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Escavação olímpica no Brasil descobre escova de dentes do imperador

Mac Margolis

18/08/2015 17h52

Em um contêiner marítimo reacondicionado no centro do Rio de Janeiro, Cláudio Prado de Mello ergueu cautelosamente uma escova de dentes com cabo de marfim. As cerdas de javali desapareceram há muito tempo, mas a inscrição em francês, do século 19, continua perfeitamente legível: "Sua Majestade, o imperador do Brasil".

É um lugar estranho para buscar tesouros. Mas aqui, sob o viaduto de uma movimentada avenida, atrás de uma estação de transbordo de trem, a arqueologia brasileira está passando por uma espécie de renovação.

A equipe de investigadores de Cláudio Prado está esquadrinhando os escombros da construção da nova estação de metrô, uma das muitas obras públicas que a cidade está construindo para se preparar para as Olimpíadas de Verão de 2016.

Até agora, eles encontraram algumas joias: porcelana parisiense e frascos de perfume ainda fechados da época do Brasil imperial, e pontas de lança e martelos feitos de pedra que os paleo-índios - talvez os primeiros cariocas? - usaram há 3.000 ou 4.000 anos.

Não é incomum desenterrar antiguidades em plena modernidade. Neste ano, escavadores encontraram os ossos de uma criança enterrada em um ritual pagão e medieval no centro de Plovdiv, na Bulgária, e no ano passado, uma escavação no Fórum Romano revelou uma parede de calcário construída por volta do ano 900 a.C.

Mas o descobrimento no Rio, uma cidade com 6 milhões de habitantes, em um terreno remexido, vasculhado e reacomodado por imperadores e engenheiros ao longo de dois séculos, foi surpreendente. Talvez o mais surpreendente é que ele tenha sido de fato descoberto.

Há alguns anos, a arqueologia brasileira era uma profissão em crise. Os pesquisadores reclamavam por trabalhar com orçamentos minúsculos e eram comuns os relatos de patrimônios naturais em perigo e de museus emblemáticos fechados por greves e financiamento insuficiente.

Essa não é mais a regra. Cláudio Prado de Mello comanda uma equipe de oito membros, que chegou a reunir 50 durante o pico das escavações em 2013. Assim como um número cada vez maior de pesquisadores, ele não deve seu trabalho a universidades de primeira linha, onde a pesquisa continua sendo um trabalho de amor, mas aos engenheiros e às grandes obras públicas, os novos patronos do ambientalismo e da ciência no Brasil.

A arqueologia, em particular, está ressurgindo em parte graças à improvável convergência entre a burocracia e a sensibilidade. Para obter licitações para construir estradas, represas e túneis de metrô, as empreiteiras precisam apresentar pesquisas abrangentes sobre o impacto ambiental para mostrar aos reguladores que não vão danificar o meio ambiente nem socavar monumentos históricos.

De repente, há uma grande demanda no mercado para Cláudio Prado de Mello e seus colegas, cujo trabalho é estudar e proteger relíquias antes que as escavadeiras entrem em ação.

O Brasil não mantém um registro dos chamados arqueólogos contratados, mas Cláudio Prado recebe com satisfação a companhia. "Antes eu tirava dinheiro do meu bolso para custear as escavações, agora eu recebo um salário e uma equipe", disse o estudioso de 50 anos, que outrora pensou em fazer carreira no Egito. "A arqueologia puramente científica está desaparecendo".

Nem todos estão felizes com esse arranjo. As construtoras costumam reclamar da burocracia e do custo de manter cientistas na folha de pagamento, e os estudiosos temem se tornarem ajudantes dos operários, com a bênção de um governo que está "a serviço de poderosos interesses econômicos", como alertou um dos críticos.

De qualquer maneira, é difícil argumentar contra um relicário recém-descoberto. "Não é sempre que se encontra um lugar com artefatos milenares e agora temos a oportunidade de estudar um", disse Cláudio Prado. Suas palavras quase se perderam em meio ao rugido da hora do rush do Rio.

Esta coluna não necessariamente reflete a opinião do conselho editorial nem da Bloomberg LP e de seus proprietários.