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Como vai ficar a medição do quilo no Brasil?

Balança de Kibble ou de Watt que será usada para medir o quilograma - Divulgação/Escritório Internacional de Pesos e Medidas
Balança de Kibble ou de Watt que será usada para medir o quilograma Imagem: Divulgação/Escritório Internacional de Pesos e Medidas

Helton Simões Gomes

Do UOL, em São Paulo

21/05/2019 10h31Atualizada em 23/05/2019 09h12

O quilograma deixou nesta segunda-feira (20) de ser medido oficialmente com base em um cilindro de metal conforme vinha sendo feito há 130 anos. Em vez disto, passou a ser calculado por uma balança de alta precisão que usa conceitos da física quântica e leva em consideração constantes fundamentais da eletricidade para dar conta do trabalho.

  • Antes: 1 kg era definido por um cilindro de 39 mm de altura e 39 mm de diâmetro de platina-irídio guardado pelo Escritório de Internacional de Pesos e Medidas (BIPM) em um cofre na França desde 1889.
  • Depois: 1 kg é definido pela balança de Kibble (ou de Watt).

Esse é um avanço que pretende fazer a ciência se livrar de unidades de medida calculadas com base em definições arbitrárias ou cujas referências são objetos físicos. Ainda assim, a calibragem do que é 1 kg no Brasil vai ser feita ora seguindo o modelo moderno ora o antigo, que não tem data para ser aposentado.

A explicação é do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia), que possui a missão de disseminar das mudanças ocorridas no Sistema Internacional de Unidades (SI).

A mudança é significativa do ponto de vista científico justamente porque deixamos todos os riscos de ter um artefato como referência e passamos a definir o quilograma usando grandezas elétricas. Mas durante um período, serão mantidas em paralelo as duas formas de calibração
Anderson Beatrici, chefe substituto do laboratório de massa do Inmetro

O tal cilindro é chamado de Protótipo Internacional do Quilograma (IPK). Enquanto o original é guardado em um cofre fechado a três chaves em uma cidade próxima de Paris, cópias idênticas a ele foram distribuídas a alguns países. O Brasil possui a sua, a de nº 66.

De Paris à balança da farmácia

É com esses protótipos nacionais que órgãos como o Inmetro transmitem para outras organizações de seus países que trabalham com a definição de massa qual é a atual configuração do quilo.

Isso tem de ser feito de tempos em tempos porque, como o IPK e os protótipos nacionais são objetos físicos, há uma deterioração natural, o que leva à perda de massa. O Inmetro, por exemplo, calibrou o modelo brasileiro em abril deste ano. E como isso é feito? Equipamentos ultrapotentes chamados comparadores de massa calculam em quanto a massa do protótipo nacional se desvia da do IPK.

Um longo caminho, porém, tem de ser percorrido até que os efeitos da checagem da massa da cópia 66 comecem a ecoar sobre uma balança dessas de farmácia.

Apenas dentro do Inmetro, são feitas três comparações de massa.

  1. A cópia do IPK é comparada a um outro objeto chamado de padrão de referência.

  2. O padrão de referência é comparado aos padrões de trabalho, usados para conferir a massa dos padrões trazidos por clientes, como a Rede Brasileira de Calibração (RBC) e os institutos de pesos e medidas estaduais.

  3. Os laboratórios da RBC são quem geralmente atendem as empresas responsáveis por acertar as balanças.

Beatrici dá um exemplo: suponha que o laboratório tenha um protótipo de quilograma com 1,0005 kg, e um cliente traga um segundo protótipo ao laboratório. Nisso, percebe-se que este último pesa, neste exemplo, seis microgramas a mais.

"A partir daí, é só somar o valor excedente [do quilograma do cliente] ao do meu protótipo e consigo dizer qual a massa do protótipo que o cliente me enviou", diz Beatrici.

Balança de Kibble

Todo esse trabalho seria encurtado se fosse feito por uma balança de Kibble, que de um lado tem um eletroímã que pende para baixo e, do outro, um objeto cuja massa será medida. A corrente elétrica que passa pelo eletroímã é aumentada ou diminuída até que os dois lados estejam equilibrados.Só que são poucos os países que possuem um equipamento desses, e o Brasil não é um deles.

O Inmetro já começou a sua pesquisa para criar uma balança de Kibble nacional. A verba inicial é de R$ 200 mil, e a ideia, conta Beatrici, é desenvolver um modelo que custe menos do que os milhões de dólares pagos por uma e cuja taxa de erro seja inferior ou próxima a 0,01%. Por ora, ela é de 1% --pode parecer pouco, mas o aparelho tem de melhorar pelo menos 100 vezes para que o objetivo seja alcançado.

Por enquanto, o Inmetro precisa ir até os Estados Unidos, onde sua entidade-irmã, o Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia (NIST), mantém uma balança. E, de qualquer forma, o órgão considera que manter as cópias do quilograma original é uma questão de segurança metrológica, por isso vai manter os dois sistemas convivendo.

"Se fizéssemos uma balança de Kibble e jogássemos fora todos os protótipos, inclusive o do BIPM, quando descobríssemos que ela não está dando um valor coerente, que tá dando um problema, qual referência teríamos nesse momento? Seria um trabalho muito complicado", diz Beatrici.