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Moradores de países com políticos corruptos tendem a mentir mais

Bruno Poletti / Folhapress
Imagem: Bruno Poletti / Folhapress

Bruna Souza Cruz

Do UOL, em São Paulo

20/04/2016 06h00

Será que o fato de um país possuir governantes corruptos leva os habitantes a serem mais desonestos? Ou serão os cidadãos desonestos que geram corrupção dentro de um governo? Essas perguntas ainda não têm respostas, mas um estudo publicado em março pela revista científica Nature observou que as pessoas que vivem em países com alto índice de corrupção tendem a ser menos honestas do que as que vivem em países com menos corrupção.

De acordo com Jonathan Schulz, economista professor do departamento de psicologia da Universidade de Yale (EUA), parece que as pessoas estão mais propensas a quebrar as regras se aqueles que as rodeiam também fazem isso.

O estudo foi feito em parceria com Simon Gachter, da Universidade inglesa Nottingham, e considerou dados de 23 países espalhados pelo mundo, entre eles: Áustria, China, Colômbia, Alemanha, Itália, Marrocos, África do Sul, Espanha, Suíça e Reino Unido. O Brasil não entrou no estudo. 

Segundo Schulz, o que motivou a pesquisa foi a necessidade de saber se (e como) o ambiente social poderia impactar a honestidade do indivíduo. “Para isso, usamos um indicador de PVR (Prevalência de Violações às Regras) que pudesse medir o nível de corrupção, evasão fiscal e fraude política em 159 países. Depois, pegamos 23 deles e medimos o grau de honestidade de 2.568 estudantes”, disse em entrevista ao UOL.

Grau de honestidade

Para medir a honestidade dos participantes, os pesquisadores pediram que eles jogassem duas vezes um dado de seis lados e relatassem apenas o resultado da primeira jogada. Os participantes seriam pagos de acordo com o número informado: quanto maior o valor tirado no dado, mais dinheiro receberiam.

Segundo o pesquisador, eles optaram por não verificar se o número informado pelos estudantes era realmente verdadeiro, pois quiseram criar uma espécie de “incentivo” para a mentira, ou seja, mentir os ajudaria a ganhar mais dinheiro sem que ninguém pudesse descobrir.

No entanto, nos países com maiores índices de corrupção, o número de vezes que o resultado reportado foi entre 4 e 6 foi bem maior do que o esperado pela probabilidade do sorteio. Isso indica que, nesses países, as pessoas tiveram uma tendência maior a mentir e relatar um número maior do que o sorteado.

O pesquisador aponta que Zimbábue, Haiti, Myanmar, Azerbaijão, Congo e Angola tiveram uma "prevalência elevada de violações de regras”.

Para a psicóloga Denise Diniz, coordenadora do setor de Gerenciamento de Estresse e Qualidade de Vida da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), os resultados da pesquisa são bem interessantes e podem servir como base significativa para outros levantamentos. No entanto, ela ressalta que é difícil tirar comparar os níveis de desonestidade de diferentes populações, uma vez que cada uma tem um sistema de valor próprio e regras sociais.

“A mentira é subjetiva, multifatorial e quando vista do lado de quem mente, ela tem toda uma base nos valores individuais e sociais que podem até ser usados para tentar justificá-la. Tem gente que mente para se divertir; outros para prejudicar e há ainda os que mentem pensando em proteger”, exemplifica Diniz.

Afinal, por que as pessoas violam as regras?

Para Schulz, existem dois fatores principais que influenciam o desrespeito às regras: a fraqueza das instituições e as normas culturais de cada sociedade.

Quanto mais fortes as instituições forem, menos regras serão quebradas. Por outro lado, a prevalência do descumprimento de regras também depende da parte cultural, particularmente na medida em que pessoas de uma determinada sociedade beneficiam mais amigos íntimos e familiares do que pessoas distantes.”

Jonathan Schulz, professor de Yale

O professor acrescenta que as pessoas que vivem em sociedades menos individualistas tendem a favorecer os membros do grupo. Assim, é mais fácil que elas sejam menos honestas caso vivam numa sociedade com alta prevalência de corrupção, pois elas acreditam que essa é uma atitude favorável para a sobrevivência dentro desse ambiente.

“Faz parte da identidade sociocultural. Da mesma forma que uma pessoa se espelha nos pais, nos valores que aprendem quando crianças, a sociedade e a época em que se vive influencia a construção de uma identidade própria”, explica a psicóloga. “E cabe ao indivíduo refletir sobre seus valores e decidir sobre o que deve fazer ou não sobre determinado problema.”

Sociedade brasileira e a capacidade de quebrar regras

Apesar de o Brasil não ter entrado na lista de países da pesquisa, pode se considerar que é um local em que prevalece a coletividade, já que o nível de individualismo na sociedade é baixo, segundo Schulz. Com base nisso, é possível que possa ser culturalmente mais aceitável para os brasileiros a violação de regras em benefício de pessoas mais próximas.

E como solucionar o problema? Para ele, as mudanças de normas, cultura e atitudes fazem parte de um bom caminho.

 “É preciso enviar uma mensagem forte [aos brasileiros] de que a corrupção não pode ser aceitável”, reforça.

Em segundo lugar, a cultura da sociedade também precisa mudar. É um caminho longo, mas não impossível. “Deve se tornar claro que não é socialmente aceitável ajudar parentes e amigos violando a lei. Sem um alto grau de integridade, não é possível criar instituições que funcionem corretamente”, conclui o norte-americano.