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Uma das 100 pessoas mais influentes, pesquisadora teme cortes na ciência

A brasileira Celina Turchi, especialista em doenças infecciosas da Fiocruz Pernambuco - Reprodução/Fiocurz
A brasileira Celina Turchi, especialista em doenças infecciosas da Fiocruz Pernambuco Imagem: Reprodução/Fiocurz

Paula Moura

Do UOL, em São Paulo

20/04/2017 18h46

Considerada uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista "Time" em 2017 na lista divulgada nesta quinta-feira (20), a pesquisadora brasileira Celina Turchi avalia que o papel relevante do Brasil na descoberta do vínculo entre o vírus da zika e a microcefalia só foi possível devido a esforços conjuntos das instituições e pesquisadores.

"É o reconhecimento do papel que os pesquisadores do Brasil tiveram durante as investigações da síndrome da zika congênita, principalmente no Nordeste. Eu recebo essa indicação como um reconhecimento desse grupo que trabalhou de forma tão intensa desde 2015 quando começaram a surgir os primeiros casos da então síndrome desconhecida".

O grupo coordenado por ela foi responsável pela descoberta que abriu caminho para a prevenção de novos casos de microcefalia no Brasil e no mundo. Os pesquisadores conseguiram provar, entre várias possibilidades, que a causa da microcefalia é o vírus zika. “Sem o conhecimento do que era e de como se transmite não se pode fazer as etapas de prevenção nem mesmo se estabelecer com vigor as evidências e as possibilidades de novos trabalhos”, diz Celina.

“Com a zika e outras epidemias temos um exemplo de como as instituições respondem adequadamente quando existem as condições”, avalia a especialista em epidemiologia da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) de Pernambuco.

Reduções nessa área implicam um grande retrocesso. Nós precisamos sempre manter um grupo de profissionais trabalhando na fronteira do conhecimento e para isso significam jovens sendo formados, institutos de pesquisa em boas situações”

Atualmente, ela coordena o Microcephaly Epidemic Research Group, que tem cerca de 40 pesquisadores de diversas áreas. Além disso, o grupo participa de um consórcio de mais de 25 instituições que concentram esforços e dão orientações sobre a zika.

A brasileira também está entre os 10 cientistas mais importantes de 2016 na lista da revista Nature. Confira entrevista:

UOL: Outro brasileiro na lista é o jogador de futebol Neymar. É raro um cientista brasileiro aparecer nesta lista. O que acha disso?

Celina Turchi: É interessante o Brasil estar representado numa categoria científica numa lista internacional. Neste aspecto, eu tenho muito orgulho de estar nesta lista e principalmente muito orgulho de fazer parte de um grupo de pesquisa interinstitucional que tem uma intensa colaboração de pesquisadores brasileiros e internacionais, como a London School of Higyene andTropical Medicine, no Reino Unido, e da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos.

UOL: O que você está pesquisando atualmente?
C.T.: Tenho algumas linhas de pesquisa sobre o grupo de gestantes infectadas e o acompanhamento das crianças infectadas. Elas estão sendo acompanhadas por neurologistas, nutricionistas, oftalmologistas devido às múltiplas complicações dessa síndrome.

UOL: Poderia fazer um balanço do vírus da zika e da epidemia de microcefalia no Brasil?
C.T.: Naquele momento em 2015, não se sabia qual a causa e não se tinha na literatura médica nenhuma associação entre uma doença causada por um vírus transmitida pelo Aedes Aegypti com má formações, embora já tivessem ocorrido epidemias por zika em diferentes lugares. Um dos pesquisadores, o dr. Carlos Brito formulou essa hipótese -- que precisava ser provada -- sobre o vínculo entre zika e microcefalia e casos de zika congênita.

A partir daí começou-se uma série de estudos e vários grupos de pesquisa mostraram evidências de que havia o vírus zika no líquido amniótico de mulheres, outros estudos mostraram um maior número de abortos de crianças com pequeno peso em idade gestacional, filhos de mães que tiveram zika. E o nosso grupo que trabalhou com estudo de caso controle com crianças com microcefalia e sem microcefalia buscando essa associação.

São muitas as perguntas que ainda precisam ser respondidas. Se a gente pudesse fazer um paralelo é como se a gente tivesse uma página em branco para ser escrita sobre uma nova doença congênita grave com uma capacidade de dispersão pela transmissão não só vetorial (pelo mosquito) como sexual.

Do ponto de vista científico, a infecção pelo vírus zika passou de uma doença exótica, citada em casos esporádicos e com pequena expressão em saúde pública, para se transformar numa ameaça não só nacional como internacional de dimensões incalculáveis.

Atualmente há um monitoramento nacional e internacional e a busca incessante por uma vacina para que se possa fazer uma prevenção efetiva desses casos além do controle vetorial.

UOL: Quais são os desafios mais urgentes em termos de zika no Brasil?
C.T.: O desafio primordial é estabelecer como prioridade o atendimento às crianças com microcefalia para entender a síndrome, ou seja, a pesquisa associada a uma prestação de serviço adequado e eficiente com mobilização social. Saber em que momentos essa criança deve ser estimulada, como se pode minimizar as questões neurológicas, atendendo não só aos neonatos como às famílias.

O segundo aspecto é uma educação vigorosa sobre a forma de transmissão da infecção para que potenciais grávidas possam se prevenir. E, do ponto de vista de Saúde Pública, o controle do vetor (mosquito). Primeiro, para que não haja novas epidemias. E também para que se tenha tempo de a vacina estar disponível, pois isso ocorre em médio prazo. Qualquer vacina depende de uma fase de laboratório e uma fase de testes.

UOL: Quais são as principais perguntas feitas pelos cientistas agora?
C.T.: Interessa muito saber em que momento da gestação, se é no primeiro, segundo ou terceiro trimestre, que os efeitos do vírus da zika atingem o feto com maior frequência. A outra pergunta importante é se populações que tiveram outras arboviroses prévias, como dengue, estão protegidas ou é mais suscetível em relação à zika congênita. E a cada dia que passa, com as novas descobertas, surgem mais perguntas. É uma característica da Ciência. 

UOL: Já sabemos por que a região Nordeste foi a mais atingida pelo vírus da zika?
C.T.: Toda epidemia de doenças transmissíveis depende de uma série de fatores: tamanho da população, densidade vetorial e como as pessoas se movimentam. Como a entrada do vírus foi pela região Nordeste aparentemente depois os outros estados tiveram um alerta e isso pode ter reduzido. Talvez isso explique parte, mas ainda temos que entender muito desse processo de transmissão em áreas urbanas. O que fica muito claro é que hoje as arboviroses têm uma importância urbana muito grande, vimos agora a febre amarela.

UOL: Você citou os esforços de financiamento e colaboração do mundo inteiro, mas essa não é a realidade geral da ciência brasileira. O que acha das manifestações contra os cortes no setor como a Marcha pela Ciência?
C.T.:
O Brasil demonstrou de forma clara que investir na Ciência é fundamental para prevenir ameaças concretas e globais. Acho que nesse aspecto temos um exemplo claro de como instituições públicas de ensino e pesquisa, como a Fiocruz, as universidades estaduais, federais, os centros de pesquisa deram uma resposta em tempo recorde para uma situação. Reduções nessa área implicam num grande retrocesso porque nós precisamos sempre de manter um grupo de profissionais trabalhando na fronteira do conhecimento e para isso significam jovens sendo formados, institutos de pesquisa em boas situações.

Com a zika e outras epidemias temos um exemplo de como as instituições respondem adequadamente quando existem as condições. Nesse aspecto, qualquer corte é ruim para a segurança do país, da população e das futuras gerações"