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Ser especialista não liberta (nem Darwin) de preconceitos, diz escritora

Angela Saini: "O que os cientistas acreditam com frequência é apenas o espelho do que a sociedade diz" - Divulgação/angelasaini.co.uk
Angela Saini: "O que os cientistas acreditam com frequência é apenas o espelho do que a sociedade diz" Imagem: Divulgação/angelasaini.co.uk

Deborah Giannini

Colaboração para o UOL

16/10/2017 04h00

Ao longo da história, a mulher foi tratada como intelectualmente inferior aos homens. Algumas teorias científicas foram utilizadas para reforçar estereótipos desse tipo.

Em 1871, por exemplo, Charles Darwin afirmou que a mulher era menos evoluída que o homem porque seu crânio era menor. Mais recentemente, em 2005, o então presidente da Universidade Harvard Lawrence Summers se valeu de pesquisas genéticas, segundo ele, para afirmar que a falta de mulheres na academia se devia a menor aptidão feminina para ciências e matemática.

Para desmitificar teorias como essas, a jornalista britânica especializada em ciência Angela Saini desvendou estudos de como os cientistas têm investigado a questão das diferenças entre sexos, contrapondo teses que reforçam e que derrubam ideias de inferioridade feminina, no livro “Inferior: How Science Got Women Wrong” (Inferior: como a ciência se enganou com as mulheres, em tradução livre), com lançamento previsto no Brasil para 2018.

Nesta entrevista ao UOL, a escritora fala como o sexismo na ciência reflete as crenças da sociedade, que biologicamente a mulher não pode ser considerada um sexo frágil e por que cientistas homens brilhantes, como Charles Darwin, erraram quando o campo de pesquisa era o universo feminino.

Ser um especialista em uma área não necessariamente liberta um indivíduo de seus preconceitos pessoais. Ser inteligente não faz alguém sábio.”

UOL - Desde quando teorias científicas reforçam a ideia de que a mulher é intelectualmente inferior ao homem? Quais teorias nesse sentido mais chamaram a sua atenção durante sua pesquisa?

A ciência, de certa forma, sempre refletiu a cultura e a sociedade, e, claro, a sociedade tem mantido a noção de que as mulheres são fundamentalmente diferentes e, frequentemente, inferiores aos homens. No século 19, Charles Darwin acreditava que as mulheres eram intelectualmente inferiores aos homens e outros biólogos vitorianos do sexo masculino pensavam coisas parecidas.

No século 19, Darwin achava que as mulheres eram inferiores - wikimedia commons - wikimedia commons
No século 19, Darwin achava que as mulheres eram inferiores
Imagem: wikimedia commons

O britânico Walter Heape, pioneiro em biologia reprodutiva, escreveu um livro inteiro no início do século 20 argumentando que as mulheres não deveriam lutar pelo direito de voto porque estavam desperdiçando sua energia reprodutiva, que seria mais bem gasta em casa, tendo filhos.

Por que a ciência ao longo da história tem discriminado as mulheres?

O que os cientistas acreditam, com frequência, é apenas um espelho do que a sociedade diz, especialmente se tratando de gênero.

O que alguns biólogos homens ainda pensam é que as mulheres não deveriam ter igualdade e isso se reflete no que dizem sobre a biologia feminina. A implicação [para eles] é que a igualdade sexual de alguma forma iria contra a natureza, quando certamente não vai.

Muitas das mentes masculinas mais brilhantes desenvolveram teorias para explicar a inferioridade das mulheres. Qual o objetivo disso, na sua opinião? 

Ser um especialista em uma área não necessariamente liberta um indivíduo de seus preconceitos pessoais. Ser inteligente não faz alguém sábio. Na verdade, ser inteligente pode às vezes enganar uma pessoa em acreditar que eles estão certos sobre tudo.

Designar a mulher como sexo frágil é biologicamente justo?

Sabemos que existem algumas diferenças físicas entre os sexos. Por exemplo, as mulheres dão à luz, e os homens têm, em média, o dobro da força do corpo superior das mulheres.

Mas os sexos são bastante iguais em termos psicológicos, e as mulheres são melhores sobreviventes do que homens.

Os cientistas continuam a procurar diferenças sexuais no cérebro ainda hoje?

A diferença de sexo é hoje uma das mais modernas áreas da pesquisa científica. Em parte, porque há um grande apetite entre financiadores e editores para este tipo de trabalho, mas também porque nos preocupamos com o gênero, especialmente agora.

Seu livro traz evidências contra estereótipos da mulher passiva, que depende do homem para sobreviver, porque é assim que a evolução a supôs. A ordem patriarcal dos seres humanos pode ter evoluído por acidente e não por necessidade evolutiva?

O patriarcado não é um acidente. Foi uma tomada de poder deliberada pelos homens poderosos. Ele permanece um sistema de repressão e de controle destinado a manter as mulheres abaixo dos homens.

Como sabemos que as sociedades caçadoras-coletoras [estrutura social pré-histórica] tendem a ser muito mais igualitárias, não parece provável que a dominação masculina ou o patriarcado seja de alguma forma a natureza do estado humano.