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O que é antimatéria e por que é o material mais caro do mundo?

Toda partícula tem uma gêmea oposta correspondente na natureza - Getty Images/iStockphoto
Toda partícula tem uma gêmea oposta correspondente na natureza Imagem: Getty Images/iStockphoto

Marcelle Souza

Colaboração para Tilt

10/05/2021 09h46Atualizada em 10/05/2021 09h48

Antimatéria e antipartículas não são só coisa de filme de ficção científica. Apesar de durarem muito pouco, serem raras e caras de produzir —sério, estamos falando de trilhões de dólares—, elas têm sido estudadas em detalhes por muitas décadas e fazem os cientistas quebrarem a cabeça. Tanto esforço e dinheiro envolvidos nessas pesquisas têm uma boa explicação: elas podem, no futuro, revolucionar muitas áreas, gerar energia ou ajudar a medicina a detectar câncer.

A primeira antipartícula descoberta foi o antielétron (também chamado de pósitron), em 1932, por Carl Anderson, ao estudar raios cósmicos. Mas sua existência já havia sido prevista em 1928, quando o físico britânico Paul Dirac demonstrou a existência de algo oposto à matéria: a antimatéria. Dirac levou o Nobel de Física em 1933. É notável que alguém tenha concluído que uma partícula nunca antes vista deveria existir, apenas baseando-se em argumentos teóricos.

"A antimatéria é uma consequência da união de ideias de duas grandes revoluções da física do início do século 20: a teoria da relatividade e a mecânica quântica", explica Eduardo Pontón, pesquisador do Instituto Sul-Americano de Pesquisa Fundamental, do International Centre for Theoretical Physics (ICTP), em colaboração com a Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Matéria x antimatéria

O primeiro passo para entender a antimatéria é saber que tudo é constituído por matéria. E a matéria é formada por átomos, que, por sua vez, são compostos de elétrons (de carga negativa), prótons (positiva) e nêutrons (neutra).

Era nisso o que os cientistas acreditavam até 1928. Depois, Dirac demonstrou a existência de algo oposto à matéria: a antimatéria.

Isso significa que "toda partícula tem uma espécie de gêmea correspondente na natureza", explica Eduardo Sato, do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Desde 1955, quando cientistas criaram um antipróton com ajuda de um acelerador de partículas, já foram listadas centenas de partículas, e cada uma delas possui uma antipartícula correspondente.

Um fato curioso é que, como as partículas e antipartículas compartilham as mesmas propriedades (apesar de terem cargas opostas), as leis da física funcionam de forma simétrica quando uma é substituída pela outra. Em outras palavras, se você pudesse trocar todas as partículas que o formam e compõem o mundo ao seu redor por antipartículas, tudo pareceria absolutamente normal.

Por causa dessas mesmas leis, quando uma partícula e sua antipartícula correspondente se encontram, elas se aniquilam, produzindo fótons (luz, embora não necessariamente visível). Esse fenômeno descreve uma das principais aplicações práticas da antimatéria: o exame de PET scan, que ajuda a detectar tumores.

Os "gêmeos" dos elétrons são os anti-elétrons, partículas que se comportam de forma parecida e têm carga oposta. Eles são chamados de pósitrons e, mesmo que a gente não veja, já topamos com algum deles por aí. Quer um exemplo?

Uma banana emite, em média, um pósitron a cada 75 minutos, diz Sato. Rapidamente, ele encontra um elétron, o que leva à aniquilação dos dois. É aí que começa o problema —e não estamos falando isso por que o resultado desse "match" é uma liberação de radiação. Estudar a antimatéria é muito difícil, porque ela dura pouco.

Basta encontrar uma partícula de matéria para que os dois se aniquilem. Não é só isso: na natureza, as antipartículas existem em número muito menor do que as partículas. Ou seja, tem muito mais elétron do que pósitron no espaço.

De acordo com o modelo do Big Bang, que explica o início do Universo, tanto a matéria quanto a antimatéria devem ter sido criadas em quantidades iguais no começo do Universo. Mas o que sabemos é que existe muito mais matéria do que antimatéria, e alguma coisa deve ter ocorrido para causar essa assimetria
Angela Krabbe, astrônoma da Universidade do Vale do Paraíba

Quem achar uma explicação para esse enigma pode nos ajudar a entender melhor o Universo. Tanto é que estudar esse desequilíbrio é o objeto de estudo de Sato, que mantém o blog Torta de Maça Primordial.

Antimatéria feita em laboratório

A saída dos cientistas para driblar a escassez e a curta duração da antimatéria foi tentar produzi-la de forma artificial. Para isso, eles usam grandes aceleradores de partículas, que simulam em laboratório, a criação do Universo — em escala bem menor, é claro.

O principal problema é que não se consegue isolar direito a antimatéria
Eduardo Sato, físico da Unicamp

O máximo que pesquisadores conseguiram foi manter manter partículas de antimatéria "vivas" por 15 minutos, mas em um ambiente de vácuo ideal e controlado. Isso faz com que qualquer estudo seja uma corrida contra o tempo.

Como se não bastasse esse entrave, há outro grande problema: criá-la artificialmente é algo caro e pouquíssimo eficiente. Quer ver?

Criar uma só partícula de antimatéria requer o uso de 10 mil partículas de matéria. Isso é feito em altíssimas velocidades, gastando uma quantidade enorme de energia, o que eleva muito (muito mesmo!) os custos da operação.

Essas são conclusões de um estudo realizado por cientistas da Nasa e de duas universidades da Pensilvânia, nos Estados Unidos. A pesquisa mostrou que, para produzir um grama de antimatéria, seria preciso investir aproximadamente R$ 25 trilhões. Isso é mais de três vezes o PIB (produto interno bruto) do Brasil, que fechou 2018 em R$ 6,8 trilhões.

Para que tanto esforço?

Apesar de cara, a pesquisa da antimatéria pode não só desvendar alguns segredos do Universo mas também mudar a vida aqui na Terra. Em primeiro lugar, ela poderia substituir outras fontes de energia, já que a radiação resultante do choque dessas partículas é proporcionalmente muito alta.

A aniquilação de um grama de antimatéria com um grama de matéria resultaria na liberação de 50 GWh de energia, o suficiente para manter uma lâmpada de 100 W acesa por mais de 57 mil anos
Eduardo Sato, físico da Unicamp

Em vez de deixar a luz acessa por tanto tempo, o ideal seria usar essa radiação para a investigação espacial. Isso possibilitaria, por exemplo, mandar satélites, foguetes e astronautas para o espaço com muito menos energia. Além disso, eles ainda poderiam chegar mais longe.

Outro uso seria na medicina. Estudos apontam que essa radiação pode ser uma forma bem eficaz de detectar casos de câncer com maior antecedência. Só que isso está longe de chegar aos consultórios médicos.

"Eu sempre falo que, em física, a gente avança um pouco de cada vez. Por exemplo, alguém teve que estudar os semicondutores antes de criar o computador, o celular", diz Sato. Vamos precisar de um pouco de paciência.