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Atmosfera de Marte foi "arrancada" por ventos solares, afirma Nasa

Arte mostra tempestade solar batendo em Marte e eliminando íons da atmosfera - Nasa/GSFC
Arte mostra tempestade solar batendo em Marte e eliminando íons da atmosfera Imagem: Nasa/GSFC

Paula Moura*

Colaboração para o UOL, em São Paulo

05/11/2015 17h00Atualizada em 05/11/2015 22h27

A atmosfera de Marte pode ter desaparecido por ação de ventos solares, que atingiram com força o planeta vermelho, o que explicaria o motivo de ter perdido a água que uma vez cobriu o hemisfério norte, informou a Nasa (Agência Espacial dos Estados Unidos) nesta quinta-feira (5). O anúncio foi feito graças aos dados colhidos pela missão Maven (Mars Atmosphere and Volatile Evolution), em que sondas foram enviadas para lá.

De acordo com análises dos cientistas, as tempestades solares foram as responsáveis por transformar o clima do planeta vermelho, de um ambiente quente e propício para existência de vida, para um local frio e com características de deserto.

O que aconteceu, segundo a Nasa, foi que a atmosfera de Marte foi atacada por ventos solares e teve partículas "arrancadas", prejudicando sua proteção e afetando diretamente a mudança climática.

"Para explicar de maneira bem simples, o que houve pode ser comparado com o momento em que saímos do banho e o vento tira as gotas de água do nosso cabelo. Os ventos solares varreram parte das partículas da atmosfera de Marte", explicou o professor Bruce Jakosky, investigador do principal laboratório de física atmosférica e espacial da Universidade do Colorado, nos EUA.

Os pesquisadores afirmam que a perda de gás na atmosfera do planeta vermelho continua acontecendo, mas atualmente em taxas menores do que no início de sua formação.

"Pela primeira vez temos como explicar a evolução de Marte, como antigamente a atmosfera conseguia reter água líquida por ser mais densa, e como foi fragilizada. O processo começou quando o Sol estava muito ativo e o planeta em formação, vulnerável, por isso as mudanças climáticas foram enormes. Hoje o fenômeno segue, mas lentamente. Para a atmosfera sumir por completo pode levar alguns bilhões de anos", afirmou Jakosky.

As medições indicam que os ventos solares são capazes de "varrer" os gases da atmosfera marciana com uma velocidade de 100 gramas por segundo.

Os dados da missão mostram também que quando as tempestades solares bombardeiam Marte, as partículas da atmosfera se perdem até 20 vezes mais rápido do que normalmente ocorre, o que levou os cientistas a acreditarem que Marte já teve uma atmosfera tão densa quanto a Terra, ou até mais.

Por não ter campo magnético, os gases na superfície do planeta sofrem mais a ação do Sol, ou seja, perde-se muita matéria com a passagem dessas "rajadas" provocadas pelas explosões solares. Os estudos mostram que essa perda é maior do que se imaginava.

O que se sabe atualmente sobre a atmosfera marciana é que é bem diferente da Terra, sendo composta principalmente por dióxido de carbono (95,3%) e com pequenas porções de outros gases, como nitrogênio, argônio, neon e oxigênio.

"Isso dá indícios sobre a história de Marte e ajuda a compor a ideia de como era o planeta, que tem 4,6 bilhões de anos", diz Enos Picazzio, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG - USP). Com o enfraquecimento do magnetismo marciano, a magnetosfera do planeta perdeu intensidade e a atmosfera de Marte ficou mais exposta à ação do vento solar e das "rajadas" decorrentes das explosões solares.

Aurora improvável

Outros dois estudos também publicados esta semana na revista Science avaliaram o efeito de explosões e ventos solares sobre a atmosfera de Marte. Em um deles, Nick Schneider --também integrantes da missão Maven-- e colegas observaram uma aurora intensa no planeta. O primeiro registro de luminescência em Marte ocorreu em agosto de 2004, pela sonda Expresso Marte, da ESA (Agencia Espacial Europeia). Essa emissão de luz foi interpretada como aurora. Desta vez, as observações mostram um fenômeno luminescente mais intenso, fornecendo informações mais detalhadas do processo físico. "Se você perguntasse para um astrônomo se há aurora em Marte, ele responderia 'provavelmente não'", comenta Enos.

Na verdade, diz, a teoria mostra apenas uma possibilidade remota, pois para ter aurora é preciso um campo magnético, mas Marte perdeu o seu ao longo do tempo. O professor explica que o Sol constantemente emite matéria (elétrons, prótons e íons), os chamados ventos solares. No entanto, podem ocorrer eventos súbitos, decorrentes de explosões solares, que jogam grande quantidade de plasma da coroa solar no espaço e se chocam com planetas, satélites, cometas e asteroides. Quando o vento solar se choca com a magnetosfera do planeta, produz-se um efeito luminoso conhecido como aurora.

Na Terra esse choque é bem mais intenso nas proximidades dos polos geográficos, produzindo as auroras boreais (hemisfério Norte) e austrais (hemisfério Sul). Quanto mais intensa for a explosão solar, mais intensas são as auroras. O campo magnético da Terra é intenso porque o núcleo dela tem uma grande concentração de ferro líquido.

Já em Marte, além de essa quantidade de ferro ser menor, ele foi se resfriando ao longo do tempo, e há bilhões de anos o planeta perdeu seu campo magnético. Portanto, havia apenas uma possibilidade remota de haver auroras em Marte. Picazzio explica que essa aurora marciana, que é muito mais fraca e difusa que a terrestre, ocorre por causa da interação do magnetismo contido no vento solar e do magnetismo fóssil que restou nas rochas da crosta de Marte.

O trabalho de Laila Andersson analisou uma poeira encontrada pelas sondas a 150 mil quilômetros de altura na atmosfera do planeta vermelho. Apesar de ter a atmosfera rarefeita, - a pressão atmosférica na superfície da Terra é 90 vezes maior do que a de Marte --existem ventos lá. A questão era se esses ventos seriam capazes de levantar poeira tão alto. Essa poeira, segundo o estudo, é muito pequena, de 1 a 12 microns apenas, e move-se em grandes velocidades, mostrou a sonda da Nasa.

A análise mostrou que se trata da chamada poeira interplanetária, vinda principalmente de cometas, mas também da colisão de asteroides, entre outras fontes. “Essas informações são importantes para alimentar teorias e modelos sobre o planeta. Quanto mais informações se tem de Marte, maior será nossa compreensão sobre sua formação e sua história, assim como dos processos físicos que predominaram durante a formação e evolução do planeta. Esses conhecimentos não se restringem ao planeta em estudo, mas esclarecem fatos que marcaram a história dos demais objetos do Sistema Solar”, diz o professor da USP. (*Colaborou Maria Júlia Marques)