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Os números do universo: será que somos o resultado de uma loteria cósmica?

Jon Krause/ The New York Times
Imagem: Jon Krause/ The New York Times

George Johnson

28/06/2015 06h00

O Grande Colisor de Hádrons voltou à vida neste mês, esmagando partículas subatômicas com quase o dobro da energia utilizada para descobrir o bóson de Higgs, momento histórico na compreensão da composição do mundo físico. Com o Higgs agora encontrado, os pesquisadores estão interessados em artigos mais exóticos: sinais de uma nova física que descreva o universo e explique por que ele é assim.

Quatro forças fundamentais regem a realidade, mas por que o número não é três, cinco ou 17? A matéria é formada por um monte de partículas cujas massas diferem tanto que elas parecem ter sido distribuídas por um Deus grogue. O próton pesa 0,9986 mais que o nêutron e ambos são mais de 1.835 vezes mais maciços do que o elétron.

Esses valores, como todos os outros que compõem os detalhes técnicos do universo, parecem muito arbitrários. Contudo, caso fossem levemente diferentes, asseguram os teóricos, o universo não teria dado origem à vida inteligente.

Ao rejeitar a possibilidade de que isso não passou de um acaso de sorte, os físicos vêm procurando um princípio subjacente -- um argumento convincente para explicar por que tudo só poderia ter acontecido desta forma particular.

Não é assim que costumamos pensar na história humana, onde por um pequeno detalhe poderíamos viver em um mundo geopolítico muito diferente. A cada evento, as possibilidades se bifurcam em direção ao futuro. Escolha uma das inúmeras que não se tornaram reais e pode-se ter a trama de um bom livro de realidade alternativa.

Em "O homem no Castelo Alto", de Philip K. Dick, os Estados Unidos perdem a Segunda Guerra Mundial e é dividido ao meio, com o Leste ocupado pela Alemanha nazista e o Oeste pelo Japão. Outros escritores partiram do princípio que a peste negra exterminou a Europa na Idade Média, deixando (em várias versões) o islã, os otomanos, os persas, os astecas e os iroqueses como candidatos a superpotências.

Em ensaio satírico publicado em 1930, especulando a respeito das ramificações de uma vitória confederada na Guerra de Secessão norte-americana, Winston Churchill escreveu sobre o fascínio que as pessoas têm por "coisinhas, pelas pontas afiadas das ágatas sobre as quais gira o equilíbrio pesado do destino".

Deixando a incredulidade levemente de lado, nós podemos imaginar que John F. Kennedy tivesse completado o mandato presidencial. Todavia, a física não funciona assim: se um número chamado alfa, que determina a força do eletromagnetismo, fosse levemente maior ou menor, as estrelas poderiam não ter se formado, deixando um vácuo sem vida.

O valor de alfa não parece mais previsível do que números escolhidos ao acaso no sorteio de uma loteria: 0,0072973525698. Um dos grandes mistérios da física, na definição do físico Richard Feynman, "um número que nos chega sem compreensão pelo homem".

Outros valores, como a massa do Higgs ou a potência da força que une o núcleo dos átomos parecem estar elegantemente afinados. Gire um pouquinho o mostrador e nosso universo não existiria.

Existem muitas formas de reagir a este dilema existencial. Nós podemos pegar a deixa do escritor Douglas Adams e curtir a ideia de que a vida, o universo e tudo mais são um grande golpe de sorte cósmico. Se as configurações universais fossem um tiquinho só diferente, nós não estaríamos aqui refletindo sobre o mistério. Esta é uma versão do que veio a ser chamado de "princípio antrópico fraco".

Assumindo uma visão mais mística temos os adeptos de outra doutrina: o princípio antrópico forte. Partindo de uma interpretação polêmica da teoria quântica, eles propõem uma simbiose ao estilo de Escher. O universo dá origem a observadores conscientes que, por sua vez, trazem o universo à existência pela força de seu olhar constante.

Por fim, existem os seguidores de um caminho do meio, que buscam provar que o universo não é acidental, mas inevitável, com seu conjunto de números definidores tão limitados e mutualmente coerentes como a solução de um enigma sudoku.

Essa era a meta da teoria das cordas quando se tornou proeminente três décadas atrás. As contas matemáticas, com suas dimensões extras e geometrias com formato de "pretzel", eram tão mesmerizantes que a teoria parecia quase certamente verdadeira -- uma descrição muito bem urdida, quando por fim decifrada, de um universo como o nosso.

Em vez disso, a teoria das cordas voou em outra direção, prevendo uma multidão de outros universos, cada qual com uma física diferente e todos impossíveis de serem observados, além do nosso. Talvez alguns dos outros universos tenham gerado tipos diferentes de seres inteligentes, feitos de outra coisa além de átomos e tão intrigados -- num equivalente inconcebível de perplexidade -- quanto nós mesmos.

Ou, talvez, toda essa história de vários universos seja uma forma elaborada de dizer que existem jeitos incontáveis de este Universo (no singular e com maiúscula) ter se formado -- histórias alternativas, não mais reais do que a Terra hipotética na qual os maias se aliam aos incas numa guerra termonuclear contra seres na Lua.

Há anos os teóricos estão divididos entre quem rejeita o multiverso como "uma escapatória de proporções infinitas", como escreveram no ano passado Natalie Wolchover e Peter Byrne na revista "Quanta", e aqueles que insistem que a ideia é forte demais para estar errada, mesmo que não exista maneira de verificar a existência de outros universos.

Muitos dos céticos do multiverso continuam receptivos a alguma versão da teoria das cordas, uma que não exija redefinir o que é o real. Talvez, rondando ainda escondida neste cipoal emaranhado, esteja uma equação mágica, mostrando que este universo é, afinal, o único que pode ser.