Topo

Brasil desiste de foguete que já custou R$ 1 bi em parceria com a Ucrânia

Imagem mostra como seria o foguete Cyclone 4, que já estava praticamente pronto - Divulgação
Imagem mostra como seria o foguete Cyclone 4, que já estava praticamente pronto Imagem: Divulgação

Débora Nogueira

Do UOL, em São Paulo (SP)

23/07/2015 16h20


O Brasil decidiu cancelar unilateralmente o acordo bilateral que assinou com a Ucrânia em 2003 para a construção de um foguete lançador de satélites (Cyclone 4) e de um centro de lançamento na base de Alcântara (MA), segundo confirmaram nesta quinta-feira (23) fontes oficiais. O projeto recebeu um investimento de R$ 1 bilhão desde que foi iniciado o acordo de cooperação entre ambos países em 2004, sendo que os gastos foram divididos entre os países. Especula-se que as autoridades perceberam que o lançamento de satélites de grande porte não teria o retorno financeiro esperado.

"Era melhor desfazer esta cooperação e encontrar outros parceiros, que ainda não foram determinados, para que possamos avançar na área aeroespacial", disse o ministro da Defesa, Jaques Wagner, em declarações que concedeu aos jornalistas durante o ato de apresentação de uma nova embarcação de pesquisa oceanográfica da Marinha no Rio de Janeiro.

Nos últimos meses uma comissão integrada por representantes dos ministérios brasileiros de Defesa, Ciência e Tecnologia e Relações Exteriores estudou as alternativas para levar adiante o projeto, disse Wagner, mas chegou à conclusão de que "era melhor desfazer esta cooperação".

O projeto desse foguete foi a prioridade da Agência Espacial Brasileira (AEB) em um projeto que reconstruiria o  Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) após o incêndio  da base, no Maranhão, em 2003. Até então, o foco do governo era o lançamento do VLS-1, um lançador de satélites menores, com alto envolvimento da indústria e pesquisa brasileiros. 

Após a explosão da base, que matou 21 importantes técnicos e destruiu instalações, o projeto do VLS foi suspenso. Na tentativa de recuperação da base e com o objetivo de explorar o mercado de lançadores de satélites, o Brasil optou por focar na construção desse foguete maior, porém com tecnologia criticada mundialmente. O chamado Cyclone 4 seria maior que o VLS, capaz de lançar cargas mais pesadas como de satélites de telecomunicações (de até 800 kg e numa órbita geoestacionária, a 36 mil quilômetros de distância).

A Ucrânia usa métodos ultrapassados e abolidos em grande parte do mundo para a propulsão do foguete. O propelente hidrazina é altamente tóxico e um acidente poderia causar diversas mortes e dano ambiental catastrófico. Uma vez que a intenção comercial era a de realizar diversos lançamentos, havia ainda a preocupação quanto ao transporte da hidrazina na região.

Transferência de tecnologia

As decisões brasileiras na área espacial foram sempre tomadas com o objetivo de se favorecer a transferência de tecnologia, e isso muitas vezes deixou o Brasil distante dos maiores fabricantes da indústria espacial, principalmente os europeus e americanos, que não concordavam com a transferência total da tecnologia. Porém, o projeto do Cyclone 4 era um acordo “entre Congressos dos países” e não havia sido uma decisão que partiu da Agência Espacial Brasileira (AEB), que nega que tenha ingerência no acordo. 

Hoje, o ministro brasileiro de Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo, que também participou do ato no Rio de Janeiro, afirmou que tratava-se de um "acordo comercial" entre ambos países, que não incluía nenhum tipo de "transferência" de conhecimento tecnológico, para "prestar serviços a terceiros países que estivessem interessados em pôr satélites em órbita".

O foguete em parceria com a Ucrânia era realizado através da constituição de uma empresa conjunta, a Alcântara Cyclone Space (ACS), cuja missão seria o desenvolvimento e a exploração da base mediante prestação de serviços de lançamentos espaciais tanto para o Brasil e Ucrânia, como para outras potências ou, inclusive, para clientes privados.

Mas, segundo fontes oficiais, perante a atual política do governo brasileiro de redução dos gastos públicos para fazer frente à estagnação da economia brasileira, para o país é inviável um projeto que, segundo se previa, seria deficitário durante os primeiros 20 anos.

Por outro lado, a atual crise política da Ucrânia, provocada pela anexação da Crimeia por parte da Rússia e que tinha levado à paralisação de sua participação econômica no projeto, também contou na decisão. Com isso, cada um dos países perdeu cerca de R$ 500 milhões cada, segundo os números oficiais.

Segundo algumas versões, o governo da Rússia pressionava pelo fim da cooperação espacial entre Ucrânia e Brasil, seu principal parceiro comercial na América Latina.

Wagner, no entanto, rejeitou que o fim do projeto se deva a questões políticas, já que o fim do acordo "foi decidido antes disso", apesar de admitir que "eventualmente o conflito agravou (a situação) já que este incluía muita tecnologia que é compartilhada entre Rússia e Ucrânia".

Destino de Alcântara

A base de Alcântara é muito cobiçada internacionalmente por causa de sua localização privilegiada, que permite o uso máximo da rotação da Terra para impulsionar lançamentos com economia de combustível de até 30%.

A previsão do projeto era que o complexo de lançamento espacial começasse a funcionar em 2015, mas neste momento as obras de ampliação mostram um evidente estado de abandono, o que provocou a deterioração de grande parte do trabalho já realizado.

Entre as opções para uma saída às instalações "que já foram levantadas, apesar de ainda não terem sido terminadas", é a possibilidade de alcançar um acordo com outro parceiro que bem poderia ser Estados Unidos, Rússia, China ou Europa. Há um empecilho com o governo norte-americano em que a ausência de um acordo de salvaguarda tecnológica impede que sejam lançados no Brasil satélites que contenham peças com tecnologia norte-americana, o que restringe brutalmente a operação comercial.

Com os americanos, segundo confirmou Rebelo, foram retomadas as conversas a respeito no marco da visita de Estado que a presidente Dilma Rousseff realizou a Washington no final do mês passado. Os países não conseguem entrar em acordo

Em 2000 chegou a ser assinado um acordo de colaboração em matéria aeroespacial com os Estados Unidos, mas finalmente não prosperou por que os americanos não quiseram compartilhar sua tecnologia com o Brasil.

(Com agência EFE)