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Cientistas da USP criam versão transgênica do parasita da malária

Karina Toledo

Da Agência Fapesp

28/04/2014 14h19

Pesquisadores do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) desenvolveram uma versão transgênica do parasita causador da forma mais agressiva de malária humana – o Plasmodium falciparum – que poderá auxiliar na triagem de novos medicamentos contra a doença, que é uma das que mais mata no mundo hoje e para a qual não há vacina.

Os resultados da pesquisa – conduzida durante o doutorado de Lucas Borges Pereira – foram apresentados no dia 15 de abril no “Workshop at the Interface between Physics and Biology”, na sede da Fapesp, em São Paulo.

Foi inserido no parasita um gene que, ao ser expresso, codifica um marcador de cálcio conhecido como GCaMP3, que é formado pela fusão do gene da proteína verde fluorescente (GFP, na sigla em inglês, originário de uma espécie de água-viva) com o gene da proteína calmodulina (CaM, capaz de se ligar ao cálcio) e com o peptídeo M13.

“Na presença de cálcio, ocorre uma interação e a GFP passa a emitir luz. Quanto maior a quantidade do íon maior a fluorescência. É um tipo de ferramenta já muito usada em pesquisas com células de mamífero. O fato de termos conseguido desenvolver uma versão para o parasita que mais mata no mundo é um grande avanço”, afirmou Célia Regina da Silva Garcia, orientadora de Borges e coordenadora do Projeto Temático “Genômica funcional em Plasmodium”.

O cálcio, explicou Garcia, é uma substância essencial para a reprodução do P. falciparum e para os processos de invasão da célula hospedeira.

“A grande vantagem do parasita transgênico é a possibilidade de medir cálcio em tempo real sem usar métodos invasivos, como a extração da célula hospedeira ou a marcação com compostos orgânicos. Dessa forma, podemos estudar [in vitro] os processos fisiológicos de controle de ciclo de vida com a célula intacta e o parasita vivo. Também será possível realizar triagem de novas drogas”, explicou.

Em um estudo anterior publicado no Journal of Cell Biology, a equipe da USP já havia desvendado como o parasita consegue sobreviver no interior das hemácias – as células vermelhas do sangue – onde há dez mil vezes menos cálcio do que o necessário para sua sobrevivência.

No momento em que o parasita penetra na hemácia, parte da membrana da célula sanguínea se dobra e forma uma bolsa ao redor do protozoário chamada vacúolo parasitóforo. Dessa forma, o parasita cria um ambiente rico em cálcio ao seu redor. Uma proteína da parede dessa bolsa, a enzima Ca++ ATPase, exerce um papel essencial nesse processo, por captar cálcio do interior da hemácias.

“Drogas como a artemisinina, por exemplo, causam a morte do parasita por inibir a sua capacidade de acumular cálcio. Outros antimaláricos também atuam sobre a via de sinalização por cálcio. Mas precisamos encontrar novas opções terapêuticas, pois os parasitas já estão resistentes às drogas existentes”, disse Garcia.

A ideia do grupo é usar o parasita transgênico como ferramenta no teste de drogas candidatas por meio de ensaios do tipo high-throughput screening (HTS), que usam um sistema automatizado para avaliar várias substâncias ao mesmo tempo. “Diversos inibidores podem ser colocados sobre os parasitas modificados e, pela intensidade da fluorescência, podemos identificar quais substâncias apresentam maior eficácia”, explicou Garcia.

Com auxílio de um equipamento conhecido como citômetro de fluxo (que permite identificar as células fluorescentes), o grupo de Garcia já realizou os primeiros testes para confirmar a sensibilidade do parasita transgênico à presença de cálcio.

“Mas o citômetro de fluxo permite apenas enxergar toda a população de parasitas dentro das hemácias. Para estudar o comportamento individual do Plasmodium necessitamos de equipamentos mais sofisticados, como um microscópio confocal, por exemplo. Somente assim conseguiremos analisar uma única célula e acompanhar a sinalização de cálcio”, disse Borges.

Para Garcia, ainda que seja possível realizar parcerias com equipes internacionais, é fundamental que os próximos experimentos sejam realizados no Brasil. “São esses testes que vão render resultados de alto impacto para nossa ciência”, avaliou.