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Tratamentos do diabetes tipo 1

Ceres Prado<br>Do UOL Ciência e Saúde

Em São Paulo

27/06/2011 00h00

O diabético tipo 1 produz pouca ou nenhuma insulina, por isso seu tratamento se baseia na aplicação de insulina por injeções subcutâneas com seringa, caneta de aplicação ou bomba de infusão contínua (com um cateter com uma cânula que vai injetando a insulina aos poucos no corpo). A glicemia de jejum considerada normal é 100 mg/dl, até 126 mg/dl ela está alterada e acima de 126mg/dl há o diagnóstico de diabetes.

Segundo a Associação Americana de Diabetes (Ada, sigla em inglês) a insulina é necessária em duas situações:

Basal: nos momentos de jejum, quando o fígado produz glicose e as células do corpo precisam retirar essa glicose da corrente sanguínea para gerar energia, para isso o corpo de uma pessoa sem diabetes libera constantemente pequenas quantidades de insulina para cobrir essa necessidade do corpo.

Bolus: quando o alimento é ingerido, um sinal indica ao pâncreas a quantidade de insulina que deve ser produzida. Em um organismo normal, essa insulina produzida manterá a glicemia normal; na pessoa com diabetes, a insulina externa deve fazer esse papel. Geralmente a quantidade de insulina de bolus é calculada pela quantidade de carboidratos ingeridos (presente em massas, grãos, doces etc.). (veja mais sobre a alimentação do diabético)

Existem diversos tipos de insulinas que são diferenciadas pelo tempo de ação e pelo tempo que demoram para apresentar seu pico de ação (momento de ação máxima). A insulina para a aplicação é medida em unidades e cada ml de insulina no Brasil tem 100 unidades (essa medida pode ser diferente em outros países, mas há um movimento pela padronização da medida).

As insulinas mais antigas são as chamadas insulinas humanas, que têm composição semelhante a da insulina encontrada no corpo. Essas são as únicas fornecidas pelo SUS na farmácia popular e nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) espalhadas pelo país. As insulinas humanas existentes no Brasil são:

Insulina NPH: insulina basal que possui um pico de ação grande, podendo ser usada para o bolus também. Ela começa a agir de duas a quatro horas após a aplicação, tem o pico de ação entre quatro e 10 horas e para de agir entre 14h e 18h depois de aplicada. Esta insulina deve ser misturada antes da aplicação com movimentos lentos de giro do vidro conforme indicado na bula. O grupo inglês de pesquisa (que mantém um curso para diabéticos do tipo 1 aprenderem a manter a glicemia sob controle com maior liberdade alimentar) Dafne (Dose Adjustment For Normal Eating, "ajuste de dose para uma alimentação normal" em tradução livre) afirma que o tratamento com insulina NPH tem mostrado melhores resultados do que com as insulinas ultra lentas. 

Insulina regular (insulina humana de ação rápida): é uma insulina utilizada para o bolus. Tem ação mais rápida que a da NPH e dura menos tempo no organismo. Age em meia hora, e, por isso, permite um pico de glicemia se for aplicada junto com a refeição, por isso ela geralmente é aplicada de meia hora a uma hora antes. Esta insulina foi substituída pelas ultrarrápidas que agem mais rápido e duram menos tempo no corpo, diminuindo a possibilidade de hipoglicemias depois da digestão do alimento. Ela começa a agir entre 30 e 60 minutos depois de aplicada, tem seu pico de ação entre duas e três horas e para de agir entre cinco e oito horas depois de sua aplicação.

As insulinas mais modernas são chamadas de análogos de insulina por terem modificações nas fórmulas químicas que geram mudanças no período de ação. Os análogos de insulina existentes têm ação ultrarrápida e ultralenta, são elas:

Insulina glargina (lantus com ação ultra-lenta): utilizada como insulina basal, ela começa agir em duas horas, não tem pico de ação e dura aproximadamente 24 horas. É geralmente utilizada uma vez por dia, mas pode ser aplicada duas vezes com indicação médica.

Insulina detemir (levemir com ação ultra-lenta): utilizada como insulina basal, ela começa agir em duas horas, não tem pico de ação e dura aproximadamente 24 horas. Apesar de teoricamente durar 24 horas, essa insulina mostrou melhores resultados em diabéticos tipo 1 quando aplicada duas vezes por dia. 

Insulina glulisina (apidra com ação ultrarrápida): essa insulina é utilizada para cobrir o bolus e tem ação ultrarrápida para evitar os picos glicêmicos, mas não causar hipoglicemias depois de o alimento ser digerido. Ela começa a agir entre 10 e 15 minutos depois da aplicação, tem seu pico de ação entre 30 e 60 minutos e para de agir entre quatro e cinco horas depois de ser aplicada.

Insulina asparte (novorapid com ação ultrarrápida): essa insulina é utilizada para cobrir o bolus e tem ação ultrarrápida para evitar os picos glicêmicos, mas não causar hipoglicemias depois de o alimento ser digerido. Ela começa a agir em menos de 15 minutos depois da aplicação, tem seu pico de ação entre 30 e 90 minutos e para de agir entre quatro e seis horas depois de ser aplicada.

Insulina lispro (humalog com ação ultrarrápida): essa insulina é utilizada para cobrir o bolus e tem ação ultrarrápida para evitar os picos glicêmicos, mas não causar hipoglicemias depois de o alimento ser digerido. Ela começa a agir em menos de 15 minutos depois da aplicação, tem seu pico de ação entre 30 e 90 minutos e para de agir entre quatro e cinco horas depois de ser aplicada.
Os métodos de aplicação de insulina são a aplicação com seringas e canetas e a aplicação contínua com bomba de insulina.

Bomba de infusão contínua: A bomba de insulina é a que mais se aproxima do funcionamento normal do corpo humano, pois utiliza insulina ultrarrápida (demora em média 15 minutos para agir), aplicada em pequenas quantidades continuamente para cobrir a necessidade basal. Durante as refeições, o usuário da bomba programa a aplicação do bolus baseado na quantidade de carboidratos que consumir (consultando tabelas disponíveis) e em quanto de insulina seu médico receitou para aquela quantidade de carboidrato (geralmente se inicia o tratamento com uma unidade de insulina para cada 15 g de carboidratos consumidos, a quantidade é ajustada com o tempo através das medições de glicemia duas horas após a refeição). O usuário de bomba de insulina não tem opção de tratamento a não ser o de múltiplas medições e contagem de carboidratos das refeições.

Aplicações de insulina com seringas: para a aplicação com as seringas é necessário carregar um vidro e a seringa. As agulhas de seringa são maiores (em largura) do que as de caneta, mas já são muito menores do que eram no início dos tratamentos insulínicos. A seringa ainda é preferida por medo de imprecisões na caneta, pelo menor preço dos vidros de 10 ml que só podem ser utilizados com seringa e por costume. Além disso, na maioria dos municípios brasileiros a seringa é fornecida gratuitamente aos diabéticos, já as agulhas para caneta são distribuídas em poucas cidades. 

Aplicações de insulina com canetas: a caneta de insulina foi desenvolvida para dar mais conforto e portabilidade para as aplicações de insulina, que antes eram feitas por seringas.  Além disso, ela é mais discreta para aqueles que não gostam de expor a doença. Os vidros de caneta no Brasil são de 3 ml, geralmente custam mais caro que os vidros de 10 ml para seringa, e cada laboratório possui um tipo de caneta e vidro próprios, dificultando o uso da caneta de um com a insulina de outro. O vidro é inserido na caneta e fica dentro dela até acabar. As agulhas de aplicação, que devem ser trocadas a cada aplicação, têm menor espessura do que as agulhas das seringas, e alguns modelos são também mais curtos. O comprimento da agulha deve ser escolhido pela espessura da camada de gordura, os mais gordos utilizam agulhas mais longas. A dosagem na caneta é feita por meio de um dosador, geralmente uma peça que gira mostrando as unidades de uma em uma. Alguns modelos medem as doses de meia em meia unidade (útil para crianças ou pessoas muito sensíveis à insulina) ou de duas em duas unidades.

Aqueles que utilizam seringas e canetas para a aplicação de insulina podem fazer uma variedade de tratamentos combinando as insulinas basais (NPH, glargina e detemir) e as insulinas de bolus (regular, glulisina, asparte e lispro). Além disso, existem insulinas que já são misturas de quantidades pré-estabelecidas de duas insulinas, uma basal e outra de bolus para que seja feita apenas uma aplicação, elas devem ser mexidas com movimentos de rodar o vidro ou a caneta entre as mãos para misturar. Em todos os tratamentos, o diabético deve ficar atento ao tempo de ação da insulina (para saber quantas e quais insulinas estão agindo no corpo), ao início da ação e aos picos de ação. Os tratamentos, em geral, se dividem em dois tipos:

Doses fixas: neste tratamento, o médico define doses fixas e horários para a aplicação da insulina. Desta forma, o diabético deve comer sempre no mesmo horário e mais ou menos a mesma quantidade de carboidratos. Caso atrase a refeição ou coma menos, ele pode ter hipoglicemia. Se comer mais ou fora do horário, a glicemia vai se elevar. Ele é mais indicado para aqueles que têm dificuldades para fazer a contagem dos carboidratos dos alimentos (para o cálculo da insulina) e para os mais disciplinados na alimentação. É útil também para os pacientes que se tratam com as insulinas humanas, de duração mais longa e picos de ação, que podem ser aplicadas menos vezes por dia.

Múltiplas aplicações com doses flexíveis:  permite mais liberdade alimentar, já que é utilizada uma insulina basal, e uma insulina bolus (normalmente ultrarrápida). Durante as refeições é calculada a quantidade de carboidratos ingeridos e a insulina correspondente. Essa correspondência é feita pelo médico, mas a dose é ajustada pelas medições que o paciente fornece, sendo essencial fazer múltiplas medições diárias, incluindo antes de todas as refeições e duas horas depois destas. Desta forma, a alimentação é bem mais livre, pode-se comer de tudo, com exceção de bebidas com açúcar, pois elas elevam a glicemia muito rapidamente, não dando tempo para a insulina agir.
A insulina basal é geralmente uma das duas insulinas de ação ultralenta, mas pode ser feita com a insulina NPH. Segundo a endocrinologista Denise Reis Franco, diretora da Associação de Diabetes Juvenil (ADJ), hoje em dia se utiliza a insulina NPH em tratamentos com mais aplicações diárias (três ou quatro), distribuindo os picos de ação durante o dia e aplicando doses menores para diminuir o risco de hipoglicemia. Segundo pesquisas do grupo de pesquisa Inglês Dafne o tratamento com insulina NPH tem mostrado melhores resultados do que com as insulinas ultralentas. 

Medições

O tratamento insulínico requer um grande cuidado para diagnosticar o aumento e a diminuição exagerada da glicose no sangue. É importante que os diabéticos tipo 1 tenham um medidor chamado glicosímetro, que pode calcular a glicemia pela medição de uma gota de sangue tirada da ponta do dedo.

Na maioria das cidades do Brasil o glicosímetro, as tiras de medição e as lancetas para furar o dedo para tirar o sangue são fornecidos gratuitamente pelas prefeituras nas UBS (com verba da prefeitura, dos estado e do governo federal). As tiras de medição são descartáveis e costumam ser mais caras que o próprio aparelho. Para os tratamentos mais intensivos (bomba de insulina e o de doses flexíveis), é preciso medir antes de todas as refeições e duas horas depois delas, pelo menos no início do tratamento para ajustar a dose. As metas de glicemia (taxa que a pessoa deve tentar alcançar) são individualizadas utilizando como base os padrões gerais (veja mais sobre as metas glicêmicas).

Para todos os tratamentos é importante fazer a medição da glicemia de jejum e no momento em que sentir qualquer mal estar, quando fizer exercícios ou quando ingerir um alimento que não faz parte da dieta habitual. Quem não faz o tratamento intensivo pode se beneficiar das medições antes e duas horas depois das refeições para fazer um ajuste mais preciso das doses de insulina. Os valores da glicemia devem ser levados para o médico, que irá analisar os dados para prescrever o tratamento.

Os médicos, em geral, solicitam ao paciente que faça um diário para anotar tudo o que comeu (ou pelo menos quanto de carboidrato comeu), quantidade e qual insulina aplicou e as medições que fez, além de outros aspectos que achar relevante como estresse e exercícios físicos. Este diário vai auxiliar o endocrinologista a adaptar o tratamento à vida do paciente, facilitando o controle da glicemia.

Com a medição constante é possível também corrigir a glicemia com a insulina ultrarrápida, caso ela esteja muito alta. Para isso, é importante que a pessoa saiba quais insulinas estão agindo para ter certeza de que nenhuma delas vai ter um pico de ação que corrigiria a glicemia alterada, pois se a correção for feita duas vezes pode causar uma queda na glicemia. Por este motivo a medida após a ingestão do alimento é de duas horas de intervalo, o que dá tempo para a insulina rápida aplicada na refeição surtir efeito.

Fontes: Ministério da Saúde, International Diabetes Federation (IDF), Denise Reis Franco (endocrinologista diretora da Associação de Diabetes Juvenil - ADJ), Maristela Bassi (nutricionista da ADJ), Saulo Cavalcanti (endocrinologista presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes - SBD), João Eduardo Nunes Salles (endocrinologista e professor da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo), American Diabetes Association, Associação Nacional de Assistência ao Diabético (Anad)