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Edição genética evolui e cientistas já discutem os limites da alteração do DNA de embriões

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Imagem: Reprodução

Carl Zimmer

25/10/2015 06h00

Este mês, cientistas se reuniram na Academia Nacional de Ciências em Washington para conversar sobre o CRISPR, um novo método de edição genética. Nos últimos anos, a técnica se tornou tão importante e acessível que muitos especialistas começam a exigir limites para seus usos potenciais — especialmente a alteração de embriões humanos com mudanças que podem ser herdadas pelas futuras gerações.

Entre os cientistas que descreveram os avanços recentes estava um dos pioneiros do CRISPR, George Church da Faculdade de Medicina de Harvard. Em meio a sua apresentação, repleta de detalhes de bioquímica e genética, Church soltou uma bomba.

Em um experimento típico, os cientistas utilizam o CRISPR para alterar um único gene; porém, em um trabalho recente com células de porcos, Church e seus colegas utilizaram o CRISPR para alterar 62 genes de uma vez. Os pesquisadores esperam que isso venha a possibilitar o uso de órgãos de porcos para o transplante em seres humanos.

Mas o experimento também levanta uma questão mais profunda: os cientistas poderão algum dia alterar traços humanos importantes por meio da manipulação de tantos genes de uma vez?

"Isso é obviamente impressionante", afirmou Ron Weiss, biólogo sintético do MIT, que não participou do novo estudo. Mas a despeito do grande número de genes envolvidos, Weiss e outros especialistas destacam que o novo processo não significa que conseguimos superar a evolução de uma hora para a outra. O CRISPR não permite que os cientistas manipulem genes em grande escala — pelo menos por enquanto.

O experimento de Church teve sua origem na falta de órgãos para transplante. Milhares de pessoas morrem a cada ano a espera de corações, pulmões e fígados.

"É uma situação cruel, que alguém precise de um transplante de coração e seja obrigado a depender da morte de outra pessoa para ter a chance de levar uma vida saudável", afirmou David A. Dunn, especialista em transplantes da Universidade Estadual de Nova York, em Oswego.

Nos anos 90, os pesquisadores exploravam a possibilidade de utilizar órgãos de porcos em seres humanos, uma técnica conhecida como xenotransplante. Os cientistas desejavam eliminar vírus e outros patógenos presentes nos órgãos dos porcos para que eles não danificassem os hospedeiros humanos.

Mas o trabalho foi interrompido em 1998, quando Jay Fishman e seus colegas descobriram um risco bizarro. Existem genes virais escondidos no DNA dos porcos.

Eles são conhecidos como retrovírus endógenos – os humanos também têm sua parcela de DNA viral. A versão suína dos retrovírus endógenos é capaz de produzir vírus completos que infectam outras células suínas. Quando os pesquisadores misturaram células humanas e suínas em uma placa de petri, descobriram que os vírus suínos também infectavam as células humanas.

Parecia impossível acabar com os retrovírus endógenos suínos. "Eles são parte do genoma desses animais", afirmou Fishman, diretor associado do centro de transplantes do Hospital Geral de Massachusetts.

Fishman e outros pesquisadores estavam em busca de formas de superar esse entrave, mas não tiveram sucesso. Em 2013, perguntaram a Church se ele poderia alterar os genes dos retrovírus endógenos suínos, tornando-os inócuos nas células suínas e, portanto, também nas humanas.

Church concordou em tentar, embora achasse que aquilo não seria possível. Outras tentativas de desabilitar os retrovírus endógenos suínos haviam falhado, alterando de forma tão profunda o DNA que as células acabavam morrendo. Mas, afinal, o CRISPR se revelou a ferramenta perfeita para a tarefa.

No experimento mais recente, Church e seus colegas examinaram as células suínas para descobrir exatamente quantos retrovírus endógenos estariam presentes no genoma suíno. Os pesquisadores encontraram 62 genes no total. Caso fossem milhares, o experimento provavelmente não teria funcionado.

Os cientistas tiveram sorte uma segunda vez: O DNA era praticamente idêntico de vírus para vírus, já que todos descendem de um ancestral comum que invadiu o genoma suíno há muito tempo.

Para erradicar esses vírus, Church e sua equipe criaram um novo conjunto de genes, que foi inserido nas células suínas. Os genes produziram enzimas que atacavam os retrovírus endógenos e retiravam parte do DNA viral. Depois de duas semanas, as células modificadas haviam alterado todo o DNA viral.

Após o experimento, os vírus do genoma suíno mostraram pouco atividade. E apesar da complicada cirurgia genômica, os cromossomos não mostraram anormalidades e as células cresceram normalmente.

"Esse trabalho nos deixa mais perto de conquistar o acesso ilimitado a órgãos suínos seguros e confiáveis para transplantes em seres humanos", afirmou Dunn. Ele acredita que as pesquisas podem levar à criação de porcos geneticamente alterados e livres de retrovírus endógenos, o que daria origem a uma linhagem suína cujos órgãos seriam mais seguros para o transplante em seres humanos.

O mais importante é que Church e seus colegas não alteraram 62 genes com 62 moléculas CRISPR. Isso não foi necessário: uma única molécula fez todo o serviço. Até o momento, os cientistas que utilizaram moléculas múltiplas no processo conseguiram alterar menos de seis genes simultaneamente.

É claro que podemos imaginar um mundo em que os pais editam centenas de genes em seus bebês projetados para alterar inúmeras características, desde a cor dos olhos até o QI. Mas o experimento nos porcos está muito longe dessa realidade.

Entretanto, isso não quer dizer que os cientistas não serão capazes de aprender a alterar tudo de uma única vez.

Church e seus colegas já começaram a experimentar com o CRISPR para reduzir o risco de que os pacientes rejeitem os órgãos suínos, alterando 25 genes envolvidos na produção de moléculas na superfície das células suínas que disparam um alarme no sistema imunológico. Os resultados ainda não foram publicados.

Esperamos que os cientistas aumentem rapidamente sua capacidade de alterar os genes nos próximos anos, afirmou Weiss. "Seremos capazes de alterar 12 genes em 12 segundos? Isso certamente não vai ser possível."

"Mas 12 dias não está tão longe da realidade".