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Cientistas desvendam relação íntima entre queijos e mutação de bolores

Tatiana Giraud/The New York Times
Imagem: Tatiana Giraud/The New York Times

Carl Zimmer

16/10/2015 06h00

A exemplo de muitos biólogos, Ricardo C. Rodriguez de la Vega, do Centro Nacional Francês para Pesquisa Científica, vaga pelo mundo em busca de espécies novas. Porém, enquanto outros cientistas se aventuram nas profundezas dos oceanos ou no meio da selva, Rodriguez de la Vega e colegas visitam queijarias.

Sempre que viajamos para o exterior, vamos à queijaria local e dizemos: Queremos o queijo azul mais espantoso que você tiver
Rodriguez de la Vega

O queijo que compram está vivo com bolores; na verdade, muitos queijos exigem uma espécie em particular para maturarem adequadamente. Por exemplo, no caso do queijo roquefort, os queijeiros misturam "Penicillium roqueforti" ao coalho fermentador. O bolor se espalha pelo queijo inteiro, dando a cor azul característica e seu sabor.

Por outro lado, para produzir queijos moles como camembert ou brie, os queijeiros borrifam uma espécie diferente, o "Penicillium camemberti", no coalho. O bolor espalha suas gavinhas pelo queijo em formação, vindo a formar a casca.

Quem mastiga a casca do camembert, está comendo uma cobertura sólida de bolor.

Além de influenciar o sabor, o bolor impede que o queijo estrague defendendo-o de cepas contaminadoras de fungos ou bactérias.

Ao comparar os genomas de espécies diferentes de bolor, Rodriguez de la Vega e colegas reconstruíram sua história. Em uma edição recente do periódico "Current Biology", os cientistas relataram que, inconscientemente, os queijeiros aceleraram a marcha evolucionária do bolor.

Eles não ganharam simplesmente mutações genéticas que os ajudam a crescer melhor no queijo. Nos últimos séculos, esses bolores pegaram grandes porções de DNA de outras espécies para prosperar em seu novo habitat.

É uma escala de tempo tão pequena na evolução que chega a ser impressionante
Antoine Branca, da Universidade de Paris-Sul e um dos autores do estudo

Os primeiros queijos foram feitos milhares de anos atrás. Os queijeiros desenvolveram outras variedades muitas vezes encontrando novos bolores. Foi só no começo do século 20 que os cientistas descobriram as identidades dos bolores que vinham coletando. Somente então se tornou possível às queijarias industriais selecionar determinadas cepas criadas em laboratórios para produzir queijo em fábricas.

Rodriguez de la Vega e colegas estavam curiosos para entender como as espécies de bolor mudavam quando as pessoas começavam a usá-las para fazer queijo. Afinal, as espécies silvestres do bolor Penicillium costumam se alimentar de plantas em decomposição, não de leite.

Assim, os cientistas sequenciaram os genomas de dez espécies de Penicillium. Seis delas crescem no leite – porque são usadas para fazer queijo ou porque podem contaminar o queijo e estragá-lo. As outras quatro nunca são encontradas no queijo, incluindo a "Penicillium Rubens", bolor a partir do qual Alexander Fleming isolou o antibiótico penicilina em 1928.

Os cientistas reconstruíram a árvore evolucionária desses bolores. Na base estava o ancestral comum de todas as dez espécies: um bolor silvestre que viveu há milhões de anos. À medida que seus descendentes de separavam, eles foram gradualmente se adaptando a novas formas de vida.

Os cientistas ainda podiam bactérias há 60 anos e logo viram que ela representa uma ameaça grave à saúde pública. Depois que a bactéria desenvolve resistência a antibióticos, por exemplo, os genes protetores podem ser adquiridos de outras espécies. Elas também se tornam resistentes.

Durante anos, os cientistas acharam provas de transferência genética horizontal entre eucariontes – espécies de animais como plantas e fungos. Porém, agora que os pesquisadores estão examinando de perto mais genomas, a transferência genética horizontal está se mostrando mais comum do que se pensava.

O bolor do queijo é um adotante entusiasmado de DNA estranho, constataram Rodriguez de la Vega e colegas. Até 5% do genoma inteiro de cada bolor estudado era composto pelo DNA de outras espécies.

Esse DNA vem saltando entre espécies diferentes nos últimos séculos, asseguram os cientistas franceses – provavelmente como resultado direto da produção de queijo. O fato de que pedaços do DNA adotado são idênticos em espécies diferentes sugerem que foram compartilhados recentemente, em termos evolucionários.

Os cientistas examinaram as duas maiores porções de DNA transferidos entre bolores. O maior, chamado Wallaby, contém 250 genes. O segundo maior, CheesyTer, contém perto de 60.

Nenhum dos dois estava presente nas espécies silvestre do bolor, e quando os cientistas compararam cepas de "Penicillium roqueforti", encontraram os genes somente naqueles utilizados para produzir queijo. Acontece que Wallaby e CheesyTer ajudam o bolor a crescer mais rapidamente no queijo. O CheesyTer, por exemplo, tem um gene que parece deixar o bolor quebrar a lactose, o açúcar do leite. Contudo, o gene também reduz o crescimento do bolor em uma dieta de açúcar simples.

"Nós estamos selecionando as coisas que não são boas na natureza, mas são boas para nós", afirmou Rodriguez de la Vega.

Os cientistas suspeitam que esses pedaços de DNA carreguem outros genes benéficos para o bolor forçado a se adaptar à vida no coágulo do queijo. Tatiana Giraud, coautora do estudo do Centro Nacional Francês para Pesquisa Científica, declarou que a compreensão dessa evolução poderia dar aos queijeiros novas ideias sobre como produzir outros sabores.

Todavia, Giraud também pensa que os cientistas que queiram modificar geneticamente o bolor para fazer queijos melhores deveriam levar muito a sério as lições da evolução. Outros bolores que contaminam o queijo podem pegar os genes modificados que os ajudam a prosperar, tornando-se um problema ainda mais grave para os queijeiros.

"É preciso tomar o cuidado, pois eles podem se misturar aos estragadores", ela disse.