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Clique Ciência: que animais (além do homem) se masturbam?

Bonobo macho Jack corteja a fêmea Susi no parque Nacional Salonga, na República Democrática do Congo, na África - Caroline Deimel, LuiKotale Bonobo Project
Bonobo macho Jack corteja a fêmea Susi no parque Nacional Salonga, na República Democrática do Congo, na África Imagem: Caroline Deimel, LuiKotale Bonobo Project

Tatiana Pronin

Do UOL, em São Paulo (SP)

04/08/2015 06h00

Muita gente supõe que os seres humanos são os únicos animais que obtêm prazer do sexo e, como consequência, os únicos a praticar a masturbação. Estudos observacionais mostram, no entanto, que a prática é bem comum, e não apenas entre os primatas, nossos "primos" na árvore evolutiva. Muitos mamíferos estimulam cultivam o hábito, inclusive quando têm parceiros disponíveis para o acasalamento. E a lista vai além, incluindo pássaros e até esquilos.

Encontrar um macaco esfregando os genitais em algum tronco no zoológico não é algo exatamente agradável, mas pode trazer algumas constatações interessantes sobre os animais e até sobre nossa própria espécie. "Muitos primatas se masturbam, principalmente os machos", conta o primatólogo Frans de Waal, da Universidade Emory, nos Estados Unidos. "Mas eu sempre achei que o fato de as fêmeas de chimpanzés e bonobos se masturbarem um ótimo argumento contra a ideia de que as fêmeas da espécie humana seriam as únicas a ter orgasmo. Se não houvesse prazer associado, elas não teriam motivo para fazer isso", completa o estudioso, autor de "Eu, primata - Por que somos como somos" (Ed. Companhia das Letras).

Bonobos

De Waal diz não conhecer nenhum estudo científico específico sobre o tema, assim como a primatóloga brasileira Cristina Santos, ex-professora da Universidade Federal de Santa Catarina. Em 14 anos de trabalho com saguis, macacos-pregos, muriquis e micos-leões, ela nunca observou nada parecido com a masturbação entre essas espécies. Mas ela pondera que animais isolados em cativeiro podem adquirir manias, como a de tocar o próprio genital ou coçar a cabeça o tempo todo. 

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Imagem: Arte/UOL

A primatóloga, contudo, não ficaria surpresa se pegasse um bonobo no flagra. Essa sub-espécie de chimpanzé da África é, digamos assim, incansável. O fato de esses bichos terem relações várias vezes ao dia permitiu que cientistas como De Waal pudessem estudar à vontade seu comportamento sexual. E eles descobriram que os bonobos fazem sexo pelos mais diferentes motivos: para se cumprimentar, para estreitar laços e até para se reconciliar depois de uma briga (você se identificou?).

O etólogo (estudioso do comportamento animal) Jonathan Balcombe, autor do livro "The exultant ark - A pictorial tour of animal pleasure" ("A arca exultante - Um passeio pictórico pelo prazer animal", em tradução livre), também ressalta que a presença do clitóris em muitos mamíferos é uma evidência de que "as" primatas têm orgasmo. Segundo ele, é comum encontrar bonobos fêmeas esfregando o genital uma na outra. Depois de alguns segundos, elas gritam e ficam com a estrutura ingurgitada, ou seja, com volume aumentado pelo fluxo de sangue.

Cães e cavalos

Se um riso malicioso é uma reação frequente ao se usar o termo "sexo animal", comportamentos como masturbação e ereção espontânea nos animais domésticos costumam gerar mais constrangimento. Não faltam consultas a especialistas com o objetivo de acabar com o hábito impróprio que alguns cachorros têm de atacar as pernas das visitas, ou de sujar as almofadas da sala. Assim como eles, os gatos também gostam de praticar a autofelação, ou seja, lambem os próprios genitais.

Segundo o site da Sociedade Americana Para a Prevenção da Crueldade Contra Animais (ASPCA, em inglês), atos desse tipo devem ser encarados com naturalidade, assim como o montar dos animais em outros - uma forma de se mostrarem donos do território ou, simplesmente, um treino para não perder a capacidade. Mas, em muitos casos, a masturbação de cães e gatos pode se tornar compulsiva, em resposta ao estresse, e nesse caso a entidade sugere que se busque, mesmo, a orientação de um profissional especializado em comportamento animal.

Vale mencionar um trabalho da Faculdade de Veterinária da Universidade da Pennsylvania, que trata de ereções periódicas e movimentos penianos dos cavalos e de outros equídeos. Os pesquisadores, no estudo, comentam que isso costuma ser encarado como aberração e que os animais são impedidos pelos criadores de executá-los. O resultado? Os bichos reagem com aumento da frequência ou distúrbios no comportamento reprodutivo. 

Um dos primeiros pesquisadores a mencionar a masturbação animal na literatura científica foi o sexólogo Havelock Ellis. Em 1927, ele publicou seus "Estudos Sobre a Psicologia do Sexo", no qual documentava a prática de autoerotismo entre bois, cabras, carneiros, furões, camelos, elefantes e até hienas. Ele já observava que muitos desses bichos se esfregam em pedras ou outros objetos para, supostamente, obter prazer, enquanto outros chegam a praticar a masturbação mútua, lambendo os genitais um do outro.

Outro etólogo, Bruce Bagemihl, autor de "Biological exuberance - Animal Homosexuality and Natural Diversity" ("Exuberância biológica - Homossexualidade animal e diversidade natural", em tradução livre), ainda cita leões, morcegos, morsas e golfinhos. Outros estudiosos também já mencionaram o fato de esses cetáceos praticarem a masturbação com enguias enroladas ao pênis. Também há registros de tartarugas e porcos-espinhos esfregando os genitais em objetos e de pássaros que tentam copular com montes de grama ou de terra.

Até esquilos

Ainda não se convenceu? Então pense que talvez exista um motivo nobre por trás da masturbação, algo que explique a vantagem desse comportamento no contexto da evolução. A zoóloga Jane Waterman, da Universidade da Flórida, nos EUA, é uma das cientistas que acredita nessa hipótese. Ela passou cerca de 2.000 horas observando esquilos selvagens, na Naníbia, e viu com os próprios olhos como esses animais fofinhos praticam autofelação e se masturbam com as patas dianteiras.

Em um artigo publicado no periódico PLoS ONE, Waterman explica que muitos pesquisadores acham que a masturbação não tem nenhuma função adaptativa - é somente um efeito colateral da intensa excitação gerada pelo constante acasalamento. Outros defendem que a prática ajuda a limpar os testículos dos machos, tornando os novos espermatozoides mais "eficientes" para a fecundação.

Segundo as observações da pesquisadora, os esquilos machos se masturbam com maior frequência quando as fêmeas estão prontas para acasalar. Os dominantes do grupo são muito mais propensos a conseguir o feito do que os subordinados, e, por incrível que pareça, eles também são os que mais praticam a masturbação.

Outro fato curioso é que os esquilos se estimulam depois de copular, e não antes, o que derruba a tese de que o ato teria a função de melhorar a qualidade das células reprodutivas. Muitos seres humanos, inclusive, tendem a se masturbar mais nas fases em que estão mais ativos sexualmente.
Juntando todas as informações, Waterman aposta em uma terceira possível explicação para o autoerotismo: a prática seria uma forma de "limpar" os genitais após as relações e, assim, prevenir doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Experimentos com ratos já provaram que isso funciona.

Humanos costumam ter vontade de fazer xixi depois de transar (talvez pelo mesmo motivo), mas os esquilos, que são programados para guardar água por mais tempo na savana, usariam a masturbação para fazer a faxina.

Embora estudos nesse campo despertem a curiosidade das pessoas, é preciso lembrar que, infelizmente, ninguém pode ter certeza do que sentem os animais, já que nenhum deles até hoje sentou para dar um depoimento.

Quem sabe no futuro os neurocientistas poderão entender, com ajuda de exames de imagem, o que acontece no cérebro dos bichos durante essas práticas que chamamos de masturbação. Só então será possível saber se as sensações são semelhantes às nossas. Difícil vai ser fazê-los simular o comportamento no laboratório, dentro de um aparelho de ressonância magnética, como muitos humanos já toparam fazer em prol da ciência.