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"Foi a descoberta da vida", conta pesquisador que encontrou tiranossauro

Grupo de pesquisadores de  Museu de Ciência e Natureza de Denver retira pedaços de fósseis de dinossauros do monumento Grand Staircase chamada Platô Kaiparowits, uma cordilheira alta de 80 quilômetros de comprimento, em Utah, nos Estados Unidos  - Denver Museum of Nature & Science via The New York Times
Grupo de pesquisadores de Museu de Ciência e Natureza de Denver retira pedaços de fósseis de dinossauros do monumento Grand Staircase chamada Platô Kaiparowits, uma cordilheira alta de 80 quilômetros de comprimento, em Utah, nos Estados Unidos Imagem: Denver Museum of Nature & Science via The New York Times

Jennifer Pinkowski

29/07/2015 15h42

Em um dia de tempestade no sul de Utah no último verão, o paleontologista Alan Titus perambulava ao lado de uma estrada, quente, molhado e aborrecido. Uma equipe da Califórnia deveria estar ali ajudando-o em uma pesquisa de campo no Monumento Nacional Grand Staircase-Escalante, um local escarpado, ermo e cheio de insetos. Mas seus colegas caíram fora por causa do tempo ruim.

Seus olhos vasculharam o chão liso perto do Riacho Wahweap, a cerca de 180 metros de uma das poucas estradas que serpenteiam os quase 770 mil hectares do remoto e acidentado Grand Staircase. Titus já havia andado pela área antes sem encontrar nada.

Desta vez, no entanto, o crânio de um tiranossauro estava olhando para ele. Ali perto, Titus viu algo mais: o osso de um dedo do pé de um tiranossauro.

De seus aterrorizantes dentes de 18 centímetros até seus braços comicamente desproporcionais, os tiranossauros vivem na imaginação do público. Mas os registros fósseis desses predadores antigos são muito raros.

Em dezembro, os ossos do tiranossauro escavado estavam envoltos em gesso em um laboratório daqui, esperando uma análise mais profunda. “Foi a descoberta de minha vida”, conta Titus, paleontologista do Escritório de Administração de Terras.

Mas essa é apenas uma das muitas descobertas extraordinárias feitas aqui. Nos últimos 15 anos, Titus e seus colegas do escritório – junto com o Museu de História Natural de Utah, o Museu de Ciência e Natureza de Denver e centenas de voluntários, estagiários e pesquisadores – escavaram dezenas de milhares de fósseis de uma parte extraordinária do monumento Grand Staircase chamada Platô Kaiparowits, uma cordilheira alta de 80 quilômetros de comprimento.

Um dos mais ricos tesouros de fósseis do período Cretáceo Superior, o Kaiparowits está abrindo uma janela para um mundo-estufa que servia de casa para os dinossauros no crepúsculo de sua existência, cerca de 10 milhões de anos antes de sua extinção repentina.

Existem vários sítios bem preservados do período Cretáceo no Oeste dos Estados Unidos, como a Bacia San Juan, no Novo México; o rio Judith, a região de Two Medicine e a formação Hell Creek, em Montana; e o Parque Dinosaur Provincial, em Alberta, no Canadá. Mas o Kaiparowits se sobressai pelo número absoluto de fósseis únicos e bem preservados. Descobertas de ecossistemas antigos estão desafiando hipóteses assumidas há tempos sobre a fisiologia, a evolução e o meio ambiente dos dinossauros.

A maioria dos fósseis foi escavada de uma parte do platô chamada formação Kaiparowits, um conjunto de múltiplas camadas de arenito e lamito datadas de 76,6 milhões a 74,5 milhões de anos atrás. Camadas de areia e lama que se depositaram rapidamente enterraram os fósseis, deixando-os imaculados.

O estado de preservação em que se encontram é espetacular: esqueletos articulados, pele fossilizada, plantas tão incrivelmente frescas que suas folhas delicadas podem ser descascadas diretamente das pedras. Quando são iluminadas sob um microscópio epifluorescente, suas cutículas, ou as coberturas de cera, que ficam com uma cor verde brilhante, revelam as estruturas celulares.

Entre os animais descobertos aqui estão 21 dinossauros nunca vistos antes. Muitos são ceratopsídeos, ou dinossauros “cara de chifre”, incluindo o Kosmoceratops richardsoni (nomeado em homenagem a Scott Richardson, paleontologista do Escritório de Administração de Terras), todo ornamentado com chifres, e o Nasutoceratops titusi (nomeado em homenagem a Titus), herbívoro com um crânio de mais de dois metros, um nariz gigante e chifres apontando para frente.

Até quatro espécies de dinossauros viveram aqui 77 milhões de anos atrás – o dobro dos que foram descobertos em sítios contemporâneos na América do Norte, afirma Scoff Sampson, paleontologista do museu de Denver, cuja equipe vem escavando o Kaiparowits desde 2004.

Hadrosaurus, conhecidos como dinossauros bico-de-pato, também são comuns nos Kaiparowits, e duas novas espécies de tiranossauros foram encontradas no platô: o Teratophoneus currei (“assassino monstruoso”), de 3,5 metros, que morreu há 75 milhões de anos; e o Lythronax argestes (“rei do sangue”), de 81 milhões de anos, e o tiranossauridae verdadeiro mais velho conhecido pela ciência.

O Kaiparowits também apresentou uma imensa diversidade de crocodilos e tartarugas do mundo antigo: seis espécies de crocodilos e 17 espécies de tartarugas. Uma tartaruga de quase um metro, descoberta no verão passado, morreu grávida, com o corpo cheio de ovos.

Uma floresta úmida e pantanosa

Hoje o Kaiparowits é uma extensão de rocha escarpada, coberta com arbustos e com pouca umidade; as plantas famintas mandam suas raízes dez metros para dentro do solo para absorver o fosfato de cálcio dos fósseis que continuam enterrados, algumas vezes destruindo-os nesse processo. “Estamos em uma batalha constante com as raízes. Elas encontram os ossos centenas de anos antes de nós”, afirma Titus.

Mas, 75 milhões de anos atrás, a região era uma floresta litorânea úmida e pantanosa no sul da Laramídia, um continente estreito que ia do Alasca ao México e que foi formado cerca de 96 milhões de anos atrás, quando o Mar Interior Ocidental dividiu a América do Norte, separando a massa de terra em dois continentes – Laramídia a oeste e Appalachia no leste – por mais de 20 milhões de anos.

Localizado a cerca de 100 quilômetros do mar, em uma baía lisa riscada por rios, lagos e lagoas, o Kaiparowits era uma floresta de vários andares cheia de água. Pinheiros gigantes cobertos com heras se elevavam sobre o chão úmido da floresta Everglades que era cheia de gengibres, samambaias, lentilhas e alfaces d’água e plantas flutuantes com flores.

“Era uma floresta extremamente diversa, com grande biomassa”, diz Ian Miller, curador de Paleobotânica do museu de Denver, que coletou mais de 12 mil espécies de plantas de 75 sítios da região.

Os paleontologistas tiram toneladas de materiais do Kaiparowits todo ano para mais análises. (Um único crânio de N. titusi descoberto no ano passado pelo paleontologista Joe Sertich do museu de Denver pesava 1.270 quilos.) Somente no último verão, a equipe de Denver levou de helicóptero dez toneladas de plantas antigas, madeiras, heras e terra do sítio para peneirar e lavar no laboratório.

Todo esse material sustentava os moradores mais chamativos do sítio: os dinossauros. O Kaiparowits é o “Shangri-La dos dinossauros”, afirma Sertich. “Nos dá a oportunidade de responder a maioria das questões que podemos formular sobre como os dinossauros viveram e como evoluíram.”

Uma das questões mais intrigantes: como o ecossistema manteve tantos dinossauros tão grandes?

Gigantes em um Pequeno Pedaço de Terra

No período Cretáceo Superior, habitavam o sul do Utah nove espécies de animais que pesavam bem mais de 900 quilos quando adultos. Compare isso com a África de hoje, que é cinco vezes maior, mas possui apenas um punhado de animais desse tamanho: elefantes, girafas, hipopótamos, búfalos e rinocerontes.

“É um pedaço de terra pequeno”, diz Sampson sobre o platô. “Como você conseguia ter tantos animais gigantes em um terreno tão mínimo?”

A resposta pode estar nas folhas, mais especificamente nas da família das heras. Encontradas em abundância nos Kaiparowits, as folhas com formato de coração da hera indicam a presença de um sistema de trepadeiras imenso no Cretáceo Superior.

Hoje, florestas com grande biomassa têm “toneladas e toneladas” de heras, explica Miller. A presença de tantas trepadeiras sugere que esse ecossistema era incrivelmente denso, um bufê de salada para os gigantes.

“Para conseguir que essa quantidade de herbívoros maiores do que hipopótamos vivessem em um espaço pequeno, é preciso um fantástico ecossistema de plantas para mantê-los. Isso é sem precedentes no período Cretáceo. Não tínhamos visto uma floresta tão densamente dominada pelas heras nos registros fósseis em nenhum outro lugar do planeta.”

Os cientistas afirmam que suas descobertas corroboram a teoria, um tanto controversa, do regionalismo dos dinossauros, que diz que os animais viviam em províncias latitudinais ou faixas regionais onde se diversificaram em espécies extremamente adaptadas ao ambiente onde viviam.

Há pouca evidência nos documentos geológicos de uma barreira física que teria impedido a migração norte-sul dos dinossauros na Laramídia, mais uma confirmação, dizem os especialistas, de que os habitantes estavam adaptados a um nicho ecológico estreito.

O grande número de espécies antigas descobertas no Kaiparowits “nos oferece uma evidência robusta de que as comunidades e as espécies de dinossauros eram muito regionais cerca de 75 milhões de anos atrás”, explica David Evans, paleontologista do Museu Real Ontário que estuda a diversidade de dinossauros no período Cretáceo Superior no Parque Dinosaur Provincial.

“Parece que a diversidade da fauna dos dinossauros entre Alberta, Montana e Utah aconteceu por diferenças ecológicas relativamente pequenas e preferências precisas de habitat.”

Adaptação especializada talvez tenha eventualmente se tornado um problema para esses animais, que só comiam comidas locais e que talvez tenham passado por dificuldades para resistir às variações das condições ambientais, às flutuações de temperatura e às mudanças no nível do mar que foram comuns nos últimos 10 milhões de anos do período Cretáceo.

Isso pode explicar por que poucos dinossauros grandes existem nos registros fósseis já que eles se aproximaram da extinção em massa cerca de 66 milhões de anos atrás, depois que os mamíferos se diversificaram e prosperam.

Mas nem todo mundo está convencido de que esses dinossauros estavam tão profundamente enraizados em um habitat em particular. “É uma história boa”, afirma Spencer Lucas, paleontologista do Museu de História Natural e Ciências do Novo México que escavou sítios do Cretáceo Superior na Bacia San Juan. “Mas, eu acredito? O júri ainda tem que decidir.”

O regionalismo dos dinossauros, diz ele, geralmente reflete a abordagem de paleontologistas, que ele chama de “separatistas”, muito ansiosos para dividir os dinossauros em espécies diferentes.

Os paleontologistas que trabalham no Kaiparowits esperam que suas descobertas possam jogar luz no maior mistério dos dinossauros: seu desaparecimento súbito.

“O que estava acontecendo antes daquela grande extinção, e o que aconteceu depois dela? Como isso levou ao nosso mundo moderno?”, pergunta Titus.

O Kaiparowits, afirma Evans, “é realmente nossa única janela de alta-definição para um período que vai de um pouco antes da extinção dos dinossauros e durante essa era até a época dos mamíferos”.

“Este é realmente o único lugar onde podemos estudar as causas da extinção dos dinossauros em detalhes.”