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Como uma erupção vulcânica em 1815 escureceu o mundo todo

Cratera do Monte Tambora, que tem 10 quilômetros de largura e um quilômetro de profundidade - Iwan Setiyawan/ KOMPAS Images/ AP
Cratera do Monte Tambora, que tem 10 quilômetros de largura e um quilômetro de profundidade Imagem: Iwan Setiyawan/ KOMPAS Images/ AP

William J. Broad

01/09/2015 09h27

Em abril de 1815, a explosão vulcânica mais poderosa já registrada na história abalou o planeta em uma catástrofe tão vasta que, 200 anos depois, os investigadores ainda estão lutando para entender suas repercussões. Até agora, eles já perceberam que a erupção teve um papel no esfriamento do clima, no colapso da agricultura e nas pandemias globais -- e até deu origem a monstros famosos.

Em uma das exuberantes ilhas das Índias Orientais Holandesas -- a Indonésia de hoje -- a erupção do Monte Tambora matou dezenas de milhares de pessoas, que foram queimadas vivas, atingidas por pedras ou morreram depois de fome, já que as cinzas pesadas sufocaram as colheitas.

Mais surpreendente ainda, os investigadores descobriram que uma nuvem gigante de partículas minúsculas se espalhou pelo globo, bloqueando a luz do sol e produzindo três anos de esfriamento planetário. Em junho de 1816, uma nevasca atingiu o norte do Estado de Nova York. Em julho e agosto do mesmo ano, geadas assassinas devastaram fazendas na Nova Inglaterra. Chuvas de granizo caíram sobre Londres o verão todo.

Um relato recente do desastre, "Tambora: The Eruption that Changed the World" ("Tambora: a Erupção que Mudou o Mundo", em tradução livre), de Gillen D´Arcy Wood, mostra que os efeitos planetários foram tão extremos que muitos países e comunidades passaram por ondas de fome, doenças, agitação civil e declínio econômico. Plantações morreram em todo o mundo.

"O ano sem verão", como 1816 ficou conhecido, tornou-se a origem não apenas de pinturas de pores do sol vermelho-fogo e céus tempestuosos, mas de dois gêneros de ficção gótica. A prole excêntrica foram Frankenstein e o vampiro humano, figuras que têm assombrado a arte e a literatura desde então.

"As pistas de papel", diz Wood, professor de Inglês na Universidade de Illinois, "sempre voltam para Tambora".

A explosão gigante -- 100 vezes maior do que a do Monte Santa Helena -- e a mortalha que se estendeu sobre o mundo todo estão sendo cada vez mais estudadas por cientistas, que tentam entender não apenas o passado climatológico do planeta, mas a possibilidade de que desastres parecidos aconteçam no futuro.

Clive Oppenheimer, vulcanologista da Universidade de Cambridge, que estudou a catástrofe de Tambora, acha que a chance de uma explosão parecida acontecer nos próximos 50 anos é relativamente baixa -- talvez 10 por cento. Mas as consequências, afirma, poderiam ser extraordinariamente terríveis.

"O mundo moderno está longe de ter imunidade contra impactos potencialmente catastróficos", explica Oppenheimer.

Antes da explosão, Tambora era o cume mais alto em uma terra de picos enevoados. Ficava na ilha tropical de Sumbawa, com pináculos alcançando quase cinco mil metros. Há muito adormecida, a montanha era considerada morada dos deuses. Havia vilas em suas encostas e por perto os fazendeiros plantavam arroz, café e pimenta.

Na noite de cinco de abril de 1815, de acordo com relatos da época, chamas apareceram em seu pico e a terra sacudiu por horas. Então, o vulcão ficou silencioso.

Cinco dias depois, o pico explodiu com um barulho ensurdecedor de fogo, pedras e cinzas ferventes que foi ouvido a centenas de quilômetros dali. Rios flamejantes de pedras derretidas desceram a montanha, destruindo florestas tropicais e vilarejos. Dias depois, ainda furioso, mas vazio, o vulcão se quebrou; de repente ele perdeu 1,5 quilômetro de altura.

Estima-se que 100 mil pessoas morreram no local. Sumbawa nunca se recuperou.

As repercussões foram globais, mas ninguém percebeu que a morte e o caos generalizados tiveram origem em uma erupção do outro lado do mundo. O que surgia eram casos de folclore regional. Os habitantes da Nova Inglaterra chamaram 1816 de "mil oitocentos e congele até a morte". Os alemães diziam que 1817 foi o ano do mendigo. Esses e muitos outros episódios locais permaneceram desconhecidos ou sem conexão um com o outro.

Foram os cientistas que começaram a montar uma imagem mais clara do episódio, especialmente da união peculiar da explosão vulcânica e do clima gélido. Um objetivo comum foi separar as flutuações naturais do clima daquelas com origem humana. Muitos estudos se voltaram para a Nova Inglaterra e seu verão gelado de 1816.

Wood expandiu a representação do evento em sua obra, que deve sair como livro de bolso no mês que vem. O relato traz centenas de documentos científicos, unidos ao conhecimento do autor sobre a literatura do século 19, para detalhar os três anos do caos planetário, assim como a origem dos demônios fictícios.

"Meu interesse era entender o evento global", conta ele em uma entrevista. "E isso significava fazer um trabalho sério de detetive em vários arquivos desconhecidos." Os cinco anos de pesquisa o levaram à China, Europa e Índia.

Também o transportaram para Tambora, onde enfrentou sanguessugas e folhas cortantes para espiar a bocejante caldeira, que tem 6,5 quilômetros de um lado a outro.

A explosão da montanha, diz o livro, jogou cerca de 50 quilômetros cúbicos de matéria terrestre a uma altura de mais de 40 quilômetros. Enquanto as partículas grossas caíram logo, as mais finas viajaram em ventos fortes formando uma nuvem que se espalhou. "Passou", segundo Wood escreveu, "sobre o Polo Norte e o Polo Sul, deixando um rastro de sulfato impresso no gelo para que os paleoclimatologistas descobrissem mais de um século e meio depois".

O véu global, muito acima das nuvens de chuva, refletiu os raios de sol de volta para o espaço. E assim o planeta esfriou. A mortalha, diz Wood, também gerou tempestades aqui embaixo.

Em seu livro há uma impressão de um quadro a óleo de 1816 da Baía de Weymouth, uma caverna abrigada na costa sul da Inglaterra, de John Constable -- o céu sobre ela agitado com nuvens negras. "Em todos os lugares", conta Wood, "os ventos vulcânicos sopraram fortemente." Ele diz que tanto os relatos históricos como os modelos de computador dão conta das tempestades poderosas da época.

As partículas altas na atmosfera também produziram pores do sol extraordinários, como mostram as famosas pinturas de J. M. W. Turner, o inglês pioneiro em paisagens. Seus céus vermelho vívido, afirma Wood, "parecem propaganda para o futuro da arte".

Os fatos também podem ser revividos em romances locais, nenhum mais importante para a história da literatura do que o nascimento do monstro Frankenstein e do vampiro humano. Isso aconteceu no lago Genebra, na Suíça, onde alguns dos mais famosos nomes da poesia inglesa passaram um feriado de verão.

Em 1816, a Suíça, que não tem litoral, mas é famosa por suas montanhas, estava começando a sofrer com o mau tempo e a morte das plantações. Batalhões de pessoas famintas invadiram as padarias depois que os preços do pão aumentaram. O livro reconta a agonia de um padre: "É terrível ver esses esqueletos andantes devorando as comidas mais repulsivas com tanta avidez".

Naquele junho, o clima frio e as tempestades fizeram com que os turistas ingleses procurassem refúgio em uma casa ao lado do lago para se esquentar perto do fogo e trocar histórias de fantasmas. Mary Shelley, então com 18 anos, fazia parte do grupo literário que incluía Percy Shelley, seu futuro marido, e Lord Byron. Havia muito vinho, assim como láudano, um tipo de ópio. As velas cintilavam.

Nessa atmosfera pesada, Mary Shelley inventou seu horripilante conto sobre Frankenstein, que publicou dois anos depois. E Byron escreveu as primeiras ideias das histórias de vampiro modernas, publicadas mais tarde por um compatriota como "O Vampiro". O tempo ruim também inspirou o poema apocalíptico de Byron "Trevas".

O livro de Wood documenta várias outras repercussões do esfriamento do planeta, devotando um capítulo para a pandemia de cólera em 1817 que começou na Índia e matou globalmente dezenas de milhões de pessoas. Wood acredita que a doença se propagou por meio de uma combinação fatal de mudanças nas monções e de chuvas ininterruptas -- a teoria principal dos mais importantes estudiosos do cólera.

A pandemia se espalhou e, no final, alcançou as Índias Orientais Holandesas. Somente em Java matou quase 125 mil pessoas -- mais, nota Wood, "do que as que morreram na própria erupção do vulcão".

Ele também fala sobre o frio glacial na província de Yunnan ao sul da China, uma terra de montanhas e florestas com tigres e elefantes. As plantações de arroz rapidamente morreram, e a fome perdurou por anos. Em julho de 1816, diz Wood, a província sofreu com nevascas sem precedentes.

O poeta Li Yuyang, que tinha 32 anos quando o Tambora começou a devastar o mundo, escreveu sobre as chuvas frias e as enchentes em "A Sigh for Autumn Rain" ("Um Suspiro para a Chuva de Outono", em tradução livre.)

A água caindo das calhas me deixa surdo. As milhares de pessoas correndo das casas que desabam. E dezenas de milhares, porque a devastação da chuva é pior do que o trabalho de ladrões. Os tijolos quebram. As paredes caem. Em um instante, a casa se foi.

Wood fecha o livro com um retrato do leste dos Estados Unidos em 1816, focando primeiro no norte do Estado de Nova York. Um dia naquele junho, quatro jovens estudantes andavam para a escola, a maioria sem sapatos. Então começou uma nevasca. Mandadas para casa mais cedo, as crianças correram para salvar suas vidas enquanto a neve chegava já a seus joelhos. Elas conseguiram alcançar uma cabana quente com lareira.

Para Thomas Jefferson, a dor durou mais. Em suas terras na Virgínia, o terceiro presidente aposentado dos Estados Unidos encarou um verão desastroso em 1816 por causa da temporada curtíssima de plantação. O ano seguinte foi tão ruim quanto.

Em uma carta, Jefferson expressou a preocupação sobre a possível ruína de sua fazenda Monticello "se as temporadas, contra o curso da natureza observado até aqui, continuarem a ser constantemente hostis para a nossa agricultura".

As inúmeras vítimas e alguns beneficiários da fúria do Tambora não sabiam das raízes vulcânicas de suas circunstâncias, afirma Wood, fazendo com que o desafio de escrever sobre isso seja formidável e "às vezes alucinante".

É mais comum, diz ele, que a revelação de uma ruína vulcânica global -- um retrato que está sendo formado há 200 anos -- ofereça um tipo de meditação sobre as dificuldades de se descobrir os sutis efeitos das mudanças climáticas, se as origens estão na fúria da natureza ou nos subprodutos invisíveis da civilização humana.

É, segundo Wood, "duro de ver e não menos difícil de imaginar".