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O cemitério espacial que fica no Pacífico, para onde foi a estação chinesa

É o ponto no centro do Oceano Pacífico, o mais distante de qualquer continente ou ilha - Timwi
É o ponto no centro do Oceano Pacífico, o mais distante de qualquer continente ou ilha Imagem: Timwi

Larissa Leiros Baroni

Do UOL, em São Paulo

03/04/2018 12h31

Por sorte, a descontrolada estação espacial chinesa Tiangong-1, de dez metros de comprimento e 8,5 toneladas, voltou à Terra sem causar danos. Ela praticamente se desintegrou ao reingressar na atmosfera sobre essa remota região do Pacifico Sul, próxima ao ponto popularmente conhecido como "cemitério espacial", local da morte programada de outras 300 espaçonaves, a maioria russas. Mas que lugar é esse?

O lugar é conhecido como Ponto Nemo, também chamado de "Polo da Inacessibilidade do Pacífico". É o ponto no centro do Oceano Pacífico mais distante de qualquer continente ou ilha. Ele fica mais perto da Estação Espacial Internacional (ISS), que orbita a Terra a uma altitude de aproximadamente 360 km, do que de qualquer outra área do planeta Terra.

Tiangong-1 - Instituto alemão Fraunhoffer - Instituto alemão Fraunhoffer
Estação espacial chinesa Tiangong-1 estava há dois anos vagando no espaço sem controle algum
Imagem: Instituto alemão Fraunhoffer
"A área de Terra mais próxima fica a cerca de 2.600 km", aponta Antônio Fernando Bertachini de Almeida Prado, coordenador da pós-graduação do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O ponto está localizado entre as costas da Antártica (Ilha de Maher), do Chile (Motu Nui) e das Ilhas Pitcairn.

Como acrescenta Prado, não é uma rota comum para navegação e tem uma vida marinha escassa. Isso porque, segundo os pesquisadores, as correntes oceânicas não passam pela área e, portanto, não levam nutrientes para lá.

Características que tonaram o local favorável ao descarte de satélites e aeronaves que estão em baixa órbita terrestre (a uma altitude de até 2.000 km). "Todo objeto que está nessa órbita mais cedo ou mais tarde, de forma controlada ou não, volta para Terra", explica o astrofísico Gustavo Rojas, professor da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).

A preocupação maior é com os objetos com mais de 1 tonelada, já que os menores acabam se desintegrando (ou virando pó) ao entrarem na atmosfera terrestre, diferente dos maiores, que têm muito mais chances de sobreviver ao atrito e se chocarem com o solo.

Lixo espacial em torno da Terra

Segundo um estudo divulgado pela Agência Espacial Europeia (ESA), há 750 mil partículas de lixo espacial em órbita --de objetos de 1 cm a satélites inteiros. "Há martelos, parafusos e até câmara fotográfica", cita Rojas, ao se recordar do astronauta que perdeu o equipamento durante uma missão. "Com o aumento da exploração espacial, esse lixo tende a aumentar cada vez mais."

Para evitar que caiam em áreas populosas, são --quando possível-- conduzidos para regiões do mar mais afastadas. "Não há uma obrigatoriedade de o descarte ser realizado nesse Ponto Nemo. Não existe nenhum tratado ou lei que oficializa essa região como cemitério espacial", ressalta o astrônomo Marcelo De Cicco, especializado em meteoros. "É um ponto poético. Isso porque nem sempre é possível controlar essa a queda. Não é à toa que vemos com frequências objetos espaciais caírem no Atlântico, no Pacífico, no Índico e até em áreas habitáveis, como aconteceu recentemente no Peru e no Paraguai." 

Mas é possível prever onde o objeto espacial vai cair?

O controle desses objetos espaciais é possível, como aponta Prado, desde que a agência responsável ainda mantenha o controle sobre eles e que os motores tenham combustível suficiente. "Para se manter em órbita, o objeto precisa manter uma velocidade. Portando, o segredo do controle da queda dele está aí: frear para perder altitude e acelerar quando quiser se manter estável, até que consiga de calcular a queda no ponto desejado", explica o especialista do Inpe.

Cálculos que, segundo ele, não costumam falhar. Tanto é que só o "cemitério espacial" já recebeu de 250 a 300 naves espaciais em final de vida. Entre elas está a estação espacial soviética MIR, de 120 toneladas, que foi lançada ao espaço em 1986 e redirecionada de volta à Terra em 2001.

No entanto, nem sempre esse controle é possível, a exemplo da própria estação espacial chinesa Tiangong-1, lançada em 2011, mas fora de comando desde março de 2016 –dois anos antes de sua reentrada na Terra. 

"O mesmo aconteceu com a estação espacial Salyut, que caiu na Argentina [1991], e com a Skylab, que caiu na Austrália [1979]", cita Rojas, que diz que jamais nenhum humano foi atinge por algum lixo espacial. "A única vítima foi uma vaca, na queda do Salyut."

Como explica Cicco, três quartos do Planeta Terra é formado por oceanos, portanto, até mesmo os satélites descontrolados têm muito mais chance de cair no mar do que uma área habitada. "O risco é de um em um milhão. Ainda assim os objetos de mais de uma tonelada que estão vagando no espaço devem ser controlados pelas agências espaciais."