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Exoesqueleto que fará paraplégico andar será testado em setembro, diz Nicolelis

Cientista Miguel Nicolelis comanda o projeto "Andar de Novo" - Divulgação/Secom
Cientista Miguel Nicolelis comanda o projeto "Andar de Novo" Imagem: Divulgação/Secom

Fabíola Ortiz

Do UOL, no Rio de Janeiro

01/07/2013 21h00

O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis planeja fazer um paraplégico se levantar por conta própria, caminhar até o centro do gramado do jogo de abertura da Copa do Mundo em 2014 e dar o primeiro chute do mundial. O cientista garante que a primeira versão mecânica do exoesqueleto estará pronta em setembro deste ano. Entre dezembro de 2013 e janeiro de 2014, segundo ele, serão entregues no Brasil os dois primeiros exemplares para o início de testes com 10 pacientes brasileiros.

Nicolelis afirma que metade do cronograma já foi cumprido e garante que 100% estará completo em junho de 2014. “Se tudo der certo, às 16h no dia 12 de junho de 2014, vamos mostrar ao mundo que o Brasil  também é o país da ciência e tecnologia e capaz de fazer um grande gol da história da humanidade. Queremos ter um brasileiro paraplégico com lesão medular e fazer com que esse jovem possa se levantar e dar o chute inaugural da Copa do Mundo”, afirmou Nicolelis.

O neurocientista é co-Diretor do Centro de Neuroengenharia da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, e já se dedica à pesquisa há mais de 20 anos. Ele explica que o que fará o paciente paraplégico ser capaz de andar é uma “veste robótica”, um exoesqueleto que está sendo construído na Europa. 

“Temos cientistas do mundo todo para que essa colaboração dê certo e todos já sentem a mesma emoção.  Um estádio com 70 mil pessoas que verão ao vivo, isso é algo muito poderoso”, salientou.

Nicolélis define o projeto “Walk Again” (Andar de Novo, em inglês) como uma “ousadia científica”. O experimento é um consórcio internacional que reúne centenas de cientistas em todo o mundo.

Sonho de cientistas

Ele explica que a ideia surgiu com a possibilidade de demonstrar ser viável fazer uma ligação direta do cérebro a artefatos robóticos, numa interface cérebro-máquina, capaz de realizar comportamentos motores coordenados. “Tudo o que nosso cérebro faz é produzido por tempestades elétricas, o cérebro cria um programa motor e elétrico e manda para a medula espinal para permitir que o membro se mexa”.

A partir daí, foi desenvolvido um sistema que fosse capaz de ler os estímulos e traduzir em sinais para uma linguagem digital. A meta era que essa ideia pudesse ser aplicada na restituição de movimentos de um paciente que tenha sofrido lesões medulares e estivesse paralisado.

“Começamos a mostrar que essa ideia não era apenas uma fantasia abstrata de cientistas. Seria possível ler a intenção, o desejo motor desses pacientes usando técnicas computacionais e de engenharia de microeletrônica e decodificar as intenções motoras de pacientes com uma veste robótica”, detalhou.

Os primeiros experimentos foram realizados com macacos que aprenderam a jogar videogames através de uma interface cérebro-máquina sem precisar mover o corpo, apenas com a força do pensamento. “Fizemos uma conexão direta entre o cérebro do animal e o braço robótico. Ele imagina os movimentos e a interface codifica os estímulos elétrico-cerebrais. O braço robótico foi assimilado pela nossa macaca, a Aurora”.

A partir daí, foi possível identificar a ideia de que um paciente paralítico poderia imaginar o movimento e os sinais produzidos no cérebro poderiam controlar robôs e vestes robóticas.

Há 10 anos os cientistas eram capazes de registrar 100 neurônios, hoje já conseguem registrar cerca de 2.000. Sem contar na possibilidade de transmitir sinais elétricos à distância sem fio de alta resolução, wi-fi. “A prima da macaca Aurora, a Cherry, joga videogame sem fio, esta é a nova geração”, detalhou Nicolelis.

O projeto Walk Again foi reconhecido pela revista Scientific Amerincan entre os 10 experimentos científicos que poderiam mudar a humanidade.

“Se forem feitos investimentos, estamos muito próximos de reverter a condição atual e pacientes que sofrem de lesões neurológicas graves e transformar cadeiras de roda em objeto de museu.”

A veste robótica foi desenhada pelo cientista Gordon Cheng, da Universidade Técnica de Munique, na Alemanha. A veste tem um mecanismo de “feedback tátil” que volta para o cérebro a informação após a realização do movimento, é conhecida como uma “interface bidirecional”.

Tecnologia inédita

“São tecnologias que não foram divulgadas, é algo absolutamente inédito, um grau revolucionário na área de reabilitação. São articulações do exoesqueleto e todas controladas por diferentes sinais biológicos dependendo da lesão da medula espinal”, afirmou o neurocientista.

Nicolelis destacou ainda que esta veste robótica poderá ser adaptável a uma grande variedade de lesões. Existem no mundo mais de 20 milhões de pacientes que sofrem de algum tipo de paralisia decorrente de lesão medular, diz.

Também será criada uma pele artificial eletrônica com circuitos integrados embutidos em um material flexível que reveste o exoesqueleto e cria um sinal de feedback para a pele ou cérebro, gerando um sinal que permite que o paciente assimile o robô como se fosse o seu próprio novo corpo.

“Temos evidências que o cérebro humano assimila as ferramentas que usamos no cotidiano como parte da representação do corpo. A  ideia é que o cérebro assimile o exoesqueleto como um novo corpo”, argumentou.

Os estudos continuarão mesmo após o chute inicial da Copa do Mundo, que conta ainda com a participação do Instituto Internacional de Neurociências de Natal – Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), em Macaíba, no Rio Grande do Norte, coordenado por Nicolelis.

“Este é um projeto global que traz para o Brasil uma série de novas tecnologias e formará pessoas. Vamos inicialmente trabalhar com um grupo de 10 pacientes. O grande problema era casar o experimento científico com a engenharia”, admitiu.

“Vamos colocar, pela primeira vez, seres humanos em contato com essa veste. Temos um ano, o tempo é suficiente para uma demonstração. A nossa ideia é que essas vestes sejam acessíveis e que as pessoas tenham acesso a essa tecnologia”.

Depois de fazer um paraplégico andar, os próximos passos serão fazer mexer os braços e até promover a comunicação entre pessoas.