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Então é Natal: por que não nos sentimos bem quando comemos demais?

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Fernando Cymbaluk

Do UOL, em São Paulo

21/12/2017 04h00

O cheirinho do pernil abre o apetite, e você não decepciona o chamado do estômago. Afinal, a ceia de Natal costuma ser generosa. E porque muitas pessoas reclamam de indigestão depois?

A ceia de Natal não está entre os banquetes mais gordurosos. Um churrasco é muito mais gorduroso do que uma fatia de peru com arroz e nozes, mesmo que exista gordura nas aves e na carne de porco servidas na ceia. Mas quem se queixa de dor de estômago e de barriga depois da festa é porque comeu muito.

"É o excesso de comida que causa indigestão", explica João Paulo Fabi, professor do Centro de Pesquisa em Alimentos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP (Universidade de São Paulo).

A dificuldade do organismo em lidar com excesso de nutrientes está ligada à capacidade que o corpo tem de produzir as substâncias que degradam os alimentos, o suco gástrico com ácido e enzimas. Quem come demais acaba dando mais trabalho para o estômago e para o intestino do que esses órgãos estavam esperando.

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Todo processo de digestão começa quando você sente o cheirinho de pernil no prato. Com esse estímulo, o organismo produz hormônios que agem no sistema nervoso central e provocam fome e aumento de salivação. O estômago então se prepara para receber os alimentos, produzindo suco gástrico. 

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Indigestão ocorre quando é ingerida uma quantidade muito grande de alimento
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Esse suco estomacal é composto por ácido clorídrico e a enzima pepsina. As enzimas proteases (tripsina e quimotripsina), produzidas pelo pâncreas, complementam a digestão de proteínas nas partes mais inferiores do estômago. A presença de alimentos no órgão intensifica a produção de suco gástrico. As moléculas de lipídios, que constituem a gordura, começam a ser emulsionadas pelo movimento do estômago e são digeridas no duodeno, primeira parte do intestino, com ajuda da bile, produzida pelo fígado e secretada pela vesícula biliar. 

Acontece que essa produção de substâncias ocorre na medida para a digestão das refeições às quais o organismo está acostumado. "Quem normalmente não come muito e de repente come um monte na ceia sentirá dificuldades de digestão", afirma o bioquímico. A grande quantidade de comida causa inchaço no estômago e faz com que as substâncias produzidas sejam insuficientes. 

O organismo até responde a essa grande quantidade, produzindo mais ácido clorídrico e enzimas no estômago e bile na vesícula. Também aumenta o peristaltismo -- as contrações involuntárias do trato gastrointestinal. Tanto trabalho causa sonolência e dor no estômago e até mesmo na vesícula biliar.

Depois, quando a massa de comida chega no intestino delgado e grosso, a pessoa pode ter dor de intestino -- a famosa dor de barriga –, produzindo um grande volume fecal. Também pode ocorrer diarreia. “Tudo depende do organismo da pessoa”, diz o bioquímico. Há quem coma um pouco mais e tenha efeitos terríveis e quem coma muito mais e consiga lidar melhor com a quantidade.

Demora para digestão bagunça hormônios

Toda a digestão é regulada por hormônios que funcionam em um sistema de feedback -- quando a presença de uma substância ativa ou inibe a produção de outra. "À medida que o alimento parcialmente digerido vai saindo do estômago e chegando ao intestino, há aumento da produção de enterogastrona e redução da liberação de gastrina, o que inibe tanto a motilidade do estômago quanto a secreção gástrica", explica a nutricionista Eliana Giuntini, pós-doutoranda da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP (Universidade de São Paulo). 

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Quando comemos muito, a digestão fica mais lenta no estômogo (centro) e no duodeno (continuação do estômago)
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Essa ação hormonal recebe nova resposta quando o alimento parcialmente digerido, chamado quimo, sai do duodeno em direção a outras partes do intestino. Assim, ocorre a redução da enterogastrona, o que permite a retomada das atividades no estômago. 

No intestino delgado o quimo ácido vindo do estômago estimula a produção da secretina – hormônio que age no pâncreas para a produção de enzimas pancreáticas que farão a digestão final dos lipídios, carboidratos e proteínas. Há produção também de bicarbonato de sódio, que deixa o quimo alcalino e facilita a ação das enzimas. 

"Em uma situação de consumo de refeição normal, esses mecanismos funcionam regularmente. Porém nas refeições natalinas, normalmente se consume muita comida, o que torna esse sistema mais lento por excesso de conteúdo", diz Giuntini. Como o mecanismo de feedback ocorre quando o alimento digerido vai se deslocando entre estômago e intestino e pelo intestino delgado, a demora de cada etapa faz com que a atividade de órgãos como o estômago fique reduzida por maiores períodos. 

Ácido ajuda digestão, mas suco pode piorar queimação

Tomar sucos ácidos, como de laranja e limão, e comer frutas, como abacaxi, ajuda na digestão. Isso porque as enzimas que atuam no estômago funcionam melhor com nível de acidez alto. Contudo, a comida em excesso pode fazer com que o suco ácido e o abacaxi aumentem a dor no estômago.

Isso acontece porque o inchaço leva o alimento e o suco gástrico a tocarem porções superiores do estômago, próximas ao esôfago. Lembremos que quando o órgão está cheio, mais ácido e enzimas já estão sendo produzidos. "O ácido do suco vai irritar ainda mais essas partes superiores, da boca do estômago, agravando a queimação", diz Fabi.

Indigestão leva à produção de gás

Outro fenômeno ligado à indigestão é a produção de gás. Os famosos flatos podem se formar de duas formas: quando ingerimos grande quantidade de comida de forma rápida ou na fermentação do alimento no intestino. "Quem come rápido acaba engolindo ar. Esse ar vai atravessar o trato intestinal se a pessoa não arrotar", diz Fabi.

Já a fermentação da comida ocorre principalmente no intestino grosso. A grande quantidade de comida ingerida na ceia pode fazer com que o estômago não digira toda a proteína presente nos alimentos. "Isso faz surgir gases derivados de enxofre, na forma de ácido sulfídrico", diz Fabi. Esse ácido tem cheiro de ovo podre.

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Para evitar indigestão, a dica é comer moderadamente e equilibrando nutrientes
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Dica para a ceia é comer com moderação

A melhor dica para evitar indigestão é a moderação. O estômago e intestino têm capacidade para digerir bastante alimento. Não à toa, dá conta do café da manhã, almoço e jantar que você come todos os dias. "Mas não consegue lidar com essa mesma quantidade ao mesmo tempo", diz Fabi. 

Na ceia, geralmente há muita proteína, presente nos vários tipos de carne, além de gordura, na pele do peru, nos molhos, na maionese e nas sobremesas. "Esses alimentos já apresentam digestão mais lenta em relação aos carboidratos", diz Giuntini. 

É importante mesclar nos pratos alimentos com fibras que ajudam no peristaltismo, presentes em legumes, verduras, frutas e castanhas. Contudo, é necessário também ter parcimônia da ingestão de fibras, já que são elas as que levam à fermentação no intestino grosso. E bebida alcoólica em excesso dilui o suco gástrico e torna a digestão menos eficiente.

Segundo Giuntini, a mastigação ansiosa também pode contribuir para uma má digestão. "Quando se come rápido, a ação das enzimas pode ser prejudicada", explica.