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Mutação fez vírus da zika se tornar causador de microcefalia em crianças

Adriano Vizoni/Folhapress
Imagem: Adriano Vizoni/Folhapress

Fernando Cymbaluk

Do UOL, em São Paulo

28/09/2017 15h00

De uma infecção semelhante a uma febre causada pelo vírus da dengue para uma doença causadora de microcefalia em bebês de mulheres grávidas. Como o vírus da zika tornou-se tão ameaçador?

Para um grupo de cientistas chineses, foi uma mutação genética, provavelmente ocorrida em 2013, que deu ao agente patógeno o potencial de causar deformações neurológicas graves. O achado está na revista Science desta sexta-feira (27). 

Em 2016, as epidemias de zika nas Américas foram declaradas uma emergência de saúde pública pela OMS (Organização Mundial de Saúde). O fato levou a uma corrida entre os cientistas para determinar como o vírus se tornou causador de doenças de preocupação global. Nesse mesmo ano, cientistas brasileiros, da Europa, EUA e Canadá já haviam identificado sete mutações específicas de vírus da zika espalhados pelo Brasil.

Entre elas, estava a mutação S139N. Trata-se da substituição de um aminoácido de serina por um de asparagina na 139ª posição de uma proteína localizada no revestimento protetor do vírus. Ao realizar testes com ratos, a equipe liderada por Ling Yuan, da Academia Chinesa de Ciência, descobriu que essa mutação confere a capacidade do vírus de causar microcefalia.

No Brasil, desde 2015, mais de 2.800 crianças nasceram com microcefalia ou outros problemas neurológicos. Em 2017, houve uma queda nos registros de microcefalia, que acompanhou a redução da infecção pelo vírus da zika. Os registros mais recentes apontam para 378 casos confirmados de microcefalia neste ano.  

Vírus da zika - Universidade Purdue/Kuhn e Rossmann - Universidade Purdue/Kuhn e Rossmann
Representação da superfície do vírus da zika
Imagem: Universidade Purdue/Kuhn e Rossmann

Vírus mais letal

A descoberta foi feita a partir da comparação das variedades de vírus da zika que causaram epidemias na América do Sul em 2015 e 2016 com um vírus mais antigo, que circulou em 2010 no Camboja. Além do efeito em ratos, a mutação tornou o vírus mais letal para células precursoras de neurônios humanos em cultura em comparação com a forma ancestral.

Segundo o arigo publicado na Science, os cientistas chineses testaram as sete mutações diferentes do vírus da zika. De todas as variantes, S139N foi a que causou microcefalia substancialmente mais grave e a morte de embriões dos ratos. “Este estudo é muito importante pois define a importância biológica da S139N em modelos animais”, afirma Paolo Zanotto, pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (Universidade de São Paulo) e da Rede Zika.

Para Zanotto, que não participou da nova pesquisa, o achado pode contribuir para o combate do vírus e o desenvolvimento de vacinas. No entanto, ele afirma que “a resposta imune é determinada fundamentalmente por outras proteínas virais”. O vírus da zika não causou microcefalia apenas no Brasil, afetou também outros países.

"Ele causou microcefalia na Polinésia em 2013, e a S139N já estava presente em isolados de lá da época". 

Variação nas Américas não impede vacina

Mutações genéticas são comuns entre todos os seres vivos. Elas que levam à diversificação genética e que geram novos sorotipos de vírus. Apesar de mutações terem deixado o vírus da zika mais ameaçador, os patógenos em circulação nas Américas não são tão diversificados, o que faz com que o surgimento de diferentes sorotipos, como existe para a dengue, não seja uma preocupação para os pesquisadores.

No caso da denque, a existência de quatro sorotipos faz com que uma pessoa infectada por um deles desenvolva resposta imunológica que não protege contra os outros sorotipos. O problema é que a proteção adquirida contra um dos subtipos, em vez de proteger dos demais, intensifica a ação do vírus em uma segunda infecção -- causando, por exemplo, a dengue hemorrágica.

"Isso não acontece com o zika, que possui apenas uma variante circulante no Brasil", explica Zanotto. 

“Até ocorrem mutações e variações do vírus quando ele está na pessoa. Mas o vírus precisa sair da pessoa infectada, passar pelo mosquito, chegar em outra pessoa. Existem ‘gargalos de garrafa’ fortes, são poucas configurações que fazem esse tráfego completo”, explica o pesquisador.

A existência de apenas um sorotipo do vírus da zika em circulação faz com que seja plausível o desenvolvimento de uma vacina de forma relativamente rápida. De acordo com o Ministério da Saúde, uma vacina estará disponível dentro de dois anos. O pesquisador da Rede Zika considera o prazo realista.