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Ciência estuda como o cérebro reage quando está sob o efeito de música

Marcos Chin/The New York Times
Imagem: Marcos Chin/The New York Times

Natalie Angier

20/02/2016 06h00

Quer seja para animar o trajeto para o trabalho, relaxar à noite ou encobrir o barulho do drone recreativo do vizinho, os norte-americanos escutam música quase quatro horas por dia. Em pesquisas internacionais, as pessoas sempre elencam a música como uma das fontes supremas de prazer e de poder das emoções. Nós nos casamos ouvindo música, nos formamos ouvindo música, pranteamos ouvindo música. Toda cultura já estudada fazia música, e, entre os objetos artísticos mais antigos encontrados, estão flautas esguias feitas de ossos de mamute perto de 43 mil anos atrás -- 24 mil anos antes das pinturas nas cavernas de Lascaux.

Em função da antiguidade, universalidade e profunda popularidade da música, muitos pesquisadores presumem há tempos que o cérebro humano deve estar equipado com uma espécie de sala de música, um pedaço característico da arquitetura cortical dedicada a detectar e interpretar os sinais harmoniosos da canção. Mesmo assim, durante anos, cientistas não conseguiram achar qualquer evidência clara de um domínio específico da música por meio da tecnologia convencional de tomografia cerebral, e a busca pela compreensão da base neural de uma paixão humana quintessencial fracassou.

Agora, pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) criaram uma nova abordagem radical para a tomografia cerebral que revela o que os estudos anteriores não encontraram. Ao analisar matematicamente as imagens do córtex auditivo e agrupando aglomerados de células cerebrais com padrões de ativação similar, os cientistas identificaram vias neurais que reagem quase que exclusivamente ao som da música -- qualquer música. Pode ser Bach, bluegrass, hip hop, big band, cítara ou Julie Andrews. Um ouvinte pode adorar ou odiar a amostra do gênero. Não importa. Quando uma passagem musical é tocada, um conjunto distinto de neurônios escondidos dentro de um sulco do seu córtex auditivo se acende em resposta.

Outros sons, em comparação -- cão latindo, carro derrapando, descarga de privada -- não afetam os circuitos musicais.

Nancy Kanwisher e Josh H. McDermott, professores de Neurociência do MIT, e Sam Norman-Haignere, seu colega do pós-doutorado, informaram os resultados ao periódico científico "Neuron". As descobertas oferecem aos pesquisadores uma nova ferramenta para explorar os contornos da musicalidade humana.

"Por que temos música? Por que gostamos tanto e queremos dançar ao ouvi-la? O quão cedo no desenvolvimento vemos essa sensibilidade à música, e será que ela é ajustável com a experiência? Essas são perguntas legais e relevantes que podemos começar a responder", disse Nancy durante entrevista.

McDermott disse que o novo método poderia ser usado para dissecar de forma computadorizada qualquer exame de ressonância magnética funcional (RMF) -- o burro de carga da moda da neurociência contemporânea -- e, assim, revelar outras pérolas escondidas da especialização cortical. Como prova de princípio, os pesquisadores mostraram que seu protocolo analítico detectou uma segunda via neural no cérebro da qual os cientistas já dispunham de evidências, sintonizada nos sons da fala humana.

O importante é que a equipe do MIT demonstrou que os circuitos de fala e música ficam em partes diferentes do grande córtex auditivo do cérebro, onde todos os sinais sonoros são interpretados, e que cada um é em grande medida surdo às pistas sonoras do outro, embora exista alguma sobreposição quando se trata de reagir a músicas com letra.

O novo estudo "assume uma abordagem muito inovadora e é de grande importância", disse Josef Rauschecker, diretor do Laboratório de Cognição e Neurociência Integradora da Universidade Georgetown. "A ideia de que o cérebro dá tratamento especializado ao reconhecimento da música, que considera a música uma categoria tão fundamental quanto a fala, é muito empolgante para mim."

Segundo Rauschecker, na verdade, a sensibilidade à música pode ser mais fundamental ao cérebro humano do que a percepção da fala. "Existem teorias segundo as quais a música é mais antiga do que a fala ou a linguagem. Há até quem sustente que a fala evoluiu a partir da música."

E mesmo que a importância da música para a sobrevivência de nossos ancestrais possa não ser tão imediatamente óbvia quanto a capacidade de reconhecer palavras, no entender de Rauschecker, "ela funciona aglutinando o grupo. Fazer música com outras pessoas da sua tribo é uma coisa muito humana e antiga".

Elizabeth Hellmuth Margulis, diretora do Laboratório de Cognição Musical da Universidade do Arkansas, disse que quando os neurocientistas não conseguiram achar um centro musical diferenciado no cérebro, eles apelaram a várias linhas de raciocínio para explicar os resultados.

"A história era de que o aspecto especial da percepção musical era como ela recruta áreas de todo o cérebro, como recorre ao sistema motor, ao circuito da fala, compreensão social, e junta tudo", disse ela. Pesquisadores desqualificavam a música como um passatempo auditivo que cooptava outros impulsos comunicativos essenciais. "Já o novo estudo diz que quando examinamos o nível mais bruto visto em algumas metodologias, vemos circuitos muito específicos que respondem à música antes da fala."

O laboratório de Nancy Kanwisher é amplamente reconhecido pelo trabalho pioneiro com a visão humana, e que porções centrais do córtex visual estão preparadas para reconhecer instantaneamente alguns objetos altamente significativos no ambiente, como rostos e partes do corpo humano. Os pesquisadores se perguntaram se o sistema auditivo pode ser organizado de forma similar para compreender a paisagem sonora por meio de um exame de categorias. Se assim fosse, quais seriam as principais categorias? Quais são os equivalentes auditivos a um rosto ou perna humanos -- sons ou elementos sonoros tão essenciais que o cérebro destina uma parte de sua massa cinzenta à tarefa de detectá-los?

Para responder a essa questão, McDermott, ex-DJ de rádio e clubes noturnos, e Norman-Haignere, violonista clássico tarimbado, começaram a coletar uma biblioteca de sons do cotidiano -- música, fala, riso, choro, cochicho, pneus derrapando, bandeiras ondulando, ruídos de louças, crepitar de chamas, tilintar de sinos de vento. A todo lugar que ia, a dupla pedia sugestões. Haviam esquecido alguma coisa?

Eles colocaram a lista comprida em votação no serviço de financiamento coletivo Mechanical Turk, da Amazon, para determinar quais dos seus candidatos a sons eram mais facilmente reconhecidos e ouvidos com maior frequência. A pesquisa em massa rendeu um conjunto de 165 sons com dois segundos de duração, muito característicos e facilmente identificáveis. A seguir, os pesquisadores examinaram o cérebro de dez voluntários (nenhum músico) enquanto ouviam diversas rodadas desses 165 sons.

Concentrando-se na região auditiva do cérebro -- localizada, apropriadamente, nos lobos temporais bem acima do ouvido --, os cientistas analisaram matematicamente imagens dos "voxels", pixels tridimensionais, para detectar padrões similares de empolgação ou quietude neuronal.

"A força do nosso método está no fato de ser neutro em termos de hipóteses. Apenas apresentamos um monte de sons e deixamos os dados falarem por si mesmos", disse McDermott.

A computação gerou seis padrões de resposta básicos, seis formas de o cérebro categorizar o ruído que entra. Porém, ao que correspondem essas categorias? Ao combinar os sons com padrões de ativação, os pesquisadores determinaram que quatro padrões estavam associados a propriedades físicas gerais do som, como altura e frequência. O quinto acompanhava a percepção cerebral da fala, enquanto o sexto padrão se mostrou operacional, revelando um centro ativo de resposta neuronal no principal sulco do córtex auditivo que cuidava de cada trecho musical que os pesquisadores tocavam.

"O som de um solo de bateria, assobio, canções pop, rap, praticamente tudo que tenha um aspecto musical, melódico ou rítmico, ativava aquele ponto. Esse é um dos motivos para o resultado nos surpreender. Os sinais da fala são muito mais homogêneos", afirmou Norman-Haignere.

Os pesquisadores ainda precisam determinar exatamente quais características acústicas da música estimulam sua via dedicada. A constância relativa do tom de uma nota musical? Suas sobreposições harmônicas? Até mesmo dizer o que é música pode ser complicado.

"É difícil criar uma definição de dicionário. Tendo a acreditar que a música é mais bem definida por um exemplo", declarou McDermott.

O juiz Potter Stewart, da Suprema Corte dos Estados Unidos, disse de forma similar que sabia o que era pornografia ao vê-la. Talvez a música seja mesmo uma espécie de passatempo.

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Imagem: Marcos Chin/The New York Times

Participando de uma experiência musical

Não sou claustrofóbica nem inquieta. Adoro música embora não seja musicista. Por mais que tenha escrito sobre estudos neurocientíficos baseados na técnica de mapeamento cerebral chamada ressonância magnética funcional, nunca vi o exame ser realizado. Essa era a minha chance.

Use-me, implorei a Nancy Kanwisher, professora de Neurociência do MIT. Use-me no experimento recentemente descrito no periódico "Neuron" e mostre onde no cérebro -- no meu cérebro -- se encontra a via específica da música. Deixe-me deitar na câmara escura e estreita da máquina com minha cabeça preparada enquanto escuto uma série de trechos sonoros cuidadosamente selecionados.

Garanti a ela que o ambiente fechado não me deixaria em pânico. Prometi que ofereceria dados bons e limpos, além de ficar parada como uma estátua, evitando os pequenos bamboleios na cabeça que são a perdição da pesquisa com a RMF.

Kanwisher aceitou meu pedido e eu fui levada à sala de exame, no porão, por Sam Norman-Haignere, aluno de pós-doutorado e um dos autores do novo estudo, que é magro, tem olhos claros e lembra um pouco um trovador da Renascença, e Alex Kell, estudante de pós-graduação de barba loira e sorriso amistoso.

O aparelho de ressonância magnética usa ondas de rádio e campos magnéticos poderosos para rastrear o fluxo sanguíneo no cérebro, uma medição indireta da atividade neural. Fui instruída a remover minhas botas, cinto, brincos, qualquer coisa metálica que pudesse interferir com as bobinas magnéticas. E meus implantes dentários de titânio, eu quis saber ansiosa? Não se preocupe, não serão um problema.

E assim, preparada com fones de ouvido personalizados para a máquina, que transmitiriam os sons e abafariam os barulhos ensurdecedores das bobinas vibrantes, eu me instalei na maca deslizante até ser transportada às entranhas cilíndricas do aparelho de US$ 3 milhões, e a experiência começou.

Durante 90 minutos, ouvi 25 sons, cada "estímulo" de dois segundos era tocado três vezes em sequência, seguido pelo estrondo abafado das bobinas, um intervalo silencioso e, a seguir, o próximo trecho.

Ouvi o som de um avião decolando, de torcida vibrando, líquido sendo despejado no copo, um "riff" alegre de banjo que, para mim, poderia ter vindo do clássico bluegrass "Rocky Top". Escutei uma mulher falando alemão, outra falando francês e uma terceira sussurrando em alto volume: "Eles terão outra chance para fechar o acordo". Eu ouvi o que pensei ser uma bola rolando na roleta, mas depois soube que era uma cadeira deslizando no chão. Ouvi uma menininha declarar "minha mãe vai para o hospital" e um homem berrar, ao estilo de comédia nova-iorquina, "além disso, trabalhei 20 anos para o pai dela". Ouvi fragmentos de piano clássico e trompetes de mariachis, a batida da música techno.

Ouvi esses sons diversas vezes, em ordens diferentes. Eu me perguntava sonhadoramente se eles definiam minha vida. Mantive a promessa e não me mexi. Quanto ao comportamento dos voluntários da pesquisa, Kell depois me cumprimentou: "Você é igual a nós".

Após calcular a intensidade relativa de cada voxel, no exame das porções auditivas do meu cérebro, Norman-Haignere me mostrou os resultados. Dentro de um grande sulco, que corre pelo córtex auditivo, havia um "centro ativo de seletividade musical", acima e um pouco à frente do ouvido. Havia um segundo e menor centro ativo musical no sentido da parte posterior da cabeça, que eu queria que fosse uma prova da minha musicalidade excepcional, até Norman-Haignere contar que eles haviam visto um circuito reserva semelhante em quase metade dos voluntários testados. Meu centro ativo específico da fala ficava logo abaixo do meu ouvido.

Os pesquisadores agora estão explorando a via musical mais detalhadamente. A primeira rodada de voluntários era composta por não músicos, como eu. Será que dominar um instrumento faz o centro ativo se acender com mais força? Eles vão examinar crianças de várias idades, para saber quando a atenção musical se apresenta no cérebro. E o que jaz por trás de um simples reconhecimento da sequência dó, ré, mi? Como as vias da percepção musical tiram proveito do sistema límbico cerebral, para provocar grandes sensações de alegria, tristeza, anseio, empolgação, como só a música consegue fazer?

A neurociência da música só está começando, e nossos cérebros não podem perder a afinação.