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Plantas carnívoras sabem contar

James Gorman

06/02/2016 06h00

Plantas carnívoras alimentam a imaginação. Por isso, estão em novelas de ficção científica (“The Day of the Triffids”), em peças da Broadway (“Pequena Loja dos Horrores”) e na pesquisa recente que concluiu que as dioneias, ou vênus papa-moscas, podem contar.

Não em voz alta, claro. E ninguém está dizendo que as plantas têm consciência de que estão contando. Mas, mesmo assim, essa é a primeira vez que alguém demonstra a capacidade de contar de uma planta, segundo o pesquisador que liderou a experiência, Rainer Hedrich, da Universidade de Wurzburg, na Alemanha.

Hedrich, Jennifer Bohm e Sonke Scherzer, todos de Wurzburg, e uma equipe de outros cientistas relataram sua pesquisa na revista Current Biology.

As dioneias são plantas carnívoras. Vivem em terra pobre e tiram os nutrientes de que precisam de insetos que apanham e dissolvem. Sua armadilha é um par de folhas que agem como mandíbulas e estômago.

Quando um inseto pousa e toca nos pelos que servem de gatilho na superfície das folhas, elas se fecham. À medida que as enzimas digestivas penetram na armadilha, ela se torna o que Hedrich chama de "estômago verde", e a presa gradualmente se transforma em uma sopa nutritiva.

Os cientistas sabiam que um inseto teria que bater nos gatilhos mais de uma vez para fazer com que a armadilha se fechasse, provavelmente para evitar gastos de energia ao responder a gotas de chuva aleatórias e aos fragmentos trazidos pelo vento.

Em uma experiência recente, os pesquisadores estudaram como a planta respondia aos movimentos dos pelos e determinaram que ela estava contando os impulsos elétricos que vinham deles.

As plantas não têm sistema nervoso para transmitir esses impulsos como os animais, mas um aumento na eletricidade produzida pelas mudanças bioquímicas pode viajar pela superfície das células.

Os pesquisadores estimularam os gatilhos enquanto gravavam a atividade elétrica da planta. As células motoras que fecham as folhas sobre as presas agiam apenas quando recebiam dois sinais em cerca de 20 segundos. Isso significa que, de alguma maneira, as células se lembravam do primeiro sinal por um curto período. Depois de 20 segundos, esse primeiro impulso elétrico era esquecido, essencialmente reiniciando o processo.

Mas fechar a armadilha sobre o inseto é apenas o primeiro passo. A dioneia precisa também dissolver a presa. Mexer duas vezes nos pelos que servem de gatilhos não foi o suficiente para iniciar o mecanismo. Foi preciso mais de três estímulos no gatilho para avisar às células que era hora de produzir enzimas digestivas para começar o processo.

Na natureza, os gatilhos são ativados várias vezes enquanto a presa se debate na armadilha. Esse frenesi também dá à planta uma maneira de julgar a quantidade de enzimas digestivas necessárias. Hedrich e seus colegas descobriram que mais sinais elétricos vindo dos gatilhos se traduziram proporcionalmente em mais enzimas despejadas no estômago verde.

O doutor David Chapham, de Harvard, que estuda a bioquímica de como as células dos animais geram sinais elétricos de modo a transmitir informações para seus sistemas nervosos, disse que ficou intrigado pelo que pareceu ser um sistema que funciona "na hora certa" de fornecer os sucos digestivos. A dioneia gasta energia para produzir as enzimas apenas quando necessita delas e faz somente a quantidade necessária, um mecanismo eficiente para uma planta que vive em ambientes pobres.

O processo é lento se for comparado com o que acontece em animais, diz ele, mas "as plantas têm muito mais tempo para reagir".

Hedrich disse que os sinais elétricos são produzidos a partir de mudanças bioquímicas e que esse processo evoluiu muito cedo na história da vida. "Uma simples célula pode ser excitada eletricamente", afirma.

Perguntado sobre animais primitivos, como o verme C. elegans, estudado em vários laboratórios em todo o mundo por muitos e muitos cientistas, ele brincou: "Acho que a dioneia é muito mais inteligente do que o C. elegans". Depois, rapidamente acrescentou com uma risada: "Não diga que fui eu que falei isso".