobre o tema, com a esperança íntima de atenuar angústias e apontar os caminhos resgatadores para os envolvidos nesse enredo.

Frequência

O câncer da próstata representa a doença maligna mais frequente nos homens e sua incidência vem aumentando nos últimos anos em decorrência de três fatores: a introdução em clínica das dosagens de PSA, maior expectativa de vida dos homens e  aumento real da frequência da doença, por motivos ignorados.

Se estatísticas produzidas pela American Cancer Society, dos Estados Unidos, forem válidas para o nosso país, em 2010 cerca de 127 mil brasileiros serão atingidos pelo câncer da próstata e 18,8 mil morrerão em decorrência da enfermidade.

Ainda, segundo a mesma instituição, 16% dos homens que atualmente têm mais de 50 anos desenvolverão esse câncer se forem acompanhados até o fim da vida. Contrapondo-se a esses números incômodos, vale lembrar dados dessa mesma instituição, concluindo que, quando a doença é descoberta a tempo, alojada dentro da glândula, apenas um de cada 14 pacientes acometidos pelo mal morrerá por ela. A conclusão óbvia é que a maioria dos pacientes sobrevive ao câncer, alguns por portarem tumores indolentes que não progridem, muitos outros graças às ações médicas reparadoras.

O mal surge em cerca de 10% dos homens com 50 anos, 30% daqueles com 70 anos e 100% dos que chegarem aos 100 anos de idade

A frequência do câncer da próstata varia geograficamente, com áreas de maior ou menor prevalência. Países do norte da Europa apresentam a maior incidência mundial da doença, ao passo que em países do Extremo Oriente a frequência do problema é de 6 a 25 vezes menor.

Diferenças no consumo de gordura animal talvez expliquem essas variações geográficas, já que a ingestão de alimentos com alto teor de gordura é elevada na Escandinávia. Para confirmar essa suspeita, o grupo do Dr. William Fair, de Nova York, realizou um experimento com camundongos portadores de câncer da próstata. Decorrido algum tempo, o volume do tumor foi três vezes maior nos animais que receberam dieta com 40% de gordura do que naqueles cujo teor de gordura era de 2,3%.

O câncer da próstata apresenta duas características bem peculiares. A sua incidência aumenta com a idade, não poupando nenhum homem que viver até 100 anos.

Além disso, o câncer da próstata é encontrado em um número elevado de indivíduos, sem lhes causar qualquer mal. Por exemplo, o estudo da próstata em necrópsias de homens com idade entre 61 e 70 anos que faleceram sem doença prostática aparente revela focos do tumor em 24% deles. Contudo, apenas 11% deles apresentam, em vida, manifestações clínicas relacionadas com o câncer.  Em outras palavras, 13% dos tumores nesse grupo etário têm um caráter indolente, não chegam a se manifestar em vida e os seus portadores morrem por outros motivos, com o câncer, mas não pelo câncer.

* Miguel Srougi é professor titular de urologia da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), pós-graduado em urologia pela Harvard Medical School, em Boston