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Especialistas defendem hábito de dormir com a criança, condenado por muitos pediatras

Quem opta por trazer a criança para o quarto deve tomar certos cuidados - Rogério Doki
Quem opta por trazer a criança para o quarto deve tomar certos cuidados Imagem: Rogério Doki

Tatiana Pronin

Do UOL, em São Paulo

02/03/2012 07h00

Como toda gestante, a neurocientista Ligia Sena, de Florianópolis, montou um lindo quarto para a filha e sonhava em vê-la dormindo em seu próprio berço. Mas, depois que Maria Clara nasceu, ela notou que as noites em que a filha dormia com ela e o marido no quarto eram as melhores – todos dormiam bem.

Hoje, a autora do blog “Cientista Que Virou Mãe” acredita que a cama compartilhada ajuda a criar crianças mais tranquilas, seguras e estáveis emocionalmente. Além disso, facilita o aleitamento materno, tão importante para a saúde do bebê. A ideia, defendida por alguns especialistas, desperta críticas acaloradas de médicos, preocupados com a segurança das crianças.

Para os pediatras, dormir com a criança pode causar acidentes fatais. “É alto o risco de sufocamento do bebê que dorme na cama com os pais”, diz o pediatra Sylvio Renan, autor do Blog do Pediatra. Para ele, o bebê deve permanecer no quarto dos pais em um moisés ou no carrinho só durante o primeiro mês de vida. “Isso diminui a ansiedade e facilita o aleitamento”, diz.

O risco de mortalidade associado à cama compartilhada chegou a levar o prefeito da cidade de Milwaukee, nos EUA, a promover uma cruzada contra a prática, no ano passado. Mães exibiram nas ruas cartazes com fotos de crianças dormindo ao lado de facas de açougueiro e os dizeres: "Dormir com seu bebê pode ser tão perigoso quanto."

De fato a Associação Americana de Pediatria condena o hábito de dividir a cama com os filhos pequenos. Um levantamento divulgado pela Comissão de Segurança de Produtos ao Consumidor dos EUA mostra que, entre 1990 e 1997, pelo menos 515 crianças pequenas morreram ao dividir a cama com os pais, sendo que 121 casos foram atribuídos ao fato de o adulto ter rolado sobre o bebê.

A autora do blog entende que tantos médicos alertem para esses riscos. “Cama compartilhada não é para todo mundo – pais que fumam ou dormem embriagados, por exemplo, têm de saber que o risco imposto ao filho é grande”, explica.

Mas ela esclarece que, ao contrário do que muita gente imagina, a prática não se resume a trazer o bebê para a cama dos pais. Ela e o marido, por exemplo, tentaram diversos modelos até encontrar o mais seguro: o casal dorme em uma cama japonesa (que fica no chão) e a filha, hoje com 1 ano e meio, fica em um colchãozinho disposto ao lado da mãe. “Quando ela quer mamar,  rola para junto de mim, e agora já começa a voltar para o cantinho dela depois”, descreve.

Questão de sobrevivência

A neurocientista Andréia Mortensen, professora assistente no Departamento de Farmacologia e Fisiologia na Universidade Drexel, na Filadélfia (EUA) e colunista do Guia do Bebê, também é adepta da cama compartilhada. Ela lembra que dormir em quartos separados é algo recente na história da humanidade.

Por séculos, as crianças que dormiram grudadas nos pais tiveram mais chances de sobrevivência – não é à toa que a maioria delas ainda tenha medo do escuro e da solidão. “Nossos filhos estão geneticamente preparados para dormir acompanhados”, explica Mortensen em um artigo publicado no livro “Pediatria Radical”, de Thelma de Oliveira. A médica, aliás, é uma das mais conhecidas defensoras da cama compartilhada no Brasil – sua comunidade no Orkut conta com mais de 15 mil mães.

O pediatra americano William Sears, professor associado da Universidade da Califórnia e famoso por aparições em programas de TV, é outro defensor da prática. Em seu site, ele conta que a experiência familiar (ele passou 16 anos dormindo com os cinco filhos, um de cada vez) o convenceu a fazer experimentos sobre o assunto. Ele e outros especialistas descobriram que a respiração e os batimentos cardíacos de mães e bebês entram em sincronia quando ambos dormem próximos, o que seria um fator de proteção para a morte súbita infantil.

Um estudo recente, publicado por uma equipe da Universidade de Cape Town, na África do Sul, na revista Biological Psychiatry, também mostra que os recém-nascidos que dormem afastados da mãe, no moisés, sofrem mais estresse e, por isso, têm uma qualidade de sono 86% pior que os bebês que repousam junto à mãe.

Privacidade

Mesmo quem adoraria trazer o filho para o quarto acaba evitando a prática por temer que a criança nunca mais vá querer dormir de outra forma, o que acabaria com a privacidade do casal por tempo indeterminado. Sena não tem essa preocupação: nas conversas com amigos que praticam cama compartilhada há bastante tempo, todos contam que depois de alguns anos, a criança passa a ansiar pelo próprio espaço (ao contrário daquelas que passam a infância “visitando” a cama dos pais de madrugada e são repreendidas).

Quanto à vida sexual, ela não dá detalhes, mas garante que está tudo bem. Como muitos adeptos, sugere que, com um pouco de criatividade, o relacionamento não é prejudicado.

Já para a psiquiatra e psicanalista Nayra Ganhito, autora do livro “Distúrbios do Sono” (Casa do Psicólogo), a criança precisa aprender que os pais têm uma relação que não o envolve. “Mas claro que não há problema algum em deixar o filho dormir na mesma cama em uma situação difícil, como em caso de doenças”, pondera.

Ela ainda acredita que muita gente traz a criança para a cama porque há um buraco na relação. Opinião que também é dividida pelo pediatra e homeopata José Armando Macedo, do grupo de estudos Espaço-Potencial  Winnicott, do Instituto Sedes Sapientiae: “É um álibi nobre”, alfineta.

 

Veja recomendações para praticar a cama compartilhada com segurança

- Sua cama deve ser absolutamente segura para seu bebê. A melhor escolha é colocar o colchão no chão, com a certeza de não existir nenhum vão onde seu bebê possa ficar preso. Tenha certeza de ter um colchão plano, firme e liso. Não permita que seu bebê durma em uma superfície macia, tal como cama d´água, sofá, colchões com a parte superior almofadada, poltronas em formato de “pufe” do tipo que se moldam ao corpo, ou qualquer outro móvel com estrutura flexível que possa ceder
- Tenha certeza de ter lençóis sob medida, que permaneçam seguramente ajustados e não se soltem em caso de puxados
- Se sua cama for elevada do chão utilize uma grade de segurança de estrutura entrelaçada para prevenir seu bebê de rolar para fora da cama e seja especialmente cuidadosa acerca de não existir nenhum espaço entre o colchão e a guarda da cabeceira da cama ou a guarda dos pés da cama. OBSERVAÇÃO: Algumas grades de segurança projetadas para crianças mais velhas não são seguras para bebês porque possuem espaços em sua estrutura que possibilitam a passagem de pequenos corpos ou que estes fiquem presos nelas
- Se sua cama é posicionada contra uma parede ou outro móvel verifique-a toda noite para ter certeza de que não existe nenhum espaço entre o colchão e a parede ou o móvel aonde o bebê possa ficar preso
- A criança deve ser colocada entre a mãe e a parede ou a grade de proteção. O pai, irmãos, avós e babás não possuem a mesma consciência instintiva da localização do bebê como sua mãe. Mães: prestem atenção a sua sensibilidade pessoal ao bebê. O seu pequeno deve ser capaz de acordá-la através de um barulho ou movimento mínimo – normalmente até mesmo uma fungada ou ronco é suficiente. Se você descobrir que dorme tão profundamente que somente acorda quando seu bebê emite um choro alto, considere seriamente mudar o bebê para fora de sua cama, talvez para um berço próximo ou ao lado de sua cama
- Utilize um colchão bem grande para fornecer amplitude de espaço e conforto para todos
- Considere a possibilidade de uma arrumação de “cama acoplada”, aonde o berço ou segunda cama posiciona-se diretamente ao lado da cama principal
- Tenha certeza de que o quarto aonde seu bebê dorme e todos os outros quartos a que ele possa ter acesso é a prova de crianças. (Imagine seu bebê engatinhando para fora da cama enquanto você dorme, para explorar a casa. Mesmo que ele não tenha feito isso - AINDA - você pode ter certeza de que eventualmente ele irá fazê-lo)
- Não durma com seu bebê se você tiver bebido álcool, se tiver usado qualquer droga ou medicação, se você em especial costuma dormir profundamente ou se está sofrendo privação de seu sono e acha difícil acordar-se
- Não durma com seu bebê se você for uma pessoa grande, uma vez que um pai acima do peso constitui-se em risco provado para bebê, na situação da cama compartilhada. Não é possível especificar uma tabela de correlação peso/bebê. Se o bebê rolar em sua direção, se existir inclinação ou depressão grande no colchão ou se você suspeita de qualquer outra situação de perigo, aja com segurança e acomode o bebê em um berço ou cama menor ao lado de sua cama
- Remova todas as almofadas e cobertores durante os primeiros meses. Utilize extrema precaução quando introduzir almofadas ou cobertores, a medida que sei bebê fique maior. Vista o bebê e vocês de forma aquecida para dormir. (Uma dica para mamães que amamentam: como camiseta de baixo e para manter-se mais aquecida, vista uma camiseta comum ou de gola role antiga cortada pelo meio em direção à linha do decote). Tenha em mente que o calor do corpo aumenta o aquecimento durante a noite. Tenha certeza que seu bebê não ficará superaquecido
- Não vista roupas de dormir com cordões ou fitas compridas. Não use joia e se seu cabelo for longo, prenda-o para cima
- Não utilize perfumes ou loções de aromas fortes que possam afetar os sentidos delicados de seu bebê
- Não permita animais de estimação dormindo na cama com seu bebê
- Nunca deixe seu bebê sozinho em uma cama de adulto a não ser que esta cama seja perfeitamente segura para ele, tal como um colchão firme no chão de um quarto a prova de criança, e somente quando você estiver por perto ou atenta, escutando o bebê através de um monitor (babá-eletrônica) confiável

Fonte: http://www.pantley.com/elizabeth/books/0071381392.php?nid=169&isbn=0071381392