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Saúde ameaça cortar R$ 1,4 milhão sem uso em tecnologia 3D para cirurgias

Divulgação CTI
Imagem: Divulgação CTI

Maurício Tuffani*

Colaboração para o UOL, em São Paulo

06/10/2016 06h00Atualizada em 06/10/2016 07h27

O Ministério da Saúde avisou que poderá sustar cerca de R$ 1,4 milhão que investiu para gerar avanços em uma tecnologia brasileira de apoio a cirurgias complexas de reconstrução craniomaxilofacial para pacientes vítimas de acidentes, câncer e outras doenças degenerativas. Liberado em março, o valor é a primeira parte de um total de R$ 1,9 milhão já aprovado em dezembro, e está parado no CTI (Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer), em Campinas.

Passados quase 16 anos desde seu início no CTI, o ProMED (Programa de Tecnologias 3D na Medicina) disponibiliza pela internet para equipes de hospitais softwares que já deram suporte a mais de 4,3 mil cirurgias. Os biomodelos gerados tridimensionalmente são réplicas exatas de partes do corpo humano. 

Usadas no apoio às equipes médicas, as imagens dão maior segurança e eficiência e reduzem o tempo das cirurgias, o risco de complicações no pós-operatório e também os custos do SUS (Sistema Único de Saúde) e da Previdência.

O ProMED começou a receber recursos do Ministério da Saúde em 2009. O valor total aprovado em dezembro de cerca de R$ 1,9 milhão para o CTI tem prazo de aplicação até janeiro de 2017.

O Ministério da Saúde adverte

O atraso na execução do programa foi noticiado pela primeira vez em 8 de agosto pelo blog Direto da Ciência. No dia 26 do mesmo mês, o Departamento do Complexo Industrial e Inovação do Ministério da Saúde enviou e-mail à coordenação do ProMED. A mensagem pediu uma previsão para o uso de R$ 1.457.826,23 já creditados, cujo registro financeiro indicava 0% de execução. E alertou que a não utilização acarretaria a perda do recurso.

Em nota, o Ministério da Saúde informou que acompanha a execução dos projetos em que participa do financiamento e que a advertência ao CTI “é uma boa prática de gestão e o monitoramento é periodicamente executado”. E acrescentou que “nos casos onde o orçamento é descentralizado para entidade federal, a não execução dentro do período do exercício orçamentário resulta no retorno do recurso para a origem”.

O que diz o CTI?

Também em nota, o físico Victor Pellegrini Mammana, diretor do CTI desde maio de 2011, afirmou que está aguardando pelas conclusões de uma sindicância instaurada por ele com a finalidade de apurar as razões do atraso na execução do ProMED.

Na verdade, a investigação a que Mammana se referiu é uma segunda sindicância, que ele instaurou em 20 de setembro. Instituída pelo dirigente em 21 de julho, e prestes a exceder o prazo máximo legal de 30 dias prorrogável por igual período, a apuração anterior não conseguiu apontar as possíveis causas do atraso no ProMED.

Segundo a portaria de instauração da nova investigação, o relatório final da primeira sindicância afirmou que a comissão encarregada "não obteve elementos suficientes para fundamentar uma conclusão a respeito dos fatos sob análise". A nova comissão é formada pelos mesmos integrantes da anterior.

Mudança de regras teriam causado atraso

Uma das possíveis causas do atraso no ProMED foi apontada para a comissão na primeira sindicância pelo engenheiro Jorge Vicente Lopes da Silva, pesquisador-chefe do Laboratório de Tecnologias Tridimensionais do CTI e idealizador e coordenador do programa apoiado pelo Ministério da Saúde.

A reportagem apurou que o coordenador do ProMED forneceu à comissão averiguadora documentos e dados que apontam que o atraso no programa seria devido a novas regras internas do órgão, estabelecidas em fevereiro pelo diretor do CTI. Procurado, Lopes da Silva respondeu por e-mail que prefere não comentar o assunto alegando não ter autorização para falar com a imprensa.

Por meio de duas portarias que publicou em fevereiro, o dirigente do órgão proibiu a contratação de serviços técnicos previstos no projeto de pesquisa aprovado no ano passado pelo Ministério da Saúde. Para cumprir com essa finalidade, as novas normas preveem a liberação de técnicos do próprio órgão. No entanto, de acordo com o projeto, um dos principais motivos do suporte financeiro da Saúde é a necessidade de contratar serviços que o próprio CTI não pode prestar.

Investigação sob suspeita

Ao se tornar conhecida no CTI no início de agosto por meio de um boletim interno, a sindicância instaurada pelo diretor em 21 de julho foi mal recebida internamente por muitos servidores do órgão, como apurou a reportagem. Um dos principais motivos do desagrado foi o fato de que o próprio dirigente instaurou a investigação em vez de tê-la solicitado a seus superiores hierárquicos.

“Ele [o diretor do CTI] deveria ter se considerado impedido para baixar a portaria de sindicância e [deveria] ter recomendado a Kassab para fazê-lo”, disse em agosto uma pessoa que trabalha no CTI, referindo-se também a Gilberto Kassab (PSD-SP), titular do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), ao qual está vinculado o centro em Campinas.

Outro motivo de reclamação foi a composição da comissão averiguadora. O grupo é formado por servidores não estáveis, o que é proibido pela legislação federal para sindicâncias disciplinares e punitivas. No entanto, essa obrigatoriedade não atinge os procedimentos investigativos preliminares, como é o caso das duas apurações no CTI, tanto a concluída como a posterior.

Apesar de a composição da sindicância não ser ilegal, ela não afastou a desconfiança de que o grupo não teria condições para apurar a eventual responsabilidade do próprio diretor do CTI no atraso do ProMED. O motivo é que dois dos três integrantes estão em cargos comissionados, podendo ser exonerados a critério do próprio dirigente, e o terceiro está em estágio probatório.

Explicações do diretor

Em sua nota, o diretor do CTI não comentou o questionamento sobre ele não ter proposto a investigação para seus superiores hierárquicos. Na resposta, o dirigente também defendeu a formação da comissão averiguadora. “Não há julgamentos ou aplicação de punição. Talvez você esteja confundindo ‘sindicância investigativa’ com ‘processo administrativo disciplinar", sendo que este último não está em andamento”, afirmou Mammana.

Sobre as normas que instituiu em fevereiro para a execução do programa, o diretor do CTI afirmou que designou "(...) uma equipe numerosa de servidores, de caráter multidisciplinar, com reconhecido conhecimento técnico nos temas pertinentes às atividades transferidas pelo Ministério da Saúde. Foram ainda disponibilizadas inúmeras bolsas de pesquisa, que permitem agregar a contribuição de diversos outros profissionais. Portanto, houve disponibilização de recursos financeiros, de infraestrutura técnica, de equipe competente e do apoio incondicional da direção do CTI”.

O que diz o governo

Em nota, o MCTIC afirmou que acompanha as investigações da sindicância aberta pelo diretor do CTI e aguarda o relatório final. Apesar de já ter sido apresentado pela comissão um relatório da primeira apuração e de ter sido instaurada uma segunda sindicância, a nota do ministério afirma erroneamente que “aguarda o relatório final que deverá estar pronto dentro de um mês, já que houve uma prorrogação do prazo”.

O ministério não se posicionou sobre o fato de a investigação não ter sido instaurada pela própria pasta, de modo a evitar conflito de interesse do próprio diretor do CTI durante a apuração e na apreciação do relatório final. A nota afirmou que “a instauração da sindicância foi um ato estabelecido por Portaria como obrigatório aos diretores de instituições quando há dúvidas sobre à lisura dos processos”.

Nem o CTI Renato Archer nem o MCTIC encaminharam à reportagem cópia do relatório da primeira sindicância, que foi solicitado pela reportagem.

* Maurício Tuffani é editor do blog Direto da Ciência