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Conheça a astrônoma cega que aprendeu a escutar as estrelas

A astrônoma Wanda Diaz-Merced é cega e estuda as estrelas pelo som - IAU Office of Astronomy for Development
A astrônoma Wanda Diaz-Merced é cega e estuda as estrelas pelo som Imagem: IAU Office of Astronomy for Development

André Carvalho

Do UOL, em São Paulo

03/07/2017 04h00

Quando pequena, ela sonhava em dirigir um ônibus espacial. As aulas de matemática e ciência eram suas preferidas na escola que frequentava em Guarabo, cidade de 45 mil pessoas em Porto Rico conhecida por suas escadas.

Talvez por viver em um local em que os caminhos apontam para o céu, Wanda Diaz-Merced sempre foi fascinada pelas estrelas, sendo naturalmente levada a estudá-las. Mesmo quando perdeu a habilidade de apreciar o céu com os olhos, não abandonou esta paixão.

Wanda tinha 19 anos e ainda era estava na faculdade de física, na Universidade de Porto Rico, quando começou a perder a visão por complicações da diabetes. Dez anos depois, ficou totalmente cega. Com a vontade de estudar os astros, ela passou, então, a escutá-los.

Utilizando um método de "sonificação", que transforma dados captados a partir de telescópios e satélites, como a luz, em música, ela estuda rajadas de raios gama, geradas a partir da explosão de estrelas.

A astrônoma terminou seu doutorado e hoje lidera o projeto AstroSense, que tem por intuito promover a inclusão de deficientes visuais na astronomia. Confira os principais trechos da entrevista ao UOL.

Que tipo de percepção que você tem e não tinha antes? O que mudou no seu campo de atuação?

Agora presto muito mais atenção com meus ouvidos. Antes eu não fazia isso porque a vista era meu sentido dominante. Às vezes escuto dados atmosféricos junto a pessoas totalmente cegas e pergunto a elas: 'escutaram isso?' E elas dizem: 'Não'. Então aumento a amplitude do som e elas podem escutar o que eu escutei. É porque estou prestando mais atenção auditivamente e porque meu interesse está em escutar e examinar esse tipo de informação. Meu coração está aí.

Você utiliza a audição para escutar "sons do espaço" ou apenas escuta dados "sonorizados"?

Eu converto tudo em som para estudar os dados. No começo, quando fazia mestrado em física, às vezes pedia para que as pessoas me descrevessem os gráficos. Mas quando comecei a escutar meus dados, me dei conta que estava perdendo um monte de informação. Agora eu só escuto.

Como surgiu a ideia de sonorizar dados para continuar atuando na astronomia?

Meu mentor, Robert Candey, do Centro de Voo Espacial Goddard, da Nasa, sempre esteve interessado em utilizar sons para agilizar o processo de investigação das bases de dados. Ele havia trabalhado na conversão de dados em sons dez anos antes de eu conhecê-lo. Quando eu cheguei a seu escritório, ele pretendia usar o som para familiarizar as pessoas cegas com os dados do meio interestelar. 

Eu, então, disse a ele: "Eu quero muito mais que me familiarizar, quero fazer ciência!" E, desde este momento, comecei a investigar como utilizar o som para analisar meus dados astronômicos.

Wanda Diaz-Merced promove a inclusão de deficientes visuais na Ciência em palestras - TED/Divulgação - TED/Divulgação
Wanda Diaz-Merced promove a inclusão de deficientes visuais na Ciência em palestras
Imagem: TED/Divulgação
 

Qual é a contribuição à ciência que a inclusão desse método pode trazer?

Uma diversidade de métodos perceptíveis para analisar a informação adquirida pelos satélites. A quantidade de dados que se adquire hoje em dia é imensa, astronômica. Criam métodos colocando computadores para identificar, a partir dos dados, eventos de suma importância. Mas isto é aprendido dos humanos e nenhum computador tem a intuição e a sensibilidade que um cientista humano tem. É aumentando nossa sensibilidade a estes eventos usando a percepção multimodal que vamos poder fazer isso.

Existem outras pessoas com deficiência que trabalham na área? 

Eu conheço poucas. O campo da ciência não é muito inclusivo. Veja como é difícil encontrar pessoas com deficiência na ciência em comparação com o número de pessoas com impedimentos no mundo. Há países que têm entre 50 e 100 milhões de pessoas e os censos não contam as pessoas com deficiência argumentando que elas poucas e que não se pode encontrá-las.

Eu tenho uma deficiência porque sou cega. Sou impedida porque a sociedade me impõe obstáculos que impedem o meu desenvolvimento. Impedem minha participação e execução na vida diária. A ciência impede que participemos ao permitir na métrica de produção somente aqueles que fazem as coisas de acordo com um só estilo de aprendizagem ou que teve que obrigar-se a usar este estilo de aprendizagem.

Sua história pode servir de exemplo para outras pessoas com deficiência visual ingressarem no campo da astronomia?

Minha história só serviria para motivar a outros se eu conseguisse nivelar o campo da astronomia para que outras pessoas com impedimentos não passem pelo que eu passei. Que aprendam imersos na ciência. Por ora, minha história como astrônoma cega não serve de nada.