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As palavras têm sabor? Sensações da sinestesia vão além de formas e cores

Getty Images
Imagem: Getty Images

Do UOL, em São Paulo

22/09/2016 18h00

Há pessoas que conseguem se divertir com os formatos das letras mais do que outras. Elas possuem uma mistura de sentidos associados ao som das palavras que os cientistas chamam de sinestesia. Neurocientistas da Universidade de Emory, nos EUA, descobriram que os sinestésicos podem até ver cores e sentir o gosto das sílabas --sem precisarem para isso de uma sopa de letrinhas no jantar.

Uma pesquisa liderada pelo neurologista Krish Sathian pediu para 17 pessoas com sinestesia fazerem um teste chamado IAT (teste de associação implícita, em português). No estudo, publicado no European Journal of Neuroscience, a conexão entre as letras ou outros símbolos e cores foi a mais comum.

Contudo, outras conexões foram observadas. "As pessoas com sinestesia não são todas iguais", diz o pesquisador Simon Lacey, um dos autores do artigo. Foram descritas conexões entre formas e gostos e, até mesmo, sensações táteis percebidas ao ver uma situação que geraria tal sensação -- como um beijo ou um tombo.   

A pesquisa revela que as pessoas com sinestesia exibem hiper-conectividade entre partes de seus cérebros relacionadas às suas experiências sinestésicas. Os cientistas acreditam que a sinestesia representa alterações na distribuição de conexões cerebrais.

Origem da linguagem

"Tem havido um debate relacionado à sinestesia", diz Sathian. "Quem possui sinestesia tem apenas uma versão extrema de correspondências que todas as pessoas podem fazer, ou há algo qualitativamente diferente, ligado ao significado das palavras?", questiona o pesquisador.

Tendo essa indagação em mente, os pesquisadores da Universidade de Emory buscaram testar se o estudo da sinestesia poderia ajudar a esclarecer as origens evolutivas da linguagem.

Explicando: todas as pessoas conseguem fazer associações entre palavras e formas ou posições no espaço. Basta pensarmos que letras como "m" e "l" são normalmente consideradas mais "suaves" e "arredondadas". Já o "k" e o "t" são vistos como formas mais pesadas e angulares. A questão a ser explorada era se quem possuía sinestesia poderia ir além de uma sensação extremada dessas conexões.

Nos testes, os "sinestésicos" não foram significativamente mais sensíveis às associações puramente sensoriais entre o tom de um som e o tamanho ou a posição de uma forma, em comparação com os não-sinestésicos.

Contudo, Sathian e seus colegas descobriram que as pessoas com sinestesia foram mais sensíveis às correspondências entre os sons de pseudopalavras --palavras sem significado-- e formas arredondadas ou angulares. As associações que estas pessoas faziam também eram mais consistentes em comparação com quem não possui sinestesia.

"Isso mostra que algo da sinestesia está transbordando para outro domínio", diz ele . "Esse transbordamento é simbólico, não é puramente sensorial", diz Sathian. Tais correspondências, chamadas de "som-simbólicas", podem ajudar a esclarecer as origens evolutivas da linguagem, explica o pesquisador. 

Outra forma de ler e ouvir

Estima-se que de 1% a 4% das pessoas tenham sinestesia. Ela pode ser herdada, embora os genes que a caracterizam ainda não tenham sido identificados. Muitos artistas e compositores descreveram suas experiências com sinestesia, e crianças relatam distrações quando estão tentando ler.

A compreensão das origens da sinestesia pode ajudar pessoas com dislexia ou outras características que dificultam a aprendizagem. Também pode auxiliar pessoas que perderam a visão ou a audição e que estão em reabilitação.