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Cesáreas podem ter feito bebês ficarem grandes para o parto, aponta estudo

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Imagem: Getty Images

Do UOL, em São Paulo

05/12/2016 18h00

Existe um velho enigma evolutivo. Em comparação com outros primatas, o parto humano é mais difícil. Isso porque o bebê humano é proporcionalmente grande, e o canal pélvico materno, estreito. Foi importante para a evolução humana que fosse assim. Desenvolvemos um cérebro grande que nos dá inteligência. E nos tornamos bípedes, sendo a pelve estreita fator de maior destreza.

Contudo, essas características resultam em dificuldades no parto. Um trabalho estatístico publicado nesta segunda-feira (5) na revista Pnas mostra que, se a evolução da humanidade já era acompanhada por possíveis fatores de complicação na hora do bebê nascer, a desproporção entre o tamanho do bebê e do canal pélvico feminino aumentou entre 10% e 20% nos últimos anos, e isso pode ter relação com a adoção de cesarianas.

O estudo realiza uma previsão da influência da cesárea na evolução humana recente com base em um modelo matemático. "O uso regular de cesarianas se acentuou nas décadas de 1950 e 1960 em países industrializados e disseminou-se pelo mundo", diz o estudo liderado por Philipp Mitteroecker, biólogo da Universidade de Viena.

De acordo com os dados estatísticos, a cesariana contribuiu para um aumento na taxa de desproporção entre o tamanho do feto e o canal pélvico. Isso porque, ao reduzir a mortalidade materna e do bebê, o procedimento tem funcionado como fator de seleção natural das dimensões incompatíveis de mãe e feto.

Mitteroecker e sua equipe explica no artigo que o trabalho de parto ideal ocorre quando há um bom encaixe entre o tamanho do feto e a abertura pélvica da mulher. Assim, desde que a abertura pélvica suporte o tamanho do bebê, quanto maior o feto, mais eficaz é o parto. Contudo, há um limite além do qual o parto natural torna-se impossível. A disseminação das cesáreas contribui para a seleção de bebês grandes, de mulheres com canal pélvico estreito ou de ambos.

O tamanho do feto e do canal pélvico varia de forma independente. Para cada uma dessas características, há influência de fatores genéticos (com os genes do pai pesando no desequilíbrio entre dimensões da mãe e do bebê), morfológicos (relacionados ao corpo e à idade da mulher) e ambientais. A variação da compatibilidade entre o tamanho do feto e do canal pélvico da mãe é grande. E apesar da maioria dos partos ocorrerem com dimensões compatíveis, há uma margem de incompatibilidade que tende a aumentar com as cesarianas.

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Evolução contraditória

Segundo a pesquisa, na evolução da humanidade, foi vantajoso que um bebê nascesse grande e que a mulher tivesse um canal pélvico estreito. Contudo, essas características são contraditórias. "É intrigante pensar por que o canal pélvico não evoluiu para ser mais amplo e reduzir as taxas de obstrução de trabalho de parto", dizem os pesquisadores no artigo.

A explicação dessa contradição está no acaso da evolução. O andar bípede surgiu entre 4 e 5 milhões de anos atrás, "muito antes do tamanho do cérebro começar a aumentar, há 2 milhões de anos", segundo o artigo. Além de conferir maior destreza, a cavidade pélvica estreita é vantajosa por suportar melhor o peso de órgãos e do bebê na postura bípede. Entre quadrúpedes, não ocorre essa pressão sobre a pelve.

"O prolapso e outros problemas são comuns durante a gravidez, sugerindo um sistema muito sensível a perturbações. Uma cavidade pélvica larga aumentaria a probabilidade de problemas", dizem os pesquisadores.

"Bebês com maior cérebro possuem maior tamanho, o que estava fortemente associado a maior taxa de sobrevivência infantil e a maior resistência a doenças diversas". Dessa forma, os bebês maiores passaram a nascer por um canal pélvico adaptado ao andar bípede.

Incompatibilidade gera complicações no parto

Essa contradição inerente à morfologia do corpo humano leva à morte materna ou do bebê ou a problemas graves após o parto. "A incidência de trabalho de parto obstruído em seres humanos é surpreendentemente alta, na faixa de 3% a 6% em todo o mundo", dizem os pesquisadores. Na maioria das vezes, a desproporção está relacionada ao tamanho da cabeça e dos ombros do recém-nascido e as dimensões pélvicas da mãe.

Os pesquisadores mostram que a desproporção varia bastante na população. "Estimativas mostram que na África, as taxas de desproporção cefalopélvica variam entre 1,4% a 8,5%. Já estatísticas dos EUA sugerem taxas de desproporção de 2,3% para bebês com peso de 3,9 kg ao nascer e 5,8% para os que pesam 4,0 kg ou mais", afirmam.