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Médico especialista em radiação minimiza efeitos do desastre em Fukushima

Por Denise Grady

The New York Times

01/04/2011 15h40

Assim que David J. Brenner ficou sabendo do terremoto submarino e subsequente tsunami que devastou o norte do Japão dia 11 de março, ele foi consultar o mapa das usinas nucleares da região. Por causa da localização na costa e pelo projeto do reator, uma delas parecia especialmente vulnerável, a Fukushima Daiichi. Ele esperava estar errado.

Menos de um dia depois, relatórios agourentos de falhas nos sistemas de resfriamento e vazamento de radiação daquela usina começaram a surgir.

Brenner, diretor do Centro de Pesquisa Radiológica da Universidade Columbia – o maior e mais antigo centro do gênero do mundo -, se viu chamado repetidas vezes para explicar o que estava acontecendo com os reatores defeituosos e para avaliar o risco da radiação sobre a saúde pública, no Japão e no mundo.

Com 57 anos e nascido em Liverpool, Inglaterra, Brenner é um médico que passou a carreira estudando os efeitos da radiação na saúde humana. Ele publicou pesquisas mostrando que a tomografia computadorizada aumenta o risco de câncer infantil e, recentemente, sustentou no Congresso que o uso difundido de aparelhos de raio-X de corpo inteiro nos aeroportos causaria cem casos a mais de câncer todos os anos nos Estados Unidos.

Ele julga que os tomógrafos e as pessoas que os usam precisam de mais regulamentação para garantir que os exames são medicamente necessários e que as doses de radiação são as mais baixas possíveis. O médico acredita que mesmo doses baixas aumentam o risco de câncer e que não existe nível “seguro” ou limiar abaixo do qual o risco não aumenta.

Contudo, mesmo com toda sua preocupação com o risco potencial da radiação, ele não prevê um desastre na saúde pública em função da crise em Fukushima Daiichi. Desde o começo, ele falou com a cautela de um cientista, respeitando fatos e números e demonstrando uma percepção aguda do quanto é simplesmente desconhecido ou, por ora, impossível de ser conhecido. A situação muda constantemente e o caminho para a verdade pode ser perigoso e incerto, serpenteando entre facções com programas apaixonados contra ou a favor da energia nuclear, informações dadas a conta-gotas pelo governo e o setor, e o temor público contra a radiação que muitos cientistas consideram grandemente exagerado.

Como explicar os fatos sem assustar as pessoas sem necessidade? Como tranquilizar sem parecer estar dourando a pílula ou sendo condescendente? Segundo Brenner, a última coisa que as pessoas querem é um cara como ele de jaleco branco na TV todo presunçoso dizendo que tudo vai bem. “As pessoas estão muito assustadas, o que não é uma surpresa. Queremos que as pessoas consigam fazer algum tipo de avaliação realista.” Na semana seguinte ao terremoto, ele deu cerca de 30 entrevistas a repórteres, “algumas boas, outras horríveis”, conta. Alguns tentaram forçá-lo a dizer que o perigo era maior do que ele acreditava ser. Brenner resistiu e cancelou uma participação quando soube que o grupo que o convidou tinha uma agenda contra a energia nuclear. “Tento manter separadas minhas visões políticas da minha vida acadêmica.” Questionado sobre sua posição em relação à energia nuclear, ele fez uma pausa e disse: “Acredito haver um papel para a energia nuclear segura”.

Desde o começo dos problemas em Fukushima Daiichi, ele tem dito que a usina japonesa não é nem se tornará outro Chernobil. O reator soviético, que não tinha estrutura de contenção, explodiu em 1986, espalhando seu conteúdo longa e amplamente. Os reatores japoneses, embora danificados, têm recipientes de contenção e o governo atuou rapidamente, evacuando as pessoas. Mas ele acha que o episódio japonês deveria fazer os Estados Unidos agirem. “Este país e o Japão têm um parque de reatores nucleares que está envelhecendo”.

De cara, Brenner falou que Fukushima Daiichi provavelmente seria um acidente parecido com o de Three Mile Island, em 1979, na Pensilvânia, que acabou não tendo efeitos sobre a saúde pública. Conforme a situação piorava no Japão, ele dizia crer que o resultado seria pior do que em Three Mile Island, mas não muito mais grave. Contudo, ele espera casos de doenças ligadas à radiação entre os funcionários da usina. “Temo haver óbitos”, acrescentou.

Câncer

Ele falou ser possível haver alguns casos de câncer na tireoide – provavelmente poucos demais para estabelecer estaticamente uma ligação – daqui a alguns anos entre as pessoas expostas, como crianças que consumiram leite, água ou produtos contaminados pelo iodo radioativo.
Por enquanto, parece improvável uma grande região inabitável no Japão como a que Chernobil produziu no que hoje é a Ucrânia, segundo Brenner. Ocorreu uma precipitação radioativa extensiva de césio em Chernobil e vai levar muitos anos até o produto decair a níveis seguros. Esse tipo de precipitação não aconteceu no Japão.

No geral, ele disse que o governo japonês estava fazendo um bom trabalho ao dar informações confiáveis ao público, mas que nem sempre foi assim. No início, houve demora na liberação das leituras de radiação ao redor da usina. E quando funcionários do governo revelaram que iodo radioativo havia sido encontrado no leite e em hortaliças, inicialmente assegurando a segurança do consumo, Brenner conta que “gritou e esperneou” para os jornalistas a esse respeito. Para ele, simplesmente não havia motivos para as pessoas correrem riscos.

O iodo radioativo é assimilado pela tireoide, especialmente em crianças, e uma grande parcela dos seis mil casos de câncer de tireoide causada pelo acidente de Chernobil aconteceu porque não avisaram às pessoas para não dar aos filhos o leite local, contaminado por ser produzido por vacas que pastavam o capim recoberto com a precipitação radioativa. Pílulas de iodeto de potássio são recomendas para proteger a tireoide do iodo radioativo, mas Brenner disse que era melhor parar de beber leite até a ameaça passar.

Entretanto, seu recado mudou quando o iodo radioativo apareceu na água das torneiras de Tóquio. Embora o público fosse avisado de que crianças e mulheres grávidas não devessem tomar água, o médico reconheceu que poderia ser difícil evitar a exposição e que usar iodeto de potássio seria uma precaução razoável. “Posso ter exagerado ao dizer que o iodeto de potássio não desempenha um papel, mas, geralmente, o problema é o leite. Para mim, os níveis na água foram uma surpresa”.

Respostas ao terrorismo

Nos últimos anos, Brenner se concentrou nas respostas ao terrorismo. Ele coordenou o desenvolvimento de uma máquina que espera nunca ser usada, a Ferramenta Automática de Biodosimetria Rápida (Rabit, na sigla em inglês).

Ela tem como propósito fazer até 30 mil exames de sangue por dia procurando sinais de que as pessoas foram expostas a doses significativas de radiação.

A Rabit foi criada para ser usada após um ataque, por exemplo, de bomba suja, no qual a população sobrecarregue os prontos-socorros temendo ter sido exposta à radiação. Amostras de sangue poderiam ser colhidas em vários lugares e enviadas à Rabit. As pessoas com sinais de radiação poderiam ser monitoradas e tratadas, se necessário. Por ora, a radiação liberada no Japão está muito abaixo dos propósitos da máquina.

Brenner pode ter herdado sua queda por design industrial do avô materno, um engenheiro mecânico que ajudou a inventar a barra de chocolate Kit Kat e o maquinário para produzi-lo em massa.

Seu escritório contém dois objetos estimados: uma fotografia de 1961 de John Lennon, George Harrison e Stuart Sutcliffe, o baixista original dos Beatles, e a mesa usada pelo primeiro diretor do centro radiológico da Columbia, em 1915. Ela veio com uma gaveta cheia de cachimbos.

Numa tarde recente, a mesa venerável estava coberta com mapas e gráficos de níveis de radiação ao redor da usina de Fukushima. Incapaz de encontrar aquele que procurava, Brenner acusou um colega de tê-lo roubado; acusação alegremente rebatida. Estavam agendadas entrevistas para a TV e um fotógrafo estava a caminho. Fazendo careta, ele admitiu que ultimamente não tinha tempo para cortar o cabelo.